O último foi o que ocorreu recentemente. Houve uma interrupção de fornecimento de energia elétrica que durou aproximadamente 38 minutos e que afetou menos de 3 % da população brasileira. Isso foi o suficiente, no entanto, para se fazer um enorme e estridente estardalhaço. Insinua-se que o sistema não é confiável e que faltará energia.
Bom, a última vez que houve falta estrutural de energia foi durante o apagão de FHC, lá em 2001. De fato, naqueles idos o país enfrentou um problema grave e real de insuficiência no fornecimento de energia, em razão de anos de falta de investimento, combinados com um período de chuvas escassas.
E bom refrescar a memória. Naquela época, todos os brasileiros (100%, e não 3%) foram forçados a reduzir compulsoriamente o seu consumo energia elétrica em pelo menos 20%, sob pena de terem seu fornecimento cortado. Também foram planejados apagões rotativos pelo Brasil, para evitar o iminente colapso total do sistema. Foi um Deus nos acuda que durou oito longos meses, não apenas alguns minutos Ao final dessa via crucis energética nacional, as empresas de energia elétrica ainda foram presenteadas com uma majoração das tarifas, para compensar a redução do faturamento ocorrida ao longo do apagão. Assim, os brasileiros foram duplamente penalizados: primeiro, com falta de energia; depois, com o aumento das tarifas.
Hoje, no entanto, a situação do nosso sistema elétrico é completamente diferente. Esse setor foi inteiramente reconstruído, nos últimos 10 anos.
De fato, foi criado um novo modelo para o setor elétrico, com base em um amplo debate com os atores do setor energético, ocorrido ao longo de 2003. Esse novo modelo institucional do setor de energia elétrica já tem praticamente uma década e seus resultados são muito positivos. Tal modelo tem fundamento num tripé: segurança do suprimento energético, modicidade tarifária e universalização do atendimento.
Com o intuito de se atingir o primeiro objetivo, qual seja, o da segurança energética, foram fortalecidas, em primeiro lugar, as competências do Estado no planejamento do setor energético nacional, algo que havia sido praticamente abandonado, ao longo dos governos de tinte neoliberal. Criou-se também a obrigatoriedade de contratação de energia no longo prazo, e não apenas no curto prazo, o que foi extremamente importante para garantir a segurança do suprimento de energia elétrica. Ademais, tal contratação só pode ser efetivada, nesse novo modelo, com agentes de geração que comprovem a capacidade física das suas usinas, no atendimento à demanda prevista, garantia que não estava prevista anteriormente.
Para a consecução do segundo objetivo, a modicidade tarifária, o novo modelo estimula a competição entre os agentes, na construção de usinas geradoras e de sistemas de transmissão, através dos famosos de leilões pelo menor preço. E, de fato, os preços diminuíram. No período 2005/2012, nos leilões de geração para a contratação de energia nova, os preços de contratação da energia se reduziram, em valores constantes de dezembro/2012, de R$ 175,16 para R$ 91,25. No caso dos custos da transmissão, a redução média atingiu, no mesmo período, 24%. Além disso, foram tomadas medidas para que tal redução chegasse ao consumidor, tanto pessoa física quanto pessoa jurídica, em 2013. Com efeito, tais medidas de desoneração já estão reduzindo o preço final da energia elétrica para os consumidores domésticos em 16,2% e para o setor produtivo em até 28%.
Finalmente, com relação ao terceiro objetivo, a universalização do atendimento, há o Programa Luz para Todos. Esse programa que comemorou, em 2013, dez anos de existência, já beneficiou, neste período, cerca de 15 milhões de brasileiros do meio rural com mais de três milhões de ligações de energia elétrica. Em 2014, o Luz para Todos deve executar 261 mil novas ligações e proporcionar o acesso à eletricidade a mais de 1,18 milhão de moradores rurais.
No que tange especificamente à evolução da capacidade instalada de geração, fundamental para a segurança energética, observa-se, conforme o último relatório divulgado da ANEEL e o Gráfico 1, que ela vem crescendo a taxas substanciais.
O mesmo pode ser dito, no que tange à capacidade de distribuição, conforme se depreende do Gráfico 2.
Tal esforço de expansão, tanto na geração quanto na distribuição, persistiu em 2013 com quatro leilões de geração de energia, que acrescentaram 7.145 Megawatts (MW) à capacidade instalada, e quatro leilões de transmissão, agregando 8.134 km à rede de circuitos básicos no País. Manteve-se, assim, a política de planejar e contratar, com antecedência, a expansão do sistema, para propiciar, às empresas e consumidores, segurança na oferta. Apenas entre 2011 e 2013, ampliou-se em 14.690 MW a capacidade de geração e em 16.122 km a rede de circuitos básicos no País.
Assim sendo, não há a menor relação entre a situação do nosso setor elétrico em 2001, quando houve falta estrutural de energia, e o recente blackout. Hoje, a capacidade instalada nas hidroelétricas, a rede de distribuição e a rede auxiliar de termoelétricas dão segurança ao Brasil de que não faltará energia.
Lembre-se que, em 2013, houve também uma situação conjuntural de decréscimo nos níveis dos reservatórios e a imprensa amedrontou a população com um futuro “apagão”, que esteve longe de se concretizar.
Naquele ano, o físico Pinguelli Rosa, um dos maiores especialistas do Brasil em energia, escreveu, com muita propriedade, que: A situação de 2013 se diferencia daquela do ano 2001, quando foi decretado um racionamento compulsório de energia elétrica. Hoje há significativa capacidade instalada de usinas termelétricas operando em complementação às hidrelétricas, por determinação do ONS, além das nucleares e de outras fontes, como eólicas, cujo custo diminuiu bastante nos últimos leilões, embora muitas ainda não estejam operando por falta de conexão às linhas de transmissão.
Com relação à confiabilidade do sistema elétrico brasileiro, é bom lembrar que ele é qualificado, pelos especialistas, como um sistema muito confiável, principalmente quando levamos em consideração a sua extensão e complexidade.
É claro que tal confiabilidade pode melhorar ainda mais, quando entrarem em operação as novas usinas hidroelétricas e foram concluídas as linhas de transmissão que conectarão as novas usinas eólicas às redes. Também podem ser feitos esforços para tornar a malha elétrica menos vulnerável a raios, já que o Brasil é um dos países mais afetados por essas descargas elétricas, que tendem a aumentar com as mudanças climáticas. Mas, no curto e médio prazo, não há possibilidade de ameaça de colapso do sistema, como ocorreu em 2001.
É bom salientar também que nenhum sistema elétrico está totalmente isento de falhas e erros eventuais.
Lembre-se do caso da Hydro-Québec, considerada a melhor companhia de eletricidade do mundo, modelo de competência e boa gestão. Em janeiro de 1998, o fenômeno climático conhecido como verglas ou iced rain provocou um blackout no suprimento da Hydro-Québec que se estendeu de Ontário à Nova Escócia, afetou cerca de 5 milhões de pessoas, ou 17% da população canadense, e durou, ao todo, até que os últimos consumidores tivessem a sua energia restabelecida, um mês inteiro (de 6 janeiro a 6 de fevereiro). Vinte e oito pessoas morreram e a economia da província de Quebec ficou praticamente paralisada por semanas.
Enfim, temos hoje uma situação bem diferente da que tínhamos em 2001. Apagão comparável àquele que tivemos só mesmo o apagão mental que vem tomando conta da mídia e da oposição. Fiat Lux!
Marcelo Zero é assessor técnico da Liderança do PT no Senado