Direitos trabalhistas estão sob risco. Só mobilização para conter os ataques

Direitos trabalhistas estão sob risco. Só mobilização para conter os ataques

 

“Terceirização é apenas uma parte da esculhambação que o governo atual pretende fazer no mundo do trabalho”. Essa é a síntese, nua e crua, feita pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em relação ao Projeto de Lei da Câmara (PLC 30/2015), que tem por objetivo impor regras e condutas para a terceirização e para a atividade-fim. O senador é o relator da matéria e antecipa que recomendará a rejeição. Os motivos são vários, mas o principal deles é o aumento da precarização das relações de trabalho.

Desde maio do ano passado, Paim conduziu audiências públicas nas assembleias legislativas dos 26 estados brasileiros e, por duas vezes, na Câmara do Distrito Federal, para debater esse projeto e outras propostas que afetam os trabalhadores. Em mais de 300 horas de discussões, sempre com a presença de trabalhadores e representantes dos movimentos sociais, dos juizados de trabalho e de entidades sindicais, Paim repete o que mais acredita:  que só com a mobilização de todos será possível formar a barreira contra esse ataque aos trabalhadores e à CLT, a Consolidação das Leis Trabalhistas, uma vitória de Getúlio Vargas.

O projeto que tem a intenção de regrar o que pode e o que não pode na terceirização de mão-de-obra não é novo. Sua autoria é de Sandro Mabel (PMDB-GO), empresário e dono da fábrica de rosquinhas que leva seu nome. Em 2004, ainda deputado federal – hoje ele é assessor especial da presidência da República – defendia a redução dos custos trabalhistas. A terceirização da atividade-fim cairia como uma luva pelo fato de que os empresários seriam isentos do pagamento dos direitos trabalhistas dos terceirizados. A margem de lucro, portanto, aumentaria.

Na Câmara, o projeto, sob o número 4330/2004, levou onze anos para ser aprovado. Não havia clima e apoio suficientes. Sua aprovação aconteceu em abril de 2015 e a caravana de audiências de Paim começou um mês depois. Com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a tomada do poder por Michel Temer e seus aliados, uma janela de oportunidade se abriu ao PLC 30, escancarando a estratégia de sua base aliada de tratorar a oposição para que não só Mabel, mas todos os patrões possam demitir seus funcionários com segurança jurídica e contratar terceirizados para todos os ciclos de produção.

O governo Temer defende a terceirização para órgãos estatais, justificando que isso contribui para a retomada do crescimento e para a diminuição do desemprego. “A terceirização aumentará ainda mais o desemprego. Não o contrário”, diz o deputado distrital Chico Vigilante (PT-DF) que construiu sua história ao lado de trabalhadores da área da segurança privada, uma das primeiras categorias a sofrer com a terceirização.

Reduzir gastos trabalhistas virou ideia fixa

Aliás, a ideia de terceirizar serviços ganhou corpo no Brasil a partir de 1990, quando o processo de privatização foi inaugurado com a venda da CSN e da Vale do Rio Doce. A ideia fixa de reduzir custos seria possível com a eliminação de gastos com os trabalhadores de atividades ditas não relevantes (as atividades-meio).

A atividade-fim, naquela ocasião, não estava na pauta. Mas entrou lentamente e foi ganhando os tribunais, sempre tendo de um lado os trabalhadores terceirizados sem direitos e, de outro, empresários que  se recusam a reconhecê-los. Um processo na Justiça do Trabalho entre a Cenibra (Celulose Nipo Brasileira) contra o Ministério Público do Trabalho é um exemplo.

Na última quarta-feira (9), o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou em pauta o julgamento de um recurso extraordinário contra o acórdão da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que manteve o decisão do Tribunal Regional de condenar a terceirização feita pela Cenibra.

A decisão do tribunal regional, contra a Cenibra, faz a seguinte consideração: “Tendo em vista a transferência fraudulenta e ilegal pela reclamada (Cenibra), de parte de sua atividade fim, com o nítido propósito de reduzir custos de produção”, a empresa vai contra o que está pacificado na Súmula nº 331, IV, do TST, que tem por objetivo evitar que o empregado seja prejudicado devido à inadimplência por parte da empresa prestadora dos serviços (terceirizada).

(Foto: Câmara Distrital/ Alexandre Dantas)

O julgamento pelo STF foi adiado e isso foi visto pelas centrais sindicais como gol a favor. A vitória, mesmo, só após o julgamento. Chico Vigilante, que tem feito audiências públicas na Câmara Distrital do DF, questiona: “como o STF vai julgar uma matéria que não existe?”  Realmente, não há lei ou marco legal sobre a terceirização. Logo, o STF não poderia julgar a constitucionalidade de uma lei que não existe. “Há uma pressão para derrubar esse acórdão e sinto o STF legislando mais do que o Senado e a Câmara, a favor da terceirização e até da atividade-fim”, previu Vigilante.

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, acompanhou a sessão do STF. Sua avaliação é a de que o julgamento do recurso extraordinário deva ser retirado de pauta. Quanto ao PLC 30/2015, entende que a terceirização sem limites, caso aprovada, significará o fim da legislação trabalhista porque as pessoas serão demitidas para que outras tomem o seu lugar, ganhando salários menores e tendo menos direitos. “A média salarial vai desabar e isso está combinado com o projeto do governo golpista de privatizar o patrimônio e nos condenar a sermos eternos produtores de matérias-primas de baixo valor agregado. O que essa turma quer é nos tornar de uma vez por todas quintal do império estadunidense. É trágico! Precisamos barrar esse atentado aos direitos, mais que trabalhistas, humanos, e esse ataque à soberania do País”, enfatiza.

O alerta de Vagner Freitas associado às argumentações das lideranças de esquerda, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nova Central e outras faz sentido. Só a mobilização será capaz de barrar esse ataque.

(Foto: Paulo Paim/ Alessandro Dantas) 

O senador Paulo Paim mostra que a partir da chegada de Temer ao poder, pela via indireta, adquirindo apoio para sua base de sustentação, projetos retrógrados e que retiram direitos dos trabalhadores saíram das gavetas com maior desenvoltura a partir de 2015. 

Número de projetos contra a classe trabalhadora aumentam 

Um trabalho feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), dirigido por Antonio Queiroz, tem sido abordado pelos parlamentares e chega a ser assustador. Paim cita que lá em 2015 existiam em tramitação na Câmara cerca de 60 projetos que atacavam os direitos trabalhistas. Subiu para 60, 70 e hoje quase 80 projetos de lei trazem propostas que vão contra a classe trabalhadora. Com a mudança do eixo político, dos 513 deputados, cerca de 400 apoiam mudanças que retiram direitos. No Senado, dos 81 parlamentares, de 65 a 70 também manifestam apoio à retirada de direitos trabalhistas. “O Centrão não tinha tantos votos assim na Constituinte. Nem na ditadura militar existia um forte apoio como o atual. Preocupante isso”, diz o senador.

Recentemente, para espanto da magistratura, o ministro do STF Gilmar Mendes comparou o Tribunal Superior do Trabalho a um tribunal soviético. Disse ele que os trabalhadores são favorecidos nas instâncias judiciais trabalhistas. Verborrágico que é, defendeu as empresas e foi aplaudido. Não falava para trabalhadores, mas para empresários reunidos pela Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham) e pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), em São Paulo.

Não se sabe se a terceirização da atividade-fim existe no Instituto de Direito Público (IDP), uma faculdade de Direito de Brasília que se atribui ser propriedade do magistrado. Pouco antes do impeachment de Dilma, Michel Temer foi convidado por Gilmar Mendes a proferir aula magna na solenidade de inauguração do IDP São Paulo. Foi uma festa dos sonhos, o capital próximo do Judiciário.

Com o queijo e a faca nas mãos, porque não acelerar a retirada dos direitos?, pedem abertamente os empresários aos políticos e juízes. “A mobilização é fundamental para evitar o retorno aos tempos da escravidão. A visão que se tem com a terceirização é contratar a pessoa de acordo com a demanda. Se hoje tem mais pedidos, chama-se o trabalhador e paga-se por hora. Acabou a demanda, ele volta para casa”, observa Paulo Paim.

E essa proposta já andou bastante. Está no Projeto de Lei 4302 que começou a tramitar em 1998, de autoria do tucano Fernando Henrique Cardoso quando era presidente. Com viés neoliberal, trata de dois itens de interesse do atual governo. O primeiro é o trabalho temporário e, o segundo, a terceirização. O assessor parlamentar do Diap, Neuriberg Dias, alerta que o projeto já foi aprovado nas duas casas, a Câmara e o Senado. Com houve alterações feitas pelos senadores, o texto voltou para Câmara e está lá, aguardando uma janela de oportunidade. Sendo aprovado, o texto seguirá diretamente para sanção de Temer.

Ao analisar os dois projetos – PLC 4302 do trabalho temporário e o PLC 30 da terceirização -, Neuriberg aponta que neste momento a indústria está gostando mais do que trata do trabalho temporário.

Conjunto da obra 

Foto: Ricardo Berzoini (Alessandro Dantas) 

Antes e durante o processo de impeachment de Dilma, seus opositores diziam que a economia ia mal pelo conjunto da obra. Agora, diante dos sucessivos ataques às políticas inclusivas, aos direitos, a obra de Temer é o retrato da Ponte para o Abismo. Quem afirma é Ricardo Berzoini, ex-ministro da Previdência e do Trabalho, durante o mandato popular de Lula e ex-ministro Articulação Política e das Comunicações nos mandatos de Dilma. 

Berzoini observa que o que se constrói, quer dizer, o que o governo Temer destrói e tenta pôr em prática é um golpe contra os trabalhadores e a sociedade. O conjunto da obra de ataques aos trabalhadores não se resume à PEC 55 do corte dos gastos sociais, ao PLC da terceirização total ou o do trabalho temporário. Inclui nesse conjunto a reforma da Previdência, que é impopular e antipopular. A Previdência, diz ele, pode ter suas regras alteradas de tempos em tempos, mas precisa observar o caráter solidário, social e o princípio que a Constituição de 88 definiu como política pública. Não é um fundo de pensão ou investimento bancário.  “Outro problema é prevalecer o negociado sobre o legislado na reforma da Previdência com uma estrutura sindical arcaica. É necessário fazer uma reforma da estrutura sindical antes de discutir a articulação do negociado sobre o legislado”, pondera.

No caso da PEC 55, Berzoini diz que, a pretexto de estabelecer um regime de gasto público, estão condenando o Sistema Único de Saúde (SUS), a Previdência e todas as políticas de inclusão social que vem da Constituição Cidadã de 88 e dos governos Lula e Dilma. “Querem que essas políticas públicas sejam desidratadas. Elas podem até não acabar, mas sofrerão uma restrição orçamentária brutal e se tornarão programas para uma minoria. No caso da Previdência isso é mais grave porque, estabelece idade igual de aposentadoria para todos. A questão é que, nos bairros ricos, a expectativa de vida chega aos 80 anos. Para os mais pobres, às vezes, não passa dos 62, ou seja, os pobres não vão se aposentar. Aposentadoria será um privilégio de um setor que já tem renda maior e melhores condições durante toda a vida”, assinala.

Isso é um fato. O trabalhador rural tem uma expectativa de vida menor do que o trabalhador urbano. É de 62 anos. “Mas esse governo quer aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos. Ele vai morrer e não vai se aposentar”, critica o senador Roberto Requião (PMDB-PR).

Esse conjunto da obra atinge todos os trabalhadores, tanto os que têm carteira assinada quanto os que não têm, inclusive os sujeitos à terceirização. Perda de direito é a marca do governo Temer, e votar projetos dessa natureza por conta de uma base que o apoia expõe a oportunidade dos oportunistas.

(Foto: Sebastião Pereira da Silva/ Alessandro Dantas)

Sebastião Pereira da Silva, 54 anos, empregado terceirizado, vigilante há 27 anos, trabalhou em diversas empresas. E ficou sem receber de algumas, porque elas sumiam de um dia para o outro e ficavam devendo tudo: férias, 13º salário, salários atrasados e outros direitos.

Berzoini recordou que, nos tempos em que presidiu o Sindicato dos Bancários, alguns bancos chegavam a ter quase 90 mil funcionários. O desrespeito aos trabalhadores era brutal, não só contra os bancários, metalúrgicos e outras categorias. Com o advento da terceirização, os bancos foram demitindo funcionários de seu quadro para contratá-los, com salários menores e menos direitos, por empresas terceirizadas, as tais prestadoras de serviços.

A terceirização chegou tão forte na década de 90 que o fulcro era o de cortar custos. De lá para cá, fez com que no Brasil existam 12,5 milhões de terceirizados. E o que mostra o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) é grave: em cada dez acidentes de trabalho, oito acontecem em empresas terceirizadas. De cada cinco mortes, quatro são nessas empresas. Levantamento das centrais sindicais indica que o salário é 30% inferior ao normal. Os terceirizados trabalham, em média, três horas semanais a mais e permanecem menos tempo no emprego: 2,5 anos ao passo que os demais ficam seis anos em média.

Recentemente, Paulo Luiz Schimidt, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), afirmou que se o PLC 30 for aprovado “vamos inaugurar uma era de insegurança jurídica. Levaremos uma década ou mais para consolidar o real alcance da lei. A participação do fator trabalho na renda cairá dos atuais 34 a 37 por cento para algo em torno de 25 a 30 por cento. Isso tem efeitos catastróficos”.

Vida Real

A vida do trabalhador terceirizado não é fácil. Matéria do site do sindicato dos bancários de São Paulo  Luta contra a terceirização não pode parar, do dia 7 deste mês, confirma as disparidades. Enquanto um bancário ganha mais de R$  mil só em tickets-refeição, um terceirizado recebe esse valor a título de salário. O texto também informa que um atendente de call center terceirizado do Bradesco considera que quem está no banco vai correr o risco de ser mandado embora, para ser contratado como terceirizado. “Eu acho que o Bradesco faz uma tentativa de sugar as pessoas até não terem mais sangue nenhum, e aí ou pedimos a conta ou vamos vivendo a base de médico, psicólogo, antidepressivo. A pessoa tem um dia a dia muito maçante, que acaba te degradando dia após dia. Você não tem mais prazer porque o sistema não te trata como uma pessoa, te trata como número”, desabafa outro terceirizado, segundo a matéria.

Só para registrar, o Bradesco lucrou R$ 26 bilhões entre janeiro de 2015 e junho de 2016. Nesse curto período, cortou seis mil postos de trabalho. A situação não é diferente no Itaú, Santander e outros. No caso do Santander, em 2008 rescindiu o contrato com a Transprev que prestava serviços. Numa só tacada, 500 funcionários foram para o olho da rua. Ficaram na mesma situação de Sebastião Pereira da Silva, sem qualquer direito trabalhista, inclusive sem conseguir dar baixa na carteira de trabalho.

Então, quando a Justiça do Trabalho ou o TST determina a baixa na carteira, atua em defesa do mais fraco, o trabalhador. Deve ser por isso que Gilmar Mendes critica o TST, porque atuou em favor de um desfavorecido e não a um empresário. Nesses tempos bicudos, vale a pena reler Karl Marx, principalmente sobre a exploração do homem pelo homem e a alienação dos meios de trabalho, da força de trabalho e do produto do trabalho, imposta por um dos homens sobre o outro. Tal alienação, como está nos livros, mostra que só o empregador é quem vai lucrar. O trabalhador, pelo contrário, empobrece, daí a mobilização ser o eixo contra os ataques.

(*) Colaboraram Rafael Noronha, Alessandro Dantas, Catharine Rocha e Carlos Mota

(**) Com informações do gabinete do senador Paulo Paim

 

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