No sábado passado (04/05), a Folha de S. Paulo publicou o editorial “A arte da guerra”, com uma ligeira e superficial crítica ao texto que o senador Delcídio Amaral apresentou à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), como proposta de reforma do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS). Na pressa, o jornal acerta na sua análise, mas também comete vários deslizes – entre eles o de não considerar que o texto a ser apreciado pelos senadores resultou de intensas negociações, e o de não levar em conta que o novo ICMS é para todo o Brasil – e não apenas para uma unidade da Federação.
Nos parágrafos abaixo, o senador esclarece alguns pontos obscuros do editorial:
O cenário da guerra fiscal mostrado atribuiu ao ICMS a responsabilidade por toda a distorção federativa existente no Brasil. Segundo aquela manifestação, o ICMS realiza-se por meio de um amontoado de regras fiscais incompreensíveis e prejudiciais ao bom relacionamento entre os entes federados, muitas vezes levados ao extremo e judicializados.
Concordo parcialmente com o panorama traçado. Compartilho a posição de ser fundamental a realização de uma reforma fiscal em nosso país, tanto que assumi a responsabilidade de relatar a matéria. Dispus-me à árdua tarefa porque sei que é possível simplificar o atual sistema sem comprometer o desenvolvimento, ainda desigual, das regiões do Brasil. Acredito que as mudanças devam ser feitas na própria lei e não unicamente por decisões judiciais, como o que tem ocorrido.
A guerra fiscal, tal como narrada, realiza-se na disputa entre os estados por empresas e, consequentemente, por postos de emprego, mas não é esse o único problema a ser enfrentado. Importante afirmar que se trata, antes, de adequar realidades sociais díspares a um sistema tributário único, em harmonia com o programa de crescimento econômico assumido pelo Brasil.
Não é segredo que o ICMS precisa ter seus critérios e alíquotas atualizados, passar realmente por uma verdadeira reforma. Nas últimas décadas, foram várias as tentativas para efetivá-la, mas em nenhum outro momento houve tanta disposição.
A proposta de reforma em análise já representa um grande avanço, pois somente agora os Governos dos Estados menos desenvolvidos, localizados em sua maioria nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, se dispuseram a abrir mão do ICMS de 12%; aceitando que as alíquotas passem a 7% e 4%. Isso, por si só, já demonstra claramente o espírito federalista adotado por seus governantes.
Nesta discussão é fundamental reconhecer que o Brasil ainda não tem uma convergência do padrão de desenvolvimento econômico entre as suas cinco regiões. Para que ela ocorra, será necessário que as menos desenvolvidas cresçam acima da média nacional. O alcance dessa meta depende, todavia, da existência de políticas de desenvolvimento regional, algumas levadas a cabo pelos próprios Estados, e outras pela União, sendo que uma delas reside justamente na proposta que apresentei à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, uma tentativa de melhor equacionar as específicas demandas regionais.
A proposta que apresentei, um exercício de conciliação e equilíbrio e não de “Arte da guerra”, como intitulado, esteve atenta aos clamores regionais. Defende a diferenciação de alíquotas entre os entes do Norte, Nordeste, Centro Oeste e o Estado do Espírito Santo, menos desenvolvidos, e os demais entes do Sul e Sudeste, desenvolvidos. Fixou-se, como regra geral, uma alíquota de 4%, mas propus em meu relatório que seja de 7% apenas quando houver a destinação de produtos dos entes menos desenvolvidos para os entes desenvolvidos.
Equivocadamente, espero, o editorial também atribuiu ao gás natural força motriz da lamentável guerra fiscal vivenciada, apontando-o como protagonista da crise federativa que hoje está sendo efetivamente enfrentada. O fato é que o gás natural importado da Bolívia chega ao Brasil pelos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul em razão de suas localizações geográficas. Não haveria como guerrear sobre algo que não se dá, por suas características intrínsecas, às disputas interestaduais.
Reitero o que argumentei na Comissão: “A briga pelo gás e pela Zona Franca é um antagonismo, uma disparidade, uma ânsia de mais e mais, pois essas duas propostas juntas representam cerca de 2% – 1,2% da Zona Franca e 0,73% do gás – da arrecadação do ICMS que o Estado de São Paulo aferiu no ano de 2012. Ou seja, isso é essencial para os pequenos e representa uma ínfima parte aos Estados que pleiteiam essas alterações.”
Importante registrar que a alíquota de 4% incidirá sobre mais de 94% das operações de ICMS, o que atende a demanda do Estado de São Paulo e demais entes das Regiões Sul e Sudeste, de modo que apenas em menos de 6% das operações de ICMS incidirão as alíquotas diferenciadas de 7% e 12%, uma medida excepcional necessária à promoção do desenvolvimento econômico do Brasil, para uma reforma fiscal justa e possível.
É essa a reforma que foi construída democraticamente, capaz de simplificar o atual modelo e de reduzir a carga tributária, num trabalho realizado com vistas à competitividade necessária ao nosso país.
Acho lícito os Estados defenderem seus interesses, porém, que o façam com a “Arte do entendimento, equilíbrio e justiça”… sem antolhos.
Delcídio Amaral
Senador (PT/MS)