As provas de que Demóstenes Torres mentiu – e merece a cassação

“Não é crível que um Secretário de Segurança Pública, por duas vezes o chefe do Ministério Público, desconhecesse a folha corrida de seu interlocutor”, diz o relator Humberto Costa (PT-PE)
 

Ao longo de todo o processo que apurou seu possível envolvimento com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) pediu insistentemente para não ser julgado pelo que disse, mas pelo que fez. Os atos e os fatos contra o senador que um dia encarnou o papel de “paladino da moralidade” entre seus pares estão descritos ao longo de 79 páginas do relatório do Humberto Costa (PT-PE), que também não se furtou a analisar as contradições e diferenças entre as palavras e os feitos do acusado.

Ao contrário do que a defesa tentou demonstrar, a relação entre Demóstenes e Cachoeira ia muito além das “circunstâncias meramente sociais”. Depoimentos, interceptações de conversas telefônicas e outras provas arroladas pelo relator demonstram que os encontros de ambos se davam em torno de problemas relativos aos negócios de Cachoeira. Humberto considerou “bizarra” a justificativa apresentada por Demóstenes para o que teria sido o início da amizade. Segundo o acusado, Cachoeira o teria procurado, quando era secretário de Segurança de Goiás, pedindo que ele reprimisse operadores de jogos de azar ilegais que atuavam no estado. “Isso me lembra o final do filme Casablanca, quando o Capitão Renault manda prender os ‘suspeitos de costume’ e sucumbe ao convite para uma grande amizade”, ironiza o relator.

Humberto não crê que Cachoeira tenha pedido a Demóstenes que desbaratasse o jogo do bicho, “a não ser que a ação repressiva da polícia goiana se limitasse à eliminação da concorrência”, já que era notório seu envolvimento com esse tipo de contravenção penal e sua “posição de destaque nesse ramo de negócios”. “Não é crível que um secretário de Segurança Pública, que antes fora, por duas vezes, o chefe do Ministério Público Estadual, desconhecesse a folha corrida de seu interlocutor”.

Em seu relatório, Humberto também lembra que Demóstenes Torres foi integrante da CPI dos Bingos — chegou a entrar com um mandado de segurança para ser escalado para a comissão – onde atuou como “implacável inquisidor”. Cachoeira foi personagem de destaque nas investigações. Mas hoje o mesmo Demóstenes diz não se lembrar de ter participado da CPI. “Foi tomado por súbita amnésia em relação a esses fatos, nos quais o seu protagonismo muito contribuiu para sua própria projeção como político notável, de envergadura nacional”, acrescenta o relator.

Em seu depoimento ao Conselho de Ética, Demóstenes mostrou-se orgulhoso de seus conhecimentos tecnológicos sobre a suposta “invulnerabilidade” dos aparelhos rádio-celulares marca Nextel, expertise que teria sido adiquirida quando exerceu o cargo de secretário de Segurança Pública de Goiás. Apesar disso, no âmbito da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, foram interceptadas e já degravadas pelo menos 97 ligações do acusado para o contraventor, usando o aparelho Nextel.

Em várias oportunidades, Demóstenes Torres alegou que conversava muito com Carlinhos Cachoeira por conta dos problemas conjugais de seu suplente.  “Um detalhe curioso: pelas conversas telefônicas já degravadas, em nenhuma vez trataram do problema conjugal que o representado asseverara ao Plenário ser o grosso de suas conversas com Cachoeira”, aponta o relator.

O relatório de Humberto lembra ainda, quer as interceptações telefônicas mostram Demóstenes aconselhando Cachoeira contra um projeto que endurecia o combate aos jogos de azar. “Isso te pega”, alerta o senador ao contraventor.

Desde 1999, a vida política de Demóstenes gravita em tornos dos interesses de Carlinhos Cachoeira no ramo de jogos de azar”, conclui o relatório de Humberto, para quem o papel do senador não era apenas operacional, mas o de “braço político”, um “facilitador institucional que poderia auxiliar na manutenção e na satisfação dos interesses de Cachoeira”.

Giselle Chassot

Foto externa: Agência Senado 

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