Comissão debate tratamento de pacientes com doenças raras

De um lado, a indústria farmacêutica, que trabalha visando, essencialmente ao lucro. De outro, o orçamento apertado do Ministério da Saúde, que precisa lidar com a realidade de que os recursos são finitos, mas as doenças, não. No meio,  cerca de 15 milhões de brasileiros, que são portadores do que se chama tecnicamente de “doenças raras” (que afetam, no máximo, uma a cada duas mil pessoas). São aproximadamente oito mil patologias, síndromes e características genéticas muito específicas, que ameaçam a sobrevivência e comprometem a qualidade de vida dos pacientes.

Para muitas, não há tratamento conhecido. Para outras, o medicamento existe, mas sua eficácia não foi suficientemente comprovada. Por isso, não estão incorporadas à listagem de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para o paciente e seus familiares, qualquer possibilidade vale a tentativa. E é aí que entra outro componente nessa história: a judicialização.

A palavra complicada significa lutar, na Justiça, pelo direito de acesso a um medicamento ou tratamento que existe ou está sendo testado em algum lugar do mundo. É a essa saída que muitos recorrem para ter acesso a algo que não existe no Brasil. Em alguns casos, o medicamento obtido por via judicial significa manter a vida. Em outros, significa apenas um “salto no escuro”.

Como resolver essa intricada equação é um desafio a ser enfrentado pelo Sistema Público brasileiro. Nessa terça-feira (16), o assunto foi tema de um debate que reuniu especialistas do Ministério da Saúde, representantes da indústria farmacêutica e de associações de parentes e portadores dessas doenças, na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Medicamentos

Um medicamento só é fornecido pelo SUS depois de comprovada a sua eficácia para uma determinada doença. E, para ser incorporada à lista de remédios que possam ser fornecidos, é preciso haver registro no Brasil. O que, por lei, precisa ser pedido por uma indústria farmacêutica.

Aí, então, entra um novo componente na já complicada equação: os fabricantes de remédios não se interessam por investir em pesquisas ou mesmo produzir medicamentos que serão vendidos a pouquíssimas pessoas.

Clarice Alegre Petramale,diretora do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologia em Saúde, explicou, durante o debate, que é necessário dar visibilidade às doenças raras, para que elas possam receber o tratamento que merecem.

A representante da indústria farmacêutica, Maria José Delgado argumentou que não é viável produzir em todos os países do mundo, medicamentos que serão vendidos em universos muito restritos. “A indústria farmacêutica está inserida num contexto capitalista, o que não é nenhum demérito”, disse.

Para a presidenta da Associação de Familiares e Portadores de Doenças Graves, Maria Cecília Oliveira, buscar medicamentos na justiça não é o melhor caminho nem para o SUS nem para o paciente, porque é o caminho mais longo e difícil. Reclamou do que chamou de “falta de aproximação entre os pacientes e o governo”.

Luis Eduardo Próspero é portador de mucopolissacaridose – doença genética caracterizada por uma falha metabólica que provoca falta de determinadas enzimas, prejudicando o bom funcionamento das células. Diagnosticado ainda criança, Próspero formou-se em Direito e, na audiência de hoje, pediu atenção a pacientes de doenças raras.

José Eduardo Fogolin Passos, coordenador-geral de Alta e Média Complexidade do Ministério da Saúde explicou que a construção de uma política pública para atenção dessas doenças consideradas raras depende da reflexão de todo o sistema de saúde. “O Ministério da Saúde sempre foi e sempre será parceiro dessa discussão”, garantiu, agradecendo o interesse do Congresso em se envolver no debate e auxiliar na construção de uma atenção mais efetiva para os pacientes.

Atendimento

De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS conta com 25 tratamentos protocolados e oferta medicamentos para as seguintes doenças raras: Angiodema Hereditário, Deficiência de Hormônio do Crescimento (Hipopituitarismo), Doença de Gaucher, Doença de Wilson, Fenilcetonúria, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, ictioses hereditárias, síndrome de Turner, hipotiroidismo congênito, osteogêneses imperfeita.

O conceito de doença rara utilizado pelo Ministério da Saúde é o mesmo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ou seja, de doença que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos (1,3 para cada duas mil pessoas).

As doenças raras são caracterizadas por ampla diversidade de sinais e sintomas e variam não só de doença para doença, mas também de pessoa para pessoa. No Brasil, de 6% a 8% da população (cerca de 15 milhões de brasileiros) pode ter algum tipo de doença rara. Estima-se que 80% das doenças raras têm causa genética e as demais têm causas ambientais, infecciosas, imunológicas, entre outras.

A Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no SUS foi construída de forma participativa com a sociedade civil. Em 2012, foi instituído um Grupo de Trabalho (GT), pelo Ministério da Saúde, que contou com a participação de representantes de Sociedades/Especialistas e Associações de Apoios às Pessoas com Doenças Raras, para elaboração de dois documentos que subsidiaram a criação da Política. Esses documentos foram submetidos à consulta pública e diversas contribuições foram recebidas.

Giselle Chassot

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