Apesar da posição contrária do Governo ao projeto, áreas protegidas da região correm riscos.
Segundo o Governo, o zoneamento da cana foi feito para impedir o plantio em algumas |
A bancada ruralista venceu mais uma etapa do processo legislativo do projeto de lei que permite o plantio de cana-de-açúcar em áreas de preservação sensíveis, como a Amazônia Legal e o Pantanal. Na manhã de terça-feira (03), a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) aprovou, por unanimidade, a medida, que tramita no Senado Federal como PLS 626/2011.
Na pauta da CCT desde o dia 31 de outubro, os senadores petistas Walter Pinheiro (BA) e Aníbal Diniz (AC), cientes da expressiva maioria ruralista na comissão, tentaram postergar ao máximo a votação, utilizando artifícios regimentais. Mas perderam a batalha, na sessão em que não puderam comparecer. O Governo já havia se posicionado contrária à matéria.
Articulados, os ruralistas têm obtido êxito nas trocas de relatoria e agilizado a tramitação do projeto. Na votação de ontem, por exemplo, o comparecimento expressivo de membros da comissão ligados ao agronegócio evitou até a leitura de um voto em separado do senador João Capiberibe (PSB-AP), protocolado desde o dia 13 de novembro junto à secretaria da comissão. “Não chegou, dançou”, pressionou o relator da matéria, Ivo Cassol (PP-RO). E completou o autor, senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA): “Vamos embora”. Sem objeções, o presidente da CCT, senador Zeze Perrella (PDT-MG), prossegui com a votação.
O texto, omitido, de Capiberibe mostra quão inoportuno é o PLS 626. “As dubiedades de interpretação geradas pelos conceitos equivocados utilizados no projeto causariam graves consequências socioambientais negativas para a Região Amazônica e resultariam na repetição de um modelo de desenvolvimento atrasado e não condizente com os desafios contemporâneos colocados pela realidade das Mudanças Climáticas no mundo”, alerta o representante do Amapá.
Na prática, o PLS 262 cria um conjunto de incentivos financeiros, políticas públicas e permissões legais para implantação e desenvolvimento da cadeia produtiva da cana-de-açúcar e de empreendimentos do setor sucroalcooleiro na Amazônia. Esse pacote seria responsável por introduzir novas fronteiras de pressão territorial contra a floresta amazônica, o que resultaria em aumento dos índices de desmatamento e em novas expulsões de populações tradicionais de suas terras e regiões ocupadas historicamente por seus antepassados.
O impacto negativo do projeto já levou até os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente condenarem a expansão das áreas de cultivo de cana para além do Zoneamento Agroecológico da Cana (ZAE), na única rodada de discussão com o Governo Federal que houve, em abril de 2012, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).
Na contramão dos especialistas
Alegam autor e relator do projeto que o plantio seria sustentável – ocorreria apenas nas áreas já degradas – e que há necessidade de aumentar a produção nacional de biocombustíveis. “Os impactos positivos suplantam os negativos”, afirma Cassol na análise do projeto.
A má fé dos ruralistas se torna ainda mais evidente com a alteração da emenda do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que dava um pequeno limite territorial à matéria. Cassol a retirou a exigência de que somente áreas degradadas seriam ocupadas com o cultivo da cana. Com a versão atual, é considerada apenas prioritária, mas não obrigatória, a ocupação de áreas degradadas da Amazônia Legal.
Em nota técnica, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) lembrou que o ZAE da Cana foi elaborado com a finalidade de impedir o plantio de cana em algumas regiões e incentivar em outras, a partir das informações sobre a fragilidade do solo. De acordo com o Zoneamento, “o País não necessita incorporar áreas novas e com cobertura nativa ao processo produtivo”, porque dispõe de cerca de 63,48 milhões de hectares de áreas aptas à expansão do cultivo com cana-de-açúcar.
O MMA também observou que o Governo desenvolve diversas iniciativas para promover o desenvolvimento socioeconômico da região amazônica aliado à conservação ambiental. “É exemplo a recente aprovação do zoneamento agroecológico da cultura de palma de óleo, que tem a região como alvo prioritário, e constitui alternativa de inclusão econômica e social para os produtores locais”, dizia o texto, que sugeriu o arquivamento do projeto.
Outra fala elucidativa foi emitida pelo coordenador-geral de Açúcar e Álcool da Secretaria de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura, Cid Jorge Caldas, enquanto o projeto ainda estava na CRA. Caldas observou que os empresários que se aventurarem a explorar a cana-de-açúcar e a produção de biocombustível, na certa, colherão prejuízos. “O clima e a localização da Amazônia tiram o atrativo do investimento”, afirmou.
À época, Caldas deu como exemplo o caso de uma usina de álcool, localizada a 150 km de Manaus (AM), que enfrenta enormes dificuldades com a interrupção constante do trabalho por semanas inteiras, por causa das chuvas. “Esta usina funciona por um dia ou dois, e interrompe o trabalho por uma semana, enquanto usinas de outras regiões do País funcionam diuturnamente”, disse. “Além disso, a Amazônia está distante dos centros comerciais, dos portos, fatores que elevam o custo da produção, sem contar o encarecimento de terra e insumos dos últimos anos.”
Tramitação
Além da CCT e da CRA, o projeto já foi aprovado nas comissões de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) e de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA). Em todas, a matéria passou com facilidade, dada a composição majoritária ruralista dos colegiados, sendo que em caráter terminativo na CMA – o que levaria o PLS
Preocupados com o impacto ambiental da medida, os senadores atentos à causa ambiental apresentaram recurso à mesa diretora do Senado e conseguiram incluir a CCT e a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no processo de tramitação e obrigar a CDR, a CRA e a CMA a reexaminar a medida. Dessa forma, o PLS 626 agora passa a tramitar na CAE.
Catharine Rocha
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