Câmara anula Código Florestal idealizado pelos senadores

Bancada ruralista desafia governo, elimina avanços obtidos no Senado e reintroduz anistia para desmatadores. Destaques do PT para deter ameaças do novo texto foram derrubados pelos ruralistas. Presidenta Dilma deve vetar.

Câmara anula Código Florestal idealizado pelos senadores

A Câmara dos Deputados rejeitou as modificações mais substanciais realizadas pelo Senado Federal no projeto do novo Código Florestal Brasileiro, nesta quarta-feira (25/04). Dos 460 deputados presentes na sessão, 274 votaram a favor do parecer do deputado Paulo Piau (PMDB-MG). Em seguida, os parlamentares começaram a discussão e apreciação das 15 emendas destacadas durante a discussão.

Dentre as modificações realizadas pelos senadores que foram derrubadas nesta noite estão:

– os princípios gerais que constituíam a primeira parte do projeto, cujo objetivo era servir de orientação para a aplicação da legislação;

– a exclusão das partes que garantiam a proteção de áreas sensíveis e importantes para a manutenção dos biomas e ciclos d’água, como as áreas úmidas e veredas;

– os limites e normas para a exploração de atividades realizadas em manguezais, salgados e apicuns;

– o capítulo que garantia áreas verdes dentro das cidades, importantes para evitar desastres naturais;

– o artigo que exigia a autorização de órgão federal para explorar as áreas com espécies ameaçadas;

– e a previsão de recomposição das Áreas de Proteção Permanente (APPs)

– e os artigos que impediam contar todas as modalidades de Reserva Legal (RL) dentro das APPs.

Com isso, a polêmica Emenda 164 da Câmara, que legaliza todas as atividades agrossilvopastoris – pecuária, agricultura, exploração turísticas em meio rural com impacto negativo no meio ambiente -, já existentes e anistia quem já promoveu desmatamento ilegal, volta ao texto do Código. (Veja a lista completa das alterações na tabela abaixo)

Piau ainda tentou retirar todos os limites estabelecidos para a recomposição das APPs ripárias – vegetação localizada à beira dos rios, com o valor ambiental de proteger a malha hidroviária –, mas foi impedido pelo Regimento Interno da Casa. Por regra, a Câmara tem a prerrogativa de manter o texto de um projeto em detrimento daquele feito pelo Senado, mas não pode suprimir partes que tenham sido aprovadas pelas duas Casas. Este é o caso da previsão de recomposição de 15m de APPs em rios com até 10 metros. Mas como só este limite foi aprovado pelas duas Casas, os rios que tiverem largura superior a 10 metros terão a área de proteção definida pelos Conselhos Estaduais.

Defensor do texto do Senado, o líder do PT, deputado Jilmar Tatto (SP), lamentou a votação. Para ele, os ruralistas comemoram “com sorriso amarelo”, porque esperavam uma vitória muito mais folgada. “Foi uma vitória deles, mas não a vitória que imaginavam, o que indica o sentimento de que o relatório de Piau não era um relatório bom”, disse.

Veta Dilma
Tatto ponderou que o Código aprovado caminha para o veto presidencial, já que na primeira votação da Câmara, Dilma Rousseff afirmou que não sancionaria um texto que anistiasse desmatador. O deputado ainda defendeu o texto do Senado, lembrado que ele foi construído em cima de um amplo acordo entre ambientalistas, ruralistas, Governo Federal, cientistas, economistas e entidades civis.

No Senado, o Código Florestal teve dois relatores, os senadores Jorge Viana (PT-AC) e Luiz Henrique (PMDB-SC), que trabalharam juntos nas quatro comissões – Constituição e Justiça (CCJ), Ciência e Tecnologia (CCT), Agricultura (CRA) e Meio Ambiente (CMA) – por onde o projeto passou. Antes mesmo da matéria chegar à Casa, no dia 1º de junho, os senadores começaram a realizar audiências públicas, inclusive com a presença do primeiro relator do projeto, deputado Aldo Rebelo, hoje ministro do Esporte. Ao todo foram mais de 20 audiências públicas, algumas com duração de até 7 horas.

O resultado de todo esse processo foi a aprovação, em 7 de dezembro passado, por 59 a 7 votos do substitutivo apresentado por Viana. À época, a própria ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em entrevista coletiva, destacou que a redação do Senado tinha “avanços expressivos” na conservação e proteção das florestas. Ela apontou que as alterações feitas colocavam “o Brasil em uma situação muito vantajosa, não só de reduzir desmatamento, mas de ser um grande sumidor, aquele que capta carbono”.
 

Tópicos do Código alteradosTexto original da Câmara Texto final aprovado
pelo Senado
APP em margem de rio

Define faixa de recuperação de mata de 15 m apenas em rios com até 10 m de largura. Para os rios maiores a APP (Área de Preservação Permanente) seria definida pela União e pelos Estados.

Relatório de Piau: elimina as faixas de recomposição para todos os tamanhos de rio

A área de recomposição de vegetação permanece de 15m para rios de até 10m de largura. Rios maiores, em pequenas propriedades, recuperação de 30 a 100 m.

Em propriedades maiores, a recomposição será definida pelos conselhos estaduais.

Descentralização das decisões/ Anistia

A grande polêmica da votação, a emenda 164, passa para os órgãos Estaduais de meio ambiente, o PRA (Programa de Regulamentação Ambiental), a decisão sobre o que pode ser consolidado de uso em APP e quanto tem que ser recuperado.

Relatório de Piau: volta à descentralização, que deverá seguir regras por bioma e tamanho da propriedade. Pode perdoar desmatamentos se permitir a consolidação das produções

O texto do Senado estabeleceu um parâmetro mínimo do que tem que ser recuperado, tanto falando em tamanhos de margens de rios e cultivos permitidos em topos de morro quando a utilização para utilidade pública, interesse social ou com baixo impacto ambiental.
Pequenas propriedades

Pequenas propriedades (de até 4 módulos fiscais) poderão manter a reserva existente até julho de 2008.

Relatório de Piau: Retira especificação de pequena propriedade e pede para que sejam definido no futuro “mecanismos de preservação do potencial produtivo das pequenas e médias propriedades”.

O texto desobriga a recomposição de áreas de Reserva Legal ilegalmente desmatadas até julho de 2008 para as propriedades consideradas pequenas (até 4 Módulos Fiscais).
APP em áreas urbanas

Relatório de Piau: retira esta definição, só deixa a existência de APP em margens de rios urbanos, mas sem delimitação, que fica a cargo do plano diretor municipais e estaduais.

As áreas de expansão urbana deveriam prever 20 metros quadrados de vegetação por habitante.
Crédito ruralRelatório de Piau: retira esta definiçãoDetermina suspensão de crédito a quem não se registrar, num prazo de cinco anos, ao CAR (Cadastramento Ambiental Rural)
Recuperação da terra

Relatório de Piau: retirou o prazo e a extensão, o que, pode abrir espaço para que áreas desmatadas possam ser consideradas a qualquer tempo como área de pousio.

Fixa em cinco anos o prazo máximo para que a terra fique sem utilização para recuperação da sua capacidade produtiva natural (pousio) e a extensão máxima para o pousio é de 25% da área produtiva da propriedade.
Reserva LegalMantinha os padrões atuais de 80% de preservação na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas.Possibilita a redução da reserva para 50% em estados com mais de 65% das suas áreas em reservas ambientais, como é o caso do Amapá.
Data limite para anistia

Tanto para APPs e Reserva Legal abre brechas que permitiram regularizar desmatadores sem data limite. Para alguns defensores, o texto do Senado impõe exigências que dificilmente poderão ser cumpridas por boa parte dos produtores rurais brasileiros devido ao alto custo de reflorestamento.

Tanto para APPs e Reserva Legal estabelece julho de 2008 o limite para o desmate ser regularizado, posterior à data, deve haver recuperação.
Mangues

Fala que apicuns e salgados, usados para produção de sal e camarões, não são parte do ecossistema dos manguezais, tirando parte do bioma de área de proteção permanente.

Relatório de Piau: suprimiu o capítulo relativo ao uso de salgados e apicuns, manteve apenas a regularização de atividades até 2008 e transformou o bioma em área de uso restrito. Para esse caso, as regras deverão estar previstas no zoneamento ecológico-econômico realizado pelos Estados.

Define que apicuns e salgados são parte dos manguezais, mas permite uso consolidado até 2008.
Topo de morro como APP

Abre exceções para cultivo.

Relatório de Piau: consolida pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros.

Define topo de morro como APP.

Fonte do quadro: UOL Notícias – Ciência

Catharine Rocha

Saiba mais:

Conheça a versão aprovada pelo Senado Federal

Leia mais:

Jorge Viana: Câmara destruiu o Código Florestal

Viana explica Código Florestal para jornalistas estrangeiros

Viana: texto estimula a recuperação do que foi destruído

Conheça as modificações apresentadas por Jorge Viana

To top