Cartórios serão obrigados a fazer casamento homossexual

 Resolução coloca em prática decisão do
Supremo favorável à união homoafetiva

“A recusa implicará imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para providências cabíveis”

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, nesta terça-feira (14), por maioria de votos (14 a 1), uma resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento. Os cartórios não poderão rejeitar o pedido, como acontece atualmente em alguns casos. A decisão do CNJ ainda pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o presidente do CNJ e autor da proposta, Joaquim Barbosa, que também é presidente do STF, a resolução visa dar efetividade à decisão tomada em maio de 2011 pelo Supremo, que liberou a união estável homoafetiva. Conforme o texto da resolução, caso algum cartório se recuse a concretizar o casamento civil, o cidadão deverá informar o juiz corregedor do Tribunal de Justiça local. “A recusa implicará imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para providências cabíveis.”

A decisão do CNJ valerá a partir da publicação no “Diário de Justiça Eletrônico”, o que ainda não tem data para acontecer.

Em um ano, pelo menos 1.277 casais do mesmo sexo registraram suas uniões nos principais cartórios de 13 capitais, segundo levantamento preliminar da Associação de Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR). Atualmente, para concretizar a união estável, o casal homossexual precisa seguir os trâmites em cartório. Até agora, para o casamento, eles pediam conversão da união estável em casamento e isso ficava a critério de cada cartório, que podia ou não conceder. Agora, a conversão passa a ser obrigatória e efetivada por meio de ato administrativo, dentro do próprio cartório. O cartório, embora órgão extrajudicial, é subordinado ao TJ do estado.

O casamento civil de homossexuais também está em discussão no Congresso Nacional. Para Joaquim Barbosa, seria um contrassenso esperar o Congresso analisar o tema para se dar efetividade à decisão do STF. “Vamos exigir aprovação de nova lei pelo Congresso Nacional para dar eficácia à decisão que se tomou no Supremo? É um contrassenso.” De acordo com Barbosa, a discussão sobre igualdade foi o “cerne” do debate no Supremo. “O conselho está removendo obstáculos administrativos à efetivação de decisão tomada pelo Supremo e que é vinculante [deve ser seguida pelas instâncias inferiores].”

União estável x casamento civil

Segundo Rogério Bacellar, presidente da Anoreg, união estável e casamento civil garantem os mesmos direitos sobre bens. Nos dois casos, há um contrato assinado em cartório. A diferença é que, pela união estável, o cidadão continua solteiro no estado civil. “Atualmente, se os direitos são estabelecidos no contrato, é a mesma coisa que um casamento. Se convenciona o que cada um tem dever, que os bens adquiridos antes e durante não comungam (se dividem) ou se todos os bens comungam.”

Ao abrir uma conta bancária, por exemplo, um cidadão oficialmente solteiro, mesmo que tenha união estável, não precisa indicar os dados do companheiro. Já o casado, precisa. “O casamento é uma união formal. É possível se estabelecer comunhão parcial, comunhão total ou separação parcial. Mas se houver um contrato, a união estável dá os mesmos direitos.” Em maio do ano passado, o Supremo reconheceu o direito da união estável para casais do mesmo sexo. A decisão serve de precedente para outras instâncias da Justiça.

Em um ano, ao menos 1.200 uniões homossexuais

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Vários países já aprovaram a união homoafetiva
e no Brasil, além do da decisão do STF, os casais
homoafetivos conquistaram o direito à reprodução
assistida

Pelo menos 1.277 casais do mesmo sexo registraram suas uniões nos principais cartórios de 13 capitais no último ano, segundo levantamento preliminar. Apesar da decisão do STF, a união estável homossexual ainda esbarra na ausência da lei e no preconceito. O levantamento, realizado a pedido do portal de notícias G1, leva em conta uniões registradas entre maio de 2012 e maio de 2013, em São Paulo (407), Rio de Janeiro (336), Fortaleza (113), Vitória (101), Manaus (87), Brasília (56), Curitiba (37), Teresina (36), Natal (32), Salvador (31), Maceió (17), Palmas (17) e Cuiabá (7).

As demais capitais não forneceram dados. Esse é o primeiro levantamento do tipo realizado em nível nacional.

Falta de lei e preconceito

A união estável para casais do mesmo sexo foi reconhecida em duas ações que pediam que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis para os companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, afirmou o relator, ministro Ayres Britto.

O Congresso Nacional, no entanto, ainda não aprovou uma legislação específica obrigando que os cartórios realizem os casamentos. Desde então, os casais continuam confiando na jurisprudência para poder converter a união estável em casamento nos cartórios e também para realizar o casamento civil direto.

Veja quais países já aprovaram o casamento gay

Holanda: após ter criado, em 1998, uma união civil aberta aos homossexuais, a Holanda foi, em abril de 2001, o primeiro país a autorizar o casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Os direitos e deveres dos cônjuges são idênticos aos dos membros de casamentos heterorossexuais, entre eles o da a adoção.

Bélgica: os casamentos entre homossexuais são autorizados desde junho de 2003. Os casais gays têm os mesmos direitos que os casais heterossexuais. Em 2006, conquistaram o direito a adotar.

Espanha: O governo de José Luis Rodríguez Zapatero legalizou, em julho de 2005, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estes casais, casados ou não, também têm a possibilidade de adotar.

Canadá: A lei sobre o casamento de casais homossexuais e o direito a adotar entrou em vigor em julho de 2005. Anteriormente, a maioria das províncias canadenses já autorizavam a união entre pessoas do mesmo sexo.

África do Sul: Em novembro de 2006, a África do Sul se tornou o primeiro país do continente africano a legalizar a união entre duas pessoas do mesmo sexo através do casamento ou da união civil.

Noruega: Uma lei de janeiro de 2009, põe em pé de igualdade os casais homossexuais, tanto para o casamento e a adoção de crianças quanto para a possibilidade de beneficiar-se de fertilização assistida. Desde 1993, contavam com a possibilidade de celebrar união civil.

Suécia: Pioneira no direito de adoção, desde maio de 2009 a Suécia permite a casais homossexuais se casarem no civil e no religioso. Desde 1995 eram autorizadas a se unir por união civil.

Portugal: Uma lei, que entrou em vigor em junho de 2010, modifica a definição de casamento, ao suprimir a referência a “de sexo diferente”. Exclui o direito à adoção.

Islândia: A primeira-ministra islandesa, Johanna Sigurdardottir, casou-se com sua companheira em 27 de junho, dia da entrada em vigor da lei que legalizou os casamentos homossexuais. Até então, os homossexuais podiam unir-se legalmente mas a união não era um casamento real.

Argentina: no dia 15 de julho de 2010, a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a autorizar o casamento homossexual. Os casais do mesmo sexo têm os mesmos direitos que os heterossexuais e podem adotar crianças.

Dinamarca: a Dinamarca foi o primeiro país a permitir que casais homossexuais oficializassem uniões civis em 1989 e, mais tarde, deu aos homossexuais o direito de terem estas uniões reconhecidas pela Igreja. Uma nova lei de 2012 define seu direito a uma cerimônia religiosa.

– Uruguai: em 10 de abril de 2013, se tornou o segundo país latino-americano a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, após a Câmara dos Deputados ratificar o projeto de lei do “matrimônio igualitário”.

Nova Zelândia: a lei que reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo no país foi aprovada em 17 de abril de 2013. O país foi o primeiro da região Ásia-Pacífico a reconhecesse esse direito.

França: em 23 de abril de 2013, deputados franceses aprovaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo, que polarizou a sociedade do país. Na segunda e última leitura do texto na Assembleia Legislativa, 331 deputados votaram a favor e 225 contra.

Estados Unidos: a legislação sobre o casamento gay é dividida entre os estados. Dos 50, 12 permitem a união homossexual: Connecticut, Iowa, Massachusetts, Maryland, Maine, New Hampshire, Nova York, Vermont, Washington, Delaware, Rhode Island e Minnesota, além do Distrito de Columbia.

Reprodução assistida

No Brasil, além do amparo da decisão do STF, os casais homoafetivos conquistaram, na semana passada, o reconhecimento expresso do Conselho Federal de Medicina de seu direito à reprodução assistida. A resolução do CFM, porém, acolhe o “direito da objeção de consciência do médico” para não realizar os procedimentos necessários à reprodução.

Com agências onlines

Gil Ferreira/Agência CNJ

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