Bem que o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse o que muitos senadores que apoiam o golpe não gostam de ouvir: “a comissão do impeachment parece uma comissão faz de conta”, porque a cada testemunha ouvida fica evidente, clarifica que a presidenta Dilma Rousseff não cometeu crime de responsabilidade. Para Lindbergh está escancarado que o objetivo é tirar Dilma do poder para evitar as investigações da Lava Jato, porque até agora os apoiadores do golpe não conseguiram apontar um único desvio. E isso foi confirmado hoje pelo ex-secretário de Planejamento Estratégico do Ministério do Planejamento, Gilson Bittencourt. “A presidenta Dilma não praticou qualquer ato, ou teve sua assinatura no Plano Safra”, apontou.
Claro que a oposição na figura de senadores aliados do presidente ilegítimo tentou tumultuar a sessão porque a cada dia percebem que continuam à procura de um crime que encaixe no enredo do golpe e, assim, fique mais fácil explicar o afastamento de Dilma. E as perguntas endereçadas ao convidado da defesa, quando não era ofendido, não se concentrava ao fato a ser investigado, qual seja: Dilma assinou algum empréstimo do Plano Safra; ela determinou expressamente atrasar os pagamentos do Tesouro aos bancos.
Gilson Bittencourt, que ingressou no governo em 2001, ainda na gestão dos tucanos, respondeu literalmente que Dilma não assina absolutamente nada do Plano Safra. O que há são portarias do Ministério da Fazenda que estabelecem a taxa de juro que será usada nas várias linhas de crédito agrícola. Cabe, portanto, aos bancos, a decisão de emprestar ou não. Se há uma mudança no preço dos produtos agrícolas, a diferença chamada equalização é paga após seis meses.
Além disso, Gilson falou uma coisa que todos os senadores – inclusive esses ligados a Temer que desvirtuam uma prestação de serviço e entender ser uma operação de crédito – que os refinanciamentos das dívidas rurais entram nos valores que formam o montante a ser equalizado. Esses senadores temistas sempre foram os primeiros a votar favoravelmente às renegociações das dívidas dos grandes produtores rurais.
O repasse do valor da equalização da taxa de juros do Plano Safra não configura operação de crédito e sim prestação de serviço. “A testemunha comprova exatamente tudo o que tem sido colocado por nós de que é, realmente, uma tentativa muito violenta de mudar o dado da realidade e tentar qualificar esse tipo de prestação de serviço como sendo uma operação de crédito para justificar a existência de um crime de responsabilidade”, observou Humberto Costa (PT-PE).
Gilson disse que no caso da relação entre Banco do Brasil e o Tesouro, não há contrato. Há portaria do Ministério da Fazenda autorizando um determinado limite para que o banco opere em determinadas taxas de juros. “Se não desejar, não opera”, explicou. Esse livre arbítrio é dado aos bancos, porque o dinheiro que segue para a agricultura vem da poupança rural, de depósitos à vista. Esse dinheiro fica no banco e cabe a ele decidir se empresta para o produtor rural. “O Banco do Brasil, pelo que eu saiba, não teve prejuízo. Para ele é muito mais lucrativo ficar operando o crédito rural”, observou.
“Nessa questão do Plano Safra, creio que é realmente um exagero dos que querem enquadrar a presidenta como uma criminosa em algo que, efetivamente, não é crime”, disse Humberto, acrescentando o papel da comissão nesse instante é encontrar “o crime”. “Até o presente momento, por maior que seja o malabarismo, não está claro que houve crime e a presidenta Dilma é absolutamente inocente em relação a essas acusações”.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), em sua intervenção, disse que há interesse em criminalizar uma das políticas públicas mais importantes para o País, que é a política agrícola, contida nos Planos Safra lançados todos os anos. Ela lembrou que foi a partir de 2003, com a implantação do Ministério do Desenvolvimento Agrário – o governo provisório acabou e colocou como um puxadinho da presidência da República – que o País passou a financiar também os pequenos agricultores.
“Os planos Safra são lançados anualmente. Com a presidenta Dilma nós tivemos um aumento significativo de recursos para subvenção dos juros, para investimentos e custeio, tanto da agricultura empresarial quanto da agricultura familiar. Ela lança o Plano Safra, coloca a quantidade do recurso e quem passa a operacionalizar é o Conselho Monetário Nacional, o Ministério da Fazenda e o Ministério da Agricultura”, explicou Gilson Bittencourt. Gleisi quis saber de se, de fato, qual poderia ser a participação da presidenta Dilma.
Gilson foi direto de afirmou que o Plano Safra se dá basicamente a partir da demanda levantada pelos bancos, pelas organizações da agricultura familiar e empresarial. “O Ministério da Fazenda tenta dar a disponibilidade de recursos e vai montando o Plano Safra, com diferentes fontes, diferentes taxas de juros, custos e agentes operadores. Nos últimos anos houve queda significativa dos custos, de 20% para algo em torno de 5%”, destacou.
Ele também lembrou que nos últimos anos – a partir de Lula – o crédito agrícola subiu muito, estando hoje em torno de R$ 160 bilhões. Para Gleisi, não foi só para os grandes produtores que o governo ofereceu mais crédito, para a agricultura familiar o crédito subiu. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) apontou que, em 2002, o montante de dinheiro para a agricultura familiar era de módicos R$ 4 bilhões por safra e para a safra atual estão disponíveis R$ 24 bilhões. Um salto gigantesco. “O que nós estamos fazendo aqui teria que ser para premiar a presidenta Dilma e não para criminalizá-la, porque se nós temos hoje uma política que dá certo para a economia deste País é a política agrícola”, disse Gleisi.
Lindbergh Farias aproveitou o teor das respostas para mostrar que não houve qualquer crime de responsabilidade fiscal nas operações do Plano Safra, porque a cada ano os ministérios responsáveis estabelecem, em portarias, qual a taxa de juro e o montante de dinheiro para emprestar. Depois de seis meses, acontece o acerto de contas, um contrato explícito de prestação de serviços que o TCU teima em “interpretar ao arrepio da lei” – e erroneamente – como se fosse uma operação de crédito.
O senador José Pimentel (PT-CE) apontou que Gilson Bittencourt ingressou no governo em 2001, quando a gestão era do PSDB. E continuou no governo petista por sua seriedade, inclusive contribuindo para resolver o problema da política agrícola que foi rolada década após década, por meio dos refinanciamentos realizados. Pimentel, por exemplo, citou o caso do Proálcool, uma política de incentivo que resultou um crescimento exponencial da dívida ativa da União. A lei do Plano Safra, de 1992, fixa prazos de pagamento das subvenções e o senador, então, perguntou a Gilson se tinha atuação direta da presidenta Dilma.
Mais uma vez, o ex-secretário negou. “Não há qualquer participação”, respondeu. Pimentel, para arrematar, lembrou que o TCU é um órgão auxiliar do Congresso Nacional e até agora sequer apresentou um parecer sobre as contas de 2015, relativas ao Plano Safra. E são justamente as operações de 2015 que estão no foco da denúncia analisada pela comissão do impeachment.
Para Lindbergh, isso por si só traduz o “faz de conta” da comissão, porque, repetindo, procura-se um crime que possa servir à presidenta Dilma. Até agora, os senadores apoiadores do golpe não encontraram e é por isso que ficam incomodados quando se repete que há, sim, um golpe parlamentar para evitar as investigações da Lava Jato.
Marcello Antunes