Em debate no Senado, especialistas apoiam tipificação do homicídio de mulheres, proposto pela senadora Ana Rita.
Diante da cultura do machismo muito arraigada na sociedade, Ana Rita propôs tipificar |
“Ela merece.” Este é o discurso comum para os crimes cometidos contra as mulheres, conforme observou Leila Linhares, diretora-executiva da ONG Cepia: “Ela mereceu por causa de seu comportamento. Ela mereceu porque não fazia a comida”. Reconhecendo que este tipo de justificativa revela o quanto a cultura do machismo ainda encontra-se muito arraigada na sociedade, a senadora Ana Rita (PT-ES) propôs, em seu relatório sobre a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a violência contra a mulher, a inclusão no Código Penal Brasileiro de um tipo criminal especifico: o feminicídio. Mais do que sinônimo feminino para homicídio (femicídio), o termo categoriza as mortes decorrentes de uma situação de gênero.
“É importante tipificar o feminicidio, para ele não ser tratado como um crime comum, como acontece hoje. É um crime onde o homem tem ódio da mulher e por isso chega a matá-la. Então, tipificar no Código Penal este crime é de fundamental importância para fazer o enfrentamento da violência contra as mulheres, para inibir que os homens continuem agredindo as mulheres e levando ao homicídio”, justificou Ana Rita, durante a audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), que discutiu o projeto (PLS 292/2013) que faz a tipificação do feminicídio, na tarde desta terça-feira (19).
Com o apoio irrestrito declarado ao projeto por diversos atores ligados à defesa dos direitos da mulher durante o debate, o projeto deve retornar à pauta da CCJ, após Ana Rita pedir o adiamento da votação para tentar buscar o apoio dos colegas. “Ana Rita, muito obrigada. Em nome dos 30 anos que tenho de pesquisa sobre o papel da mulher, agradeço muito essa iniciativa”, afirmou a representante brasileira na ONU Mulheres, Silvia Pimentel. Para ela, o PLS 292 não se é meramente a ampliação de pena para o assassinato de mulheres, mas sim uma política de efeitos. “O feminicídio vai trazer uma efetividade maior a forma de erradicar a violência contra a mulher”.
De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado setembro deste ano, ocorrem 5.000 casos de feminicídio por ano no Brasil. Mas, segundo o secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Flávio Crocce Caetano, o número pode ser ainda maior, uma ver que “a taxa de investigação de todos os assassinatos cometido no País é de apenas 8%”.
Outro problema foi apontado por Leila Linhares: as instituições do Estado contribuem para a desqualificação e banalização da violência contra a mulher. Além da resistência em aplicar a Lei Maria da Penha, destaca Leila, a falta de preparo de policiais, defensores públicos, promotores e juízes também levam a investigações fracas e sem a perspectiva da morte por gênero. “A legislação não vai por si só eliminar o índice de violência, mas promoverá uma mudança de mentalidade, inclusive dos operadores do direito”, disse. “A política criminal deve impulsionar políticas em outras áreas, como educação e cultura”, completou.
O juiz Jamilson Haddad Campos, responsável por uma comarca considerada referência na aplicação da Lei Maria da Penha, argumenta que a violência contra a mulher é um problema que afeta toda a sociedade, por causar traumas profundos em todo o núcleo familiar. Por isso, acredita, “a qualificadora fomenta uma efetividade da dignidade da pessoa humana”.
Para a ministra de Justiça e Paz da Costa Rica, Ana Isabel Garita, a Lei Maria da Penha foi um primeiro passo importante, mas que deve ser seguido por um tratamento diferenciado para o feminicidio. Ela considerou o PLS 292 “racional e proporcional”.
Catharine Rocha
Leia mais:
Ana Rita: “Lei é só um dos instrumentos de prevenção”
Senadoras querem novo tipo penal para violência contra a mulher
CPMI da Mulher: relatório de Ana Rita é aprovado por unanimidade