Como a liberdade de expressão vai para o lixo no desmentido de uma notícia falsa

Como a liberdade de expressão vai para o lixo no desmentido de uma notícia falsa

Era uma vez um colunista tido como brilhante, infalível e representante do pensamento conservador. Admirado por seus ataques à esquerda e aos governos petistas, era disputado como um cérebro essencial a qualquer publicação. Um dia, esse “gênio” mudou de uma revista para um jornal. Foi louvado e incensado. Ganhou espaço de primeira página e manchete, que seria demolidora. E foi. 

Foi demolidora para o gênio. Em primeira página, foi publicado o que qualquer estudante de jornalismo chamaria de “barriga”. Ou, em português corrente, um erro torco que causaria vergonha a qualquer jornalista – novato ou veterano. Mas a notícia bombástica tentava, mais uma vez, incriminar o ex-presidente Lula e, por essa razão, recebeu a chancela de verídica. Mas era mentirosa. 

O gênio ainda tinha prestígio – e isso bastava. Além disso, aproximava o ex-presidente da criminalidade – objetivo comum em todos os demais jornais. Resumo da ópera: com alarde e chamadas de destaque na primeira página, a suposta delação revelada pelo gênio foi repercutida em letras garrafais nos principais jornais do País. 

Deu tudo errado: a notícia era mentirosa. O jornal que contratara o genial colunista, depois de um mês da publicação indecorosa, com receio da ação indenizatória pelo filho do ex-presidente,  buscou coragem e honestidade inéditas para publicar o desmentido com o mesmo destaque dado à mentira. Do contrário, seguiria histórico padrão de manipulação, escondendo a vergonha nas entrelinhas ou nos espaços secundários. 

A omissão pelo erro foi o caminho escolhido por todos. Em O Globo, a manchete principal dada à mentida ocupando quase todas as colunas da primeira página, foi convertida numa tímida nota também de primeira página. 

Os demais, que compraram gato por lebre e também destacaram a mentira em primeira página, repercutindo a revelação do gênio de O Globo, foi diferente. Manteve-se o padrão conhecido: a manipulação.

Esse traço terceiromundista da imprensa brasileira pode estar com os dias contados, depois de que o Senado ter aprovado a Lei do Direito de Resposta. Casos semelhantes terão outro tratamento, obrigando a mídia a dar o mesmo destaque concedido à notícia mentirosa. Falta apenas a sanção da presidente Dilma Rousseff para ser aplicada.

O Globo demorou um mês para, constrangido, publicar o desmentido em um cantinho da primeira página, à direita. Se a lei estivesse vigente, teria de usar as cinco colunas empregadas anteriormente na “denúncia”. A correção inédita, não reparou coisa alguma ao usar a tímida nota. 

Os outros grandes jornais, que deram a mentira como fato verídico e abriram suas primeiras páginas para a notícia falsa. jornais, não tinham outra saída, senão também desmentir. Mas, como O Globo deixaram na correção um rastro de sinais de desonestidade editorial. 

O Estado de São Paulo, sem a chamada na primeira página dada à mentira, abriu um quadro no meio de uma reportagem negativa à imagem do ex-presidente. Com o título “Para entender”, ocupando a pequena área de 9 cm x 9,5cm – contra as cinco colunas abertas para abrigar a mentira – disse que Baiano não citou Lula.  

Criou uma nova categoria no jornalismo: a correção disfarçada. É o ápice da covardia disfarçada de honestidade. 

Um dia depois, para não continuar sendo a única a sustentar a mentira, a Folha de S.Paulo publicou uma pequena nota em seu espaço “Erramos”. Pelo espaço dado ao desmentido da notícia que mereceu destaque na primeira página, não é exagero dizer que o risco de o leitor comum ler o “Erramos” é de quase zero. 

Mesmo com esse histórico envergonhado de manipulação e ajuste da verdade factual a interesses que não são os do cidadão, que espera informação confiável nos jornais, esses mesmos jornais – mantidos, em grande parte, diga-se, pela publicidade oficial dos governos municipal, estadual e federal – investiram editoriais na última semana com ataques à Lei do Direito de Resposta.

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