Epidemia de homicídios de jovens macula conquistas sociais, afirma Lindbergh

Os homicídios de jovens no Brasil já representam uma questão de saúde pública, uma tragédia que persiste e macula todas as conquistas sociais alcançadas pelo País, afirma o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o assassinato e a violência contra a população jovem, especialmente os jovens negros.  “Apesar da melhora em diversos indicadores, a violência contra a juventude não tem caído, mantendo-se num nível classificado pelas Nações Unidas como epidemia”, afirmou o senador, em pronunciamento ao plenário, nesta segunda-feira (18).

Lindbergh lembrou o aniversário da abolição da escravatura e destacou que essa violência contra a juventude negra é sintoma de que o racismo e a desigualdade racial ainda estão longe de serem superados. “Na promulgação da Lei Áurea faltou um conjunto de reformas necessárias para a emancipação do povo brasileiro, restando uma herança de racismo e crimes que envergonha o país”, afirmou.

Também nesta segunda-feira, a CPI que investiga o assassinato de jovens realizou sua primeira audiência pública, com a presença dos pesquisadores Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Marcelo Néri, do núcleo de prevenção à violência da Universidade de São Paulo, e Michel Misse, Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os estudiosos apresentaram dados considerados “estarrecedores” pelos senadores presentes  à sessão.

Das 56 mil pessoas assassinadas todos os anos no país, 53% são jovens. Entre eles, 77% são negros e 93% são do sexo masculino. Ignacio Cano, da UERJ, apresentou um estudo que comprova o que as manchetes de jornal e a observação da realidade já demonstram: raça, classe social, gênero, escolaridade, renda e oportunidades estão diretamente relacionados às chances de um jovem brasileiro ser vítima de um homicídio. Reunindo dados de municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, com base em números do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa mostra que enquanto a taxa de homicídios na população em geral está entre 4% e 5%, entre os jovens essa taxa chegava a 30%, em 2000, e continua a crescer, chegando a 36% em 2012, último ano com dados consolidados disponíveis.

“Se nada for mudado, serão 42 mil mortes só nos municípios com mais de 100 mil habitantes, até 2019”, alertou Cano. Entre as regiões, a situação mais grave está no Nordeste, que tem o estado campeão em violência – Alagoas, que, sozinha, mais que duplica a média nacional—e o vice-campeão, a Bahia. Também está no Nordeste a cidade com os piores índices, Fortaleza, onde 9 jovens em cada grupo de 1.000 pessoas na faixa de 12 a 19 anos são assassinados por ano, em média. “Quanto maior o município, mais grave é a situação”, explicou Cano. Mas há outros fatores determinantes para o crescimento da violência contra os jovens: além do tamanho da população, a velocidade do crescimento demográfico, o ritmo migratório (de chegada e de partida), a renda per capita, a qualidade da educação pública.

Cano fez um alerta importante: 80% dos homicídios são praticados com arma de fogo, o que expressa o papel estratégico do controle de armas entre as medidas de combate à violência. Além disso, o investimento em políticas educacionais e em programas de transferência de renda também impactam positivamente, contribuindo para fazer baixar as taxas de violência.  O pesquisador também chama a atenção para o papel da impunidade nesse caldo de cultura da violência. “Pelo menos 90% dos homicídios jamais são elucidados, o que faz com que esses homicidas possam continuar a praticar crimes”.

Marcelo Neri, da USP, destaca o racismo como elemento essencial nesse quadro de violência. “Há um estigma sobre o jovem negro. Para a polícia, o criminoso tem um perfil, que é jovem, do sexo masculino e negro”, afirma o pesquisador. Neri alerta que os outros  fatores que contribuem para a violência são muito diversos e variam em cada localidade, o que aponta para a necessidade de se pensar em políticas locais, em complemento a uma política geral, de caráter nacional. A dificuldade para a elaboração de programas de enfrentamento à violência, porém, é a carência de informações e estatísticas. “Isso impede o diagnóstico correto e, sem diagnóstico, como formular políticas eficazes?”, questionou.

Michel Misse, da UFRJ, também criticou a falta de dados e estatísticas sobre o tema, lembrando que o Brasil sequer sabe qual a sua taxa de elucidação de crimes em geral e de homicídios em particular. O pouco que se tem de pesquisas sobre essas taxas de resolução de crimes é desanimador e aponta para outro fator essencial na equação da violência: a impunidade. Segundo estudos citados por Misse, dos 3.000 registros de homicídios dolosos registrados no Rio de Janeiro em 2005 apenas 111 foram transformados em ações penais. No caso dos chamados “autos de resistência”—quando as mortes se dão em confrontos com a polícia, a situação é ainda mais assustadora: também em 2005, das 510 ocorrências (com 707 vítimas), apenas 19 foram transformadas em inquéritos dos quais 16 foram arquivados. Dos três casos que chegaram a júri, foi registrada uma condenação.

Misse também chamou a atenção para a assimetria entre o número de pessoas que resultam mortas nos confrontos com a polícia e as mortes de policiais nesses mesmos confrontos. “Isso só pode me levar a desconfiar que há mesmo uma política de extermínio. Infelizmente, o Ministério Público não investiga essas situações, não se fica sabendo qual foi a dinâmica que levou a essas mortes. Para o pesquisador, a maioria dos homicídios de jovens é cometido por policiais. “Não policiais em serviço, mas por integrantes das corporações envolvidos com milícias, tráfico e grupos de extermínio. Não são crimes que possam ser atribuídos à polícia como instituição”. Misse defende a desmilitarização das polícias.

A senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que acompanhou a audiência, e a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), presidente da CPI, demonstraram grande preocupação com os números da violência registradas no Nordeste. Para Fátima, no caso da região é preciso levar em consideração, além da desigualdade social, os aspectos culturais locais, como a tradição patriarcal e o latifúndio, com sua herança de forte estratificação e de concentração do poder e da possibilidade de exercer a violência.

Para Lindbergh Farias, um dos grandes equívocos que contribuem para esssa realidade de extermínio da juventude negra foi a decisão de colocar a guerra às drogas no centro da política de segurança pública no Brasil. “Nossos jovens morrem pela mão da milícia, pela mão do tráfico, pela mão da polícia”, lamentou o senador, lembrando que o País, na verdade, parece ter duas políticas de enfrentamento às drogas. “Não vejo a polícia chegar atirando em Ipanema, em bairros nobres, como chega na favela”.

Cyntia Campos

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