Debatedores destacam problemas trabalhistas de jogadores em audiência

Humberto Costa sugeriu que entidades de atletas e clubes dialoguem com o governo para solucionar os passivos trabalhistasEm nova audiência pública, realizada na última quarta-feira (6), a comissão mista que analisa a Medida Provisória (MP 671/2015) – MP do Futebol -, que refinancia dívidas fiscais de clubes, recebeu representantes de sindicatos e associações que representam categorias profissionais do esporte. Os convidados chamaram atenção para os problemas trabalhistas do futebol e lamentam que o projeto do governo federal não toque no assunto.

Rinaldo José Martorelli, presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), afirmou que a repactuação das dívidas é uma medida que só ajuda os clubes grandes, os únicos com inadimplências milionárias com a União.

Para as agremiações de pequeno porte, o problema mora nas dívidas trabalhistas, e mesmo os grandes têm contas a acertar nesse aspecto.

“Mais de 95% dos clubes não vão se beneficiar do refinanciamento. A questão sumamente importante é o passivo trabalhista, que não está contemplado. Não adianta os clubes acharem que saneando suas dívidas com a Receita e a Previdência vão ficar livres, porque daqui a pouco começa a execução [das dívidas trabalhistas] e o caldo entorna de novo”, disse.

Martorelli criticou o uso indiscriminado e desregulamentado dos direitos de imagem como forma de os clubes burlarem a legislação trabalhista. “É uma ferramenta importante, mas é mal usado e possibilita a continuidade do passivo. Há casos de jogadores que movem processos de mais de R$ 1,5 milhão por problemas em contratos de imagem. Sei de clubes que fizeram esses contratos até com roupeiros. Os clubes não param de fazer coisa errada”, apontou.

Em teoria, os direitos de imagem é o valor pago ao atleta pelo clube para a utilização de sua imagem em campanhas publicitárias e eventos de patrocinadores. Na prática, os clubes usam os direitos de imagem como meio de pagamento da maior fração do salário combinado (até 90%, em alguns casos), para que o valor registrado na carteira de trabalho seja menor e os impostos trabalhistas sejam reduzidos.

Membros da comissão ligados à administração de clubes fizeram o contraponto aos argumentos de Martorelli. O senador Zezé Perrella (PDT-MG), que foi presidente do Cruzeiro, reconheceu que o funcionamento dos direitos de imagem “não é bem resolvido”, mas ponderou que os clubes não conseguiriam arcar com os altos salários de jogadores de outra forma.

“Hoje, um jogador mediano ganha R$ 500 mil por mês. Não dá para pagar esse salário e mandar mais R$ 600 mil para o governo. Temos que discutir um teto salarial para os clubes não serem penalizados. O futebol tem que ser tratado de maneira diferente, não podemos encarar pela CLT”, afirmou.

O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), dirigente do ABC Futebol Clube, de Natal (RN), também citou a existência de um “limbo jurídico” no que diz respeito ao regime trabalhista dos jogadores, o que cria indefinição em torno do pagamento de salários e encargos.

“O jogador não tem características de trabalhador regular, é uma atividade diferenciada, então não pode ser regido pela CLT. Temos que ter uma legislação específica para a contratação de jogadores. É um vácuo que precisa ser preenchido”, disse.

O senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, sugeriu que as entidades de atletas e os clubes dialoguem com o governo para solucionar o problema dos passivos trabalhistas de outra forma. A medida provisória, segundo ele, não poderia avançar nessa área.

“Do ponto de vista legal a MP não pode cobrir o passivo trabalhista, mas não podemos ignorar que é um problema gravíssimo. A justiça trabalhista tem a mão pesada, ela tira da renda do jogo, do repasse da televisão. Sugeriria conversar com o governo, tentar uma linha especial do BNDES e pagar essa dívida dentro desse “bolo” fiscal”, opinou.

Árbitros
A audiência pública também tratou das condições de trabalho dos árbitros de futebol. Marco Antônio Martins, presidente da Associação Nacional dos Árbitros de Futebol (Anaf), denunciou que sua categoria é frequentemente excluída das discussões sobre os rumos do futebol e que a realidade trabalhista e salarial dos profissionais da arbitragem é precária.

“Existem de 80 a 100 mil árbitros espalhados pelo país sem carteira assinada, vínculo empregatício, direitos sociais, aposentadoria ou remuneração fixa. O Campeonato Brasileiro movimenta bilhões de reais e a arbitragem não tem acesso a quase nada. Os 20 árbitros de nível Fifa conseguem sobreviver da profissão, todos os outros têm que ter outro emprego”, argumentou.

O árbitro profissional Sandro Meira Ricci, que trabalhou na Copa do Mundo de 2014, apresentou dados à comissão que dão conta da disparidade entre a situação dos juízes brasileiros e a de seus pares em outros países, onde o ofício é mais regulamentado. Segundo explica, enquanto os árbitros europeus recebem salários de R$ 200 mil reais anuais em média, os brasileiros ganham apenas por jogo trabalhado, e dependem de sorteios para serem escalados para as partidas.

Ricci e Martins questionam também as condições de trabalho dos árbitros, que atuam sob pressão e têm responsabilidades sobre os resultados das partidas, que mexem com o planejamento e o resultado financeiro dos clubes. Eles demandam maior autonomia do setor para que os árbitros possam ter descanso adequado entre jogos, treinamento específico constante e preparação psicológica.

O presidente da Anaf esclarece que a principal reivindicação da categoria é a independência das federações estaduais, às quais as comissões de arbitragem são subordinadas atualmente. Em seu ponto de vista, isso permitiria a melhoria da situação trabalhista.

“Nosso maior pedido é que a arbitragem cuide da sua área. Somos preparados para isso. Se as federações não querem assinar a carteira, não tem problema, deixem que nós mesmos organizamos”, resumiu.

O deputado Evandro Rogério Roman (PSD-PR), que foi árbitro profissional, é autor de uma emenda à MP que destina 5% da arrecadação com direitos de transmissão das partidas de futebol para os árbitros que atuarem nelas. Ele propõe que a categoria receba mais atenção das autoridades políticas e do futebol.

“Buscamos a regulamentação da profissionalização. Tentamos encontrar uma forma de que pelo menos os árbitros da primeira divisão tenham um nível adequado de investimento, cobrança, reciclagem e acompanhamento”, disse.

Próximas audiências
A comissão mista realizará mais duas audiências públicas na terça-feira, dia 12, e na quarta-feira, dia 13. Ambos os encontros serão às 14h e se destinarão a ouvir representantes de clubes de todas as divisões do Campeonato Brasileiro.

Na terça-feira a comissão receberá representantes de equipes da primeira e da quarta divisões. No mesmo dia, representantes dos clubes de futebol feminino poderão falar à comissão. Na quarta-feira será a vez dos clubes da segunda e da terceira divisões. A comissão ainda definirá quais clubes representarão o coletivo das agremiações.

Com informações da Agência Senado

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