Senadores do PT são contra internação forçada de dependentes químicos |
A prática da internação compulsória de dependentes químicos em comunidades terapêuticas foi tema de audiência pública realizada nesta quinta-feira (27), pela Comissão de Direitos Humanos, presidida pela senadora Ana Rita (PT-ES).
Todos os convidados, por meio de requerimento apresentado pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Humberto Costa (PT-PE), líder da bancada, foram categóricos ao afirmarem que o método de internação de dependentes químicos sem o consentimento do cidadão, não resolve a questão do vício e também não proporciona a ressocialização do dependente.
Atualmente, o Senado discute dois projetos de lei que abordam a temática. O Projeto de Lei do Senado (PLS 111/2010), de autoria do ex-senador Demóstenes Torres e o Projeto de Lei da Câmara (PLC 37/2013), de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS).
O primeiro texto, originalmente, previa a internação compulsória de dependentes e abria a possibilidade de prisão de usuários de drogas para induzi-los ao tratamento médico. Porém, a possibilidade de reclusão foi excluída do projeto pela relatora, senadora Ana Amélia (PP-RS).
O segundo altera a política nacional sobre drogas e a Lei Antimanicomial, e chegou a prever a internação compulsória. Agora, a discussão é focada em torno da chamada internação involuntária, mediante anuência dos familiares do dependente químico.
O senador Humberto Costa, ao início do debate, destacou que, apesar de dois projetos diferentes tramitarem no Senado sobre o tema, o caminho deve ser o apensamento das matérias para que elas possam tramitar de forma conjunta.
“Ao longo desse processo de tramitação e discussão, poderemos avaliar essa necessidade ou não de promover o apensamento dos dois projetos. Não estamos promovendo discussões distintas acerca do tema”, disse.
Já a senadora Rita classificou a questão, como uma das mais importantes e complexas em debate na Casa. Para ela, ainda existem muitas dúvidas na sociedade em como lidar com os dependentes. “De um lado temos a existência da droga, do outro temos a melhoria do sistema de ensino, o fortalecimento do papel familiar, a diminuição da pobreza, a inserção do dependente em atividades esportivas, lazer, trabalho, habitação, justiça. Qual o caminho a seguir?”, indagou.
Internação compulsória não é solução
Durante o debate, todos os convidados foram categóricos ao afirmarem que a internação compulsória de dependentes químicos não resolve a questão da dependência química, nos mais diversos aspectos. Para a representante do Conselho Federal de Psicologia, Marcia Landini Totugui, a questão da utilização de comunidades terapêuticas para o tratamento de dependentes de forma compulsória, também não é ético.
“Esse tipo de tratamento levanta a bandeira de que o dependente não está em condições de decidir. E isso não é verdade. E quem está apto a tomar essas decisões? Nós?”, indagou. “Quando sugerimos que ele vai se tratar porque faz uso de drogas e se encontra em condições de vulnerabilidade intensa, o que é que nós oferecemos a eles? Um tratamento num lugar supostamente protegido entre quatro paredes, sabendo que ao sair, não importa se após sete, oito, dez meses, ele vai se deparar com os mesmos fatores que o levaram ao uso? O que o Estado tem oferecido a essas pessoas? O que nós queremos? Em que lugar nós queremos colocar essas pessoas? O que nós estamos ofertando? Trabalho? Moradia?”, emendou.
Roberto Tykanori, coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, abordou a complexidade do tema e destacou que, diferentes soluções para a temática surgem a partir do momento em que se fragmenta a discussão. “Hoje, quando se fala de drogas, se pensa no comércio, na economia. De como se acomoda o processo de capital e os efeitos disso. E quando pensamos do ponto de vista comercial, avalia-se que uma sociedade se beneficiaria mais com a legalização do que com a proibição”, disse.
Porém, outros aspectos devem ser levados em consideração ao se analisar a possibilidade de legalização de determinada droga, como a questão da violência, que, para ele, é abordada de forma incorreta. Para Tykanori, não é a droga a responsável pela violência. O que gera violência é a disputa comercial pela venda da substância.
Além disso, Tynakori avalia que o comércio de substâncias como o crack, a violência decorrente da disputa comercial e os transtornos ligados à utilização das drogas se sustentam num tema geral: a desigualdade social.
“Esse é um debate complexo. Precisamos nos ater a cada um dos pontos de forma profunda. É uma questão de metodologia que pode nos ajudar a avançar com as soluções”, disse.
Esforço do Governo Federal
Vitore André Zilio Maximiano, secretário nacional de políticas sobre drogas do Ministério da Justiça (Senad) apresentou importante dado do estudo “Estimativa do número de usuários de crack e/ou similares nas capitais do País”, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), em parceria com a Senad. De acordo com o levantamento, 80% dos cidadãos que consomem crack regularmente tem interesse em buscar tratamento. Para ele, apenas esse dado já mostra que o debate acerca da internação compulsória se faz desnecessário. “O Brasil, felizmente, tem utilizado pouco a internação compulsória. Esse método tem pouco a contribuir”, avaliou.
Para Vitore Maximiano, apesar das dificuldades orçamentárias, o governo federal tem mostrado empenho em ampliar a rede de atendimento e apoio aos dependentes químicos e seus familiares. Ele relatou que, em 2011, o Brasil possuía apenas cinco unidades dos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas, que funcionam 24 horas por dia. Atualmente, existem 60 dessas unidades no Brasil.
“Até pouco tempo, só existia a abordagem policial sobe o tema. Estamos tentando mudar essa metodologia para poder oferecer um sistema de assistência social e de saúde interligados”, ressaltou.
Vitore Maximiano ainda apontou que as comunidades terapêuticas podem contribuir no processo de ressocialização de dependentes, na oferta de programas de cunho social numa rede suplementar devidamente regulamentada.
Pioneirismo do programa “De Braços Abertos”
Para Roberto Tykanori, um exemplo bem sucedido de política pública voltada para a ressocialização de dependentes é o programa instituído pela Prefeitura de São Paulo. O programa “De Braços Abertos” acolhe dependentes químicos em hotéis da região central da cidade de São Paulo e oferece uma bolsa para que eles trabalhem por quatro horas por dia no serviço de limpeza de ruas, calçadas e praças no centro da cidade. Cada usuário recebe um salário mínimo e meio, que inclui os gastos com alimentação, hospedagem, além de R$ 15 por dia de trabalho.
“Havia o medo do que essas pessoas fariam com o dinheiro recebido. Na primeira semana, houve uma surpresa. Houve uma corrida para os mercados, salão de beleza. Mas alguns assumiram que guardavam um valor pequeno para consumir drogas. Apesar disso, a relação entre eles é pacífica, não causam problemas nos hotéis que estão hospedados. Será que essas pessoas não tem discernimento?”, questionou.
Ele ainda explicou que o consumo de drogas entre as pessoas que aderiram ao programa caiu vertiginosamente, devido ao fato de passarem parte do dia trabalhando. Além disso, com o dinheiro que recebem, podem se inserir na comunidade e movimentar a economia local.
“Esse programa custa 1.100 reais por mês por pessoa para a Prefeitura. O valor é próximo do que é gasto para internar um indivíduo. As pessoas já estão a cerca de dois meses nesse processo e estão se mantendo estáveis. Esse é um ótimo exemplo de ação concatenada que toma como questão principal o combate à desigualdade”, disse.
Ao final da audiência, Tykanori propôs aos senadores, Ana Rita e Humberto Costa, que a CDH realize uma audiência pública com a presença do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para que ele relate a experiência do programa.
“Essa é uma experiência única que está sendo visitada e estudada por diversos países”, concluiu.
Conheça a íntegra do PLS 111/2010
Conheça a íntegra do PLC 37/2013
Antidrogas: polêmica e radicalização dão o tom de debateWellington: prevenção às drogas é a política mais importante
Humberto: usuário de drogas é questão de saúde e não de polícia