Bendine frustra oposição: partilha no pré-sal continua e nada de privatização

Presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS) considera que a publicação do balanço de 2014 foi um divisor de água. “Agora é tocar a vida adiante e gerar bons resultados”, afirmouDesinvestimento não é privatização e isso é uma prática que acontece nas empresas petrolíferas a cada ano, por razão operacional e faz parte do dia-a-dia da análise da relação custo/benefício de qualquer empresa, explicou o presidente da Petrobras, Aldemir Bendine,  durante sua participação de audiência pública realizada nesta terça-feira (28) pelas comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Infraestrutura (CI) do Senado. Com essa explanação comum nas grandes empresas, presidente da Petrobras frustrou senadores da oposição, que queriam saber sobre “a venda de ativos”, em particular a transferência para a iniciativa privada de empresas como a Transpetro ou a BR Distribuidora. O mesmos senadores da oposição também se frustraram quando Bendine, esclarecedor, afirmou que a Petrobras segue e cumpre a legislação e é justamente uma lei que determina que em todos os poços de petróleo descobertos no pré-sal a Petrobras tem – e continuará tendo – participação de 30% da exploração e operação.

Bendine, por mais de cinco horas, respondeu a perguntas de mais de 15 senadores e a cada resposta, mais de trinta jornalistas anotavam suas afirmações. No começo da audiência, explicou detidamente a metodologia adotada para auferir perdas decorrentes dos desvios patrocinados pelo cartel de 27 empresas, razão do prejuízo equivalente a R$ 6,2 bilhões apontado no balanço auditado da estatal apresentado na semana passada.  “Como é sabido, inicialmente a auditoria não concordou com os dados. Inicialmente começamos a trabalhar na metodologia, avaliando os ativos da companhia. Anteriormente, a metodologia foi avaliar pelo valor justo e isso não é adequado pelo padrão mundial. Então fizemos o teste de paridade do conjunto de ativos, projetando a real situação para o futuro e isso foi validado pela auditoria externa”, explicou.

O presidente da Petrobras ainda fez questão de reafirmar esse ponto para mostrar que o prejuízo de R$ 21,6 bilhões em 2014 não foi resultado das apurações da Operação Lava-Jato, exclusivamente, porque fatores externos também influenciaram – e muito. A queda abrupta do preço do barril de petróleo, que caiu de US$ 114 dólares, em meados de 2014, para abaixo dos US$ 50 dólares no começo de 2015 (hoje os preços estão em torno de US$ 65, o barril), adicionada à desvalorização do real, impactaram o resultado consolidado. “Passada essa fase e publicado o balanço, solicitamos ao conselho de administração a possibilidade de ampliar a captação para fazer frente à necessidade de caixa para encerrar 2015 com uma folga. A questão da financiabilidade está resolvida e agora a gente parte para dois desafios: revisitar o plano de negócios, que estará pronto entre 30 e 40 dias e, na sequência, que não se dará no curto prazo, a reorganização administrativa, propondo um sistema de governança para mitigação de riscos”, afirmou.

Desinvestimentos

Bendine, por questões mercadológicas, não disse quais ativos entrarão no processo de desinvestimentos, mas explicou que alguns poços de petróleo que já não apresentam o retorno esperado poderão interessar a outras empresas. O plano de desinvestimento, para 2015 e 2016, deverá render R$ 13,7 bilhões, mas o executivo não escondeu que a empresa irá conviver com um endividamento elevado por um período – espera-se passageiro -, para atingir um nível de Ebtida (geração de caixa para pagamento de dívida) em torno de 2,5 e três vezes. Hoje essa proporção está em cinco vezes.

Dentro do plano de negócios, também será possível prever que a Petrobras irá explorar sinergias. Segundo Bendine, a empresa tem um conjunto de ativos que podem gerar rendimentos que não estão sendo usados, como é o caso de buscar uma parceria para utilizar os mais de 14 mil quilômetros de dutos para compartilhamento de redes de fibra ótica. “Vamos, inclusive, nas empresas coligadas, avaliar a potencialidade de adotarmos um modelo de inteligência financeira”, disse ele, ao explicar que o Banco do Brasil quando ocupava a presidência, promoveu a abertura do capital com o lançamento de ações da empresa de seguros (holding), cujo resultado foi de R$ 12 bilhões. “Ao criar a holding melhoramos a performance”, afirmou.

Mitigação de riscos

O presidente disse que o Decreto 2745, de 1998, possibilitou uma vantagem competitiva para a Petrobras quando dos processos de aquisição de produtos e projetos. Era um tratamento diferenciado e mais rápido do que o processo normal de licitação. “Mas se o decreto pode ter gerado desvio, o problema na verdade não está no marco regulatório, mas na mitigação do risco. A corrupção pode existir dentro de empresas públicas e privadas. Vamos mitigar os riscos e investir em governança. Estamos trabalhando fortemente nas tomadas de decisão cruzadas, com a participação de mais áreas nas decisões sem que isso prejudique a celeridade. Isso envolve uma mudança de cultura muito forte dentro da empresa e vamos implantar de cima para baixo”, explicou. Tal iniciativa, segundo ele, vai tornar o processo decisório mais transparente. Neste momento, a empresa está fazendo um mapeamento dos processos para identificar fragilidades nas tomadas de decisão e, com isso, criar o modelo de controle e governança de suas decisões.

Partilha

“Temos que deixar claro que a Petrobras passa por um momento alvissareiro: a produção do pré-sal é excelente. Não temos necessidade de abertura de novos poços e diferente do que se apregoou, o custo de produção não é superior à exploração offshore, o que tem é um investimento maciço. Quando tivemos um projeto maduro teremos taxa de acerto exploratório acima de 80%. A média do conjunto de exploração está em 70% e a média mundial está em 60%”, disse Bendine, ao defender o modelo de partilha.

Porém, ele também não deixou de observar que, se tivesse hoje um novo leilão do pré-sal a Petrobras teria dificuldades de participar. O mesmo vale para a determinação de conteúdo local, onde a empresa não vem cumprindo. Isto, por conta do modelo normatizado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). Uma contratação de sonda, por exemplo, representa um peso no conjunto de equipamentos significativo e se a sonda não tiver conteúdo nacional a legislação não será cumprida. “Cabe uma discussão, mas a empresa está com dificuldade por uma situação extemporânea”, afirmou.

Preço da gasolina

“Praticamos um preço justo que garante uma margem de ganho. Nossa gasolina não a mais cara e não vejo ineficiente. Talvez o que precisamos melhorar eficiência é a distribuição, temos que investir mais e isso trará melhorias no custo e na bomba teremos um preço justo”, afirmou. Segundo Bendine, a Petrobras não trabalha com o modelo de formação de preços norte-americano, onde a volatilidade do preço do barril traz efeitos imediatos. “Aqui temos um conjunto de variáveis e, diante desse cenário, estamos em uma condição justa. Saímos de um preço do barril de US$ 48 dólares e para 2016 trabalhamos com um preço de 70 dólares”.

Refinarias

Bendine também afirmou que a Petrobras, neste momento, não tem capacidade para fazer duas novas refinarias Premium, no Ceará e no Maranhão, mas os gastos realizados serão compensados. Em relação ao plano de investimento a ser divulgado entre 30 e 40 dias, ele explicou que 80% dos valores reservados para investimento serão aplicados em exploração e produção. “Temos duas refinarias que precisamos dar solução, a Comperj, no Rio, e a Renest, Abreu e Lima, no Pernambuco. No caso específico da Comperj, o primeiro trem (linha de produção) está 86% concluso e seria gestão temerária não concluí-lo, assim como o 2º trem do Renest, onde o programa físico está 90% pronto. Ainda que menor, a previsão de investimentos é de US$ 25 bilhões para este ano”, explicou. Mesmo contingenciando, o Brasil é o 6º maior do mundo em refino. “É salutar ter refino para não depender da importação de derivados”, observou.

Números do balanço

O gerente executivo de desempenho empresarial da Petrobras, Mario Jorge da Silva, apresentou os dados relativos ao balanço de 2014 recentemente divulgado na internet e já entregue à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O resultado líquido foi negativo em R$ 21,6 bilhões, embora o lucro bruto, portanto antes dos impostos e depreciações e provisões, tenha sido de R$ 80,4 bilhões, um crescimento de 15% sobre o resultado de 2013.

A explicação para o resultado líquido negativo reside nas despesas operacionais que foram de R$ 101,8 bilhões. Em 2014, a empresa fez um ajuste de valor dos ativos no total de 50,8 bilhões, sendo R$ 6,2 bilhões atribuídos e relacionados à Operação Lava Jato e R$ 44,6 bilhões à reavaliação dos ativos. O Ministério Público revelou que a existência do cartel que operou contra a Petrobras entre 2004 e 2012 era formado por 27 empresas. Os R$ 6,2 bilhões estariam baseados em 3% dos gastos indevidos que foram baixados do patrimônio. Assim, o ativo total da Petrobras somou R$ 581 bilhões.

“Feitos esses ajustes, a companhia tem hoje indicadores como as reservas provadas que revelam a sustentabilidade da empresa, da ordem de 16,6 bilhões de barris de óleo. A reserva e garante à Petrobras a produção por 18 anos. O mercado trabalha com 12 anos. Então, a Petrobras é mais do que sustentável”, afirmou Mario Jorge da Silva.

CAE

“Foi uma audiência extremamente produtiva. Nós tratamos de exploração e produção, refino, fertilizantes, distribuição, preços de combustíveis, baixa de ativos. Aquilo que a Petrobras foi prejudicada com as investigações e os reflexos no balanço da companhia. E preocupados com os investimentos, a conclusão que chegamos é que o Planejamento Estratégico será revisto, até porque estamos diante de uma nova realidade no setor de petróleo”, afirmou o senador Delcídio do Amaral, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e que desde ontem foi indicado pela presidenta Dilma para exercer a liderança do Governo no Senado.

Segundo Delcídio, dentro do cenário deste ano com o preço do barril a 60 dólares e no ano que vem a 70 dólares, fica evidente que o investimento será menor. “Diante de tudo isso, a Petrobras se separa desses escândalos e vai tocar a vida, porque a Petrobras é uma das maiores empresas de petróleo do mundo e tem muitos desafios pela frente. O Brasil precisa avançar até pelo que representa a Petrobras para a indústria nacional, para os trabalhadores e, acima de tudo, uma empresa que representa 15% do PIB brasileiro”, enfatizou.

O presidente Bendine finalizou sua participação na audiência pública dizendo que a empresa precisa diminuir a “ansiedade” sobre seu futuro. Isto quer dizer que o processo será gradativo, a cada mês, a cada trimestre e a cada ano, sempre buscando a geração de valor. “O que precisamos é um voto de confiança na nova diretoria”, pediu.

Marcello Antunes

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