Projeto foi talhado à medida para fustigar a bem sucedida participação de empresas brasileiras na construção do Porto de MarielA Comissão de Relações Exteriores (CRE) aprovou nesta quinta-feira (23) uma proposta que poderá dificultar o fomento público à crescente exportação de serviços brasileiros, especialmente na área de engenharia. Talhado à medida para fustigar a bem sucedida participação de empresas brasileiras na construção do Porto de Mariel, em Cuba, o projeto de autoria do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) quer extinguir o sigilo bancário nas operações de empréstimos feitos por instituições financeiras públicas brasileiras a Estados estrangeiros ou quando “a operação contar com garantia direta ou indireta de Estado estrangeiro”, como é o caso do financiamento ao porto cubano.
Apesar das ponderações dos senadores Jorge Viana (PT-AC), Lindbergh Farias (PT-RJ), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Hélio José (PSD-DF), que propunham a realização de uma audiência pública que permitisse ao colegiado analisar com mais profundidade as consequências da medida, os oposicionistas da CRE preferiram persistir no que Lindbergh chamou de “clima de guerra fria”, uma disposição que, como lamentou o senador petista, vem marcando os debates e posturas da comissão desde sua instalação, em março deste ano, sob a presidência do tucano Aloysio Nunes (PSDB-SP).
Desde a inauguração do Porto de Mariel, em janeiro de 2014, representantes da oposição vêm criando um clima desfavorável ao investimento brasileiro, que abriu uma vasta gama de possibilidades para as exportações do País. O porto está instalado em Artemisa, Costa Norte de Cuba, a 40 quilômetros de Havana e a apenas 150 quilômetros da Flórida, nos Estados Unidos. Para a construção da instalação, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fez um empréstimo de US$ 800 milhões a Cuba, o que assegurou a contratação de empresas brasileiras para o fornecimento de equipamento e realização de obras de engenharia, assegurando a criação de milhares de empregos diretos e indiretos no Brasil.
Como não conseguiram impedir a parceria Brasil-Cuba em torno do porto, os oposicionistas resolveram mirar na participação brasileira em um mercado que movimenta US$ 6 trilhões por ano, que é o setor de serviços — que representa hoje, cerca de 80% do PIB dos países mais desenvolvidos e ao redor de 25% do comércio mundial. “Somente o mercado mundial de serviços de engenharia movimenta cerca de US$ 400 bilhões anuais e as exportações correspondem a 30% desse mercado”, informou Jorge Viana. A posição brasileira nesse setor ainda relativamente pequena, oscilando entre US$ 1 bilhão e US$ 2,5 bilhões, desde o início da década de 1990. A experiência bem sucedida de Mariel dinamizou o segmento que, apenas em 2010, gerou cerca de 150 mil empregos diretos e indiretos no País.
“Os defensores do projeto falam como se o BNDES fosse uma caixa preta que precisasse ser aberta. Entretanto, a instituição está entre os bancos de desenvolvimento mais transparentes do mundo, atendendo a critérios que nem mesmo seus similares dos EUA, Reino Unido e França preenchem, neste quesito”, ressaltou Viana.
Lindbergh e Viana tentaram, em vão, explicar aos oposicionistas que o fim do sigilo em empréstimos poderá inibir o interesse das empresas brasileiras na exportação de serviçosLindbergh ponderou que o afastamento do sigilo bancário neste tipo de operação poderá inibir o interesse das empresas brasileiras nesse tipo de investimento, já que ficariam mais vulneráveis na necessária preservação de informações sobre suas estratégias comerciais. “Se esse projeto de lei for aprovado, o Brasil não vai conseguir mais disputar o mercado internacional de exportação de serviços”, alertou o senador fluminense. “Estaremos prejudicando as empresas brasileiras em um setor extremamente competitivo”.
O Brasil é um exportador relevante de tubos geradores, de aeronaves, de materiais elétricos, de vários tipos de bem de capital para material ferroviário e locomotivas, entre outros. As exportações de equipamentos e bens têm uma base de financiamento padronizada. “Portanto, não é através do financiamento que se dá a capacidade do exportador competir, mas sim através da sua estratégia de preço. Então, revelar de maneira detalhada informações que possam expor a estratégia comercial dos nossos exportadores, podendo inclusive ter implicações de natureza comercial, é algo que requer cautela”, explicou Lindbergh. Abrir o sigilo das operações de empréstimo que asseguram esses investimentos é um prejuízo e um risco para essas estratégias.
Embora os senadores oposicionistas negassem que a inspiração do projeto tenha sido criar tensões em torno da operação de crédito que viabilizou a presença brasileira no Porto de Mariel, Vanessa Grazziotin chamou a atenção para a justificativa da matéria, apresentada pelo seu autor, Álvaro Dias, pouco depois da inauguração da primeira etapa da obra. O texto do tucano usa o exemplo de Mariel do começo ao fim, como a peça de resistência de sua argumentação.
Além disso, os tucanos e seus aliados tentam vender a ideia de que “o Brasil construiu um porto em Cuba”. Como explicaram reiteradas vezes Lindbergh e Jorge Viana, o empréstimo do BNDES a Cuba serviu para assegurar a contratação das empresas brasileiras que forneceram equipamentos e serviços de engenharia para a obra. “O que está por trás desse projeto são convicções que, lamento dizer, são equivocadas”, afirmou Viana sobre a nova obcessão da CRE com Cuba e outros países em desenvolvimento — haja vista a torrente de requerimentos tratando dos “cubanos do programa Mais Médicos” aprovados no colegiado e a implicância com a existência de embaixadas brasileiras em países da África.
Os dois senadores petistas destacaram que até os Estados Unidos, que há mais de meio século impõe um duro embargo a Cuba, já vem mudando de posição, com a recente reaproximação com a Ilha promovida pelo governo de Barack Obama. “Essa comissão está tomada por um clima de guerra fria que nem os Estados Unidos sustentam mais”, lamentou Lindbergh.
Após a aprovação na CRE, o projeto de Álvaro Dias será ainda submetido à apreciação das comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Constituição e Justiça (CCJ).
Cyntia Campos