Para especialista, projetos que querem proibir discussão de política nas escolas “flerta com o fascismo”“Política e religião não se discutem”, diz um ditado popular brasileiro. O problema é que deixar de lado este tipo de discussão significa caminhar em direção a uma sociedade antidemocrática e com educação frágil. E quem defende esta ideia “não está sintonizado com os princípios elementares da democracia”, alerta o cientista social Humberto Dantas.
Segundo ele, é por esta razão que o movimento Escola sem Partido, propulsor de projetos de lei para proibir discussão política nas escolas, é uma afronta aos princípios democráticos.
“É impossível não discutir política na escola. Não discutir política na escola é não ter aula, por exemplo, de História, é não ter aula de literatura, que tem sempre carga política envolvida nas suas histórias, é não discutir geografia”, argumentou, em entrevista à Agência PT de Notícias.
Tramitam projetos de lei ‘Escola sem Partido’ em legislativos estaduais e municipais, além daquele que está na Câmara dos Deputados. O argumento é acabar com o “abuso na liberdade de ensinar”.
A iniciativa é criticada por alguns partidos políticos, por professores e pedagogos, e já recebeu o apelido de “lei da mordaça”.
O anteprojeto de lei federal, por exemplo, propõe a “neutralidade política, ideológica e religiosa”. O texto proíbe “propaganda político-partidária” e a promoção das opiniões dos docentes. Um dos problemas é a dificuldade de definir quais conteúdos ferem esta desejada neutralidade.
“Política se constrói a partir da discussão, se constrói a partir do diálogo, da liberdade de expressão e das pessoas dizerem o que pensam”, disse Dantas, que é doutor em ciência política, professor do Insper e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
Se aprovado, o projeto causaria uma situação em que o professor se sentiria em uma camisa de força sobre o que pensa e o que diz. Escola sem Partido é uma proposta preocupante e de natureza “assombrosamente bizarra”, que vai contra qualquer princípio democrático, analisa o professor.
Dantas ressalta, no entanto, que, na sala de aula, existem elementos a serem observados de maneira mais acurada. “Professor não deve dizer tudo o que pensa. Ele é um agente responsável pelo que diz”, ponderou.
Não é razoável que um professor, por exemplo, coloque para seus alunos visões singulares de mundo ou posições ideológicas situadas em um ponto do espectro. Porém, este tipo de situação não deve provocar, como resposta, a proibição de discussão política nas escolas.
Outro problema é a forma como seria fiscalizado o cumprimento desta lei, por meio de um canal de denúncias anônimo. “O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato”.
Recentemente, uma professora da rede pública, em Curitiba, foi afastada após um colunista escrever que ela fazia “doutrinação marxista”. Segundo “Revista Fórum“, a docente abordou a obra de Karl Marx, assim como abordaria outros teóricos como Max Weber e Émile Durkheim.
Em 2013, um dos principais blogs do movimento Escola sem Partido publicou um texto em que acusava uma professora de uma Fatec de fazer doutrinação ideológica, com base na lista de autores por ela indicada. Dias depois, esta professora publicou em sua página no Facebook uma mensagem se queixando: “venho passando por uma situação absurda de perseguição ideológica”.
Escola sem Partido é “a antítese da democracia”, avalia Dantas.
Segundo ele, é também papel da escola ensinar ao aluno a se posicionar e a participar de debates com pontos de diversos. E a política, defende o professor, tem que ser discutida pelo Estado, enquanto política pública. “E não como alguns lunáticos dizem que tem que ser discutida pela família”.
“Devemos pensar na formação de docentes e na formação de políticas compromissadas com a possibilidade de adensamento do debate e da solução conjunta de valores e de situações políticas que respeitem opiniões que se contrapõem”, afirma.
Os defensores do Escola sem Partido acusam o PT e o sindicato dos professores de ser contra sua proposta porque, segundo eles, estas duas instituições tentam “doutrinar” ou “explorar politicamente” os estudantes.
Para Dantas, “é possível falar de política sem torcer para partido político”.
“Esta proposta é um retrocesso, infelizmente. Temos bons exemplos de compromisso do país com a formação cidadã política dos jovens, e de repente vem uma proposta esdrúxula como esta, que, de certa maneira, flerta com o fascismo, ao ignorar o fato de que, em uma democracia, política tem sim que ser discutida”, concluiu.
Agência PT de Notícias
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