Gleisi: “Sem fazer uma mínima apuração preliminar, a Procuradoria-Geral da República e os delegados da Polícia Federal tomaram como verdadeiros depoimentos dos dois colaboradores que, ao longo do inquérito, modificaram suas próprias narrativas e se contradisseram”A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), de maneira bastante clara e objetiva, fez um pronunciamento nesta sexta-feira para dar conhecimento em relação às investigações feitas contra ela na operação Lava Jato. A resposta de Gleisi foi dirigida à imprensa, cuja decisão da Polícia Federal, já era conhecida por conta de vazamento antes que ela e seus advogados recebessem a informação. Em seu discurso, Gleisi explica que desde outubro de 2014, quando vazaram partes pinçadas da delação do doleiro Alberto Yousseff, especificamente para o jornal O Estado de S. Paulo – delação que foi mudada por Yousseff duas vezes – ela teve de esperar até março de 2015 para ter acesso aos autos do processo, cinco meses depois. E a conclusão é que nenhum delator confirmou que teria recebido dinheiro para sua campanha, mesmo com a decisão agora de a PF oferecer denúncia contra ela. Siga a entrevista com a senadora:
Porque a senhora não se manifestou em outubro passado, quando houve o vazamento da informação para o jornal O Estado de S. Paulo?
Gleisi – Ele (o doleiro Alberto Yousseff) dizia que havia repassado dinheiro para a minha campanha eleitoral, em 2010, a mando do diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Só tive acesso aos autos do processo em março de 2015, cinco meses depois. Eu não tinha condições de falar sobre os fatos e de me defender plenamente, porque não os conhecia. Limitei-me a dizer a verdade. Não conheço esses senhores. Não pedi e nem recebi nenhum recurso.
Porque a senhora não fez um discurso na tribuna assim que surgiu a denúncia?
Gleisi – Sempre achei que deveria deixar a polícia trabalhar no inquérito livremente. Aliás, nunca usei da minha condição de parlamentar, de senadora da República para criticar a operação ou o trabalho de investigação. Recentemente, eu o fiz pelos excessos cometidos, que ficaram claros para todo o País com a decisão do Supremo Tribunal Federal, ontem, acerca das escutas telefônicas ilegais envolvendo a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula.
Porque o inquérito da Polícia Federal que deveria ser feito em 90 dias demorou um ano?
Gleisi – O inquérito na polícia federal foi prorrogado várias vezes. O que era para ser feito em 90 dias levou um ano. Tudo foi milimetricamente investigado: estive na Petrobras? Não. Conversei alguma vez com Paulo Roberto Costa ou com Alberto Yousseff? Não! Eles disseram que me conheciam? Não! Que eu tinha participado, era beneficiária ou conhecia o esquema de dinheiro na Petrobras? Não! Isso consta do inquérito. Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff divergem sobre o suposto repasse de dinheiro à minha campanha: enquanto o doleiro afirma que recebeu orientação de Paulo Roberto, que teria recebido um pedido de Paulo Bernardo, meu marido, o ex-diretor da Petrobras contesta, dizendo que não recebeu pedidos de Paulo Bernardo e que apenas concordou com o suposto repasse pedido pelo doleiro que lhe informara haver um pedido da parte de Paulo Bernardo, não informando a quem fora efetuado esse pedido. Isso está escrito. Paulo Roberto disse “não, Paulo Bernardo não pediu para mim. Eu autorizei o Alberto Yousseff a dar um recurso para a campanha da então candidata senadora porque ele me falou que tinham pedido”. Aí o Alberto Yousseff diz: “não, eu não fiz isso. Quem pediu para eu repassar o recurso foi o Paulo Roberto Costa”. Essa é a única parte do depoimento que é imutável. Inclusive, fizeram acareação duas vezes entre os dois, e a mesma versão foi colocada. Ou seja, ninguém assume que houve pedido de recurso.
Mas, então, a senhora fez algum pedido a esses dois delatores?
Gleisi – Não houve pedido de recursos para a campanha, nem meu, nem de Paulo Bernardo, a nenhum deles. Está claro nas falas, únicas, como eu disse, que foram mantidas intactas nas diversas repetições que fizeram dessa delação, inclusive nas duas acareações que eu citei.
Mesmo assim com essa evidência a PF decidi indiciá-la?
Gleisi – Após ter lido o conteúdo das conclusões policiais, que recebi ontem à noite, continuo tendo plena convicção de que elas externam toda a debilidade da acusação que foi movida contra mim. Isso não apenas em virtude das contradições dos depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff nas delações premiadas, mas também em razão de equívocos procedimentais e de outras contradições investigativas que permeiam toda a investigação.
Como assim?
Gleisi – Sem fazer uma mínima apuração preliminar, a Procuradoria-Geral da República e os delegados da Polícia Federal tomaram como verdadeiros depoimentos dos dois colaboradores que, ao longo do inquérito, modificaram suas próprias narrativas e se contradisseram.
Mas qual era, de fato, objetivo e qual a falha dessa investigação?
Gleisi – O objetivo dos órgãos investigativos era apurar se havia uma suposta entrega de R$ 1 milhão para a minha campanha ao senado em 2010. A hipótese era de que eu teria recebido esse dinheiro em decorrência da minha posição como ministra-chefe da Casa Civil. Todavia, eles se esqueceram de que, em 2010, eu não ocupava nenhum mandato eletivo nem qualquer cargo público, especialmente no Palácio do Planalto. Não bastasse isso, assim que o inquérito foi instaurado já se percebia a divergência nos depoimentos dos delatores. É preciso esclarecer, como disse, algumas situações: 1) quem teria feito o pedido de doação de R$ 1 milhão? Ninguém assume. 2) para quem esse pedido teria sido dirigido, para qual dos dois delatores? 3) Como se teria efetivado a imaginada entrega do valor? 4) quem seriam as pessoas envolvidas na entrega? Sobre os primeiros pontos, apurava-se se Paulo Bernardo seria o autor do pedido, uma vez que existiria suposta menção ao nome dele na agenda apreendida em posse de Paulo Roberto Costa, cujos escritos foram copiados de Alberto Yousseff.
Mas houve algum contato de Paulo Bernardo com os delatores?
Gleisi – A investigação comprovou que nem Paulo Roberto Costa, nem Alberto Yousseff mantiveram contato com meu marido, Paulo Bernardo. Os próprios colaboradores – veja só – os próprios colaboradores negam ter mantido qualquer contato com ele a esse respeito ou ter recebido seu pedido. E tem mais ainda, Alberto Yousseff, autor dos manuscritos copiados na agenda por Paulo Roberto Costa, nega em depoimento que “PB”, como os investigadores se referiram ao meu marido, significaria “Paulo Bernardo”. Ele nega!
E quanto aos outros pontos?
Gleisi – Para descobrir quem seria o hipotético intermediário da suposta propina que seria disponibilizada por Alberto Yousseff, os investigadores tiveram de realizar várias diligências que não permitiram chegar a qualquer conclusão.
Como assim? Isso é sério?
Gleisi – As investigações, pelo contrário, apenas evidenciaram a fragilidade das acusações. Primeiro, após Alberto Yousseff, o doleiro, ter conferido fotos de alguns suspeitos de terem realizado a suposta transação que me envolveria, a procuradoria-Geral da República destacou, no termo de delação premiada, que, “apresentada ao declarante a fotografia de Ernesto Kugler Rodrigues (que é empresário, amigo nosso, no Paraná), o declarante Alberto Yousseff confirma, sem sombra de dúvidas, que se trata da pessoa que esteve em seu escritório”, em São Paulo, e para a qual foram entregues os valores para a campanha de Gleisi. Alberto Yousseff apontou, assim, sob o dever de dizer a verdade decorrente da condição de colaborador premiado e “com 100% de certeza”, que teria entregue, pessoalmente, o dinheiro ao senhor Ernesto Kugler Rodrigues, em seu escritório, em São Paulo, só que Ernesto nunca esteve no escritório de Alberto Yousseff. Isso foi comprovado pelas investigações que pegaram todas as fitas gravadas de quem entrou e de quem saiu daquele escritório. Ernesto nunca esteve com Alberto Yousseff.
Como e de que jeito o valor teria sido entregue ao empresário como afirmou em sua delação o doleiro Alberto Yousseff? Não há contradição?
Gleisi – Ora, num primeiro momento, Alberto Yousseff diz que entregou pessoalmente, e à vista, um milhão. Após perceber que seria insustentável manter essa versão, ele se corrige e diz que entregou o dinheiro em três ou quatro operações. Mais à frente, ele afirma ter entregue em duas ou três, não se recordando bem.
Porque o doleiro não consegue provar?
Gleisi – Ao perceber que não conseguia provar suas versões e com o claro receio de perder os benefícios judiciais que tanto buscou com a sua colaboração premiada, Alberto Yousseff, que foi delator do caso do Banestado e mentiu na sua delação – é importante dizer isso, porque ele mentiu na sua delação no caso do Banestado – mudou completamente o que dizia, passando a afirmar que não teria sido ele o entregador, mas, sim, um empregado, um colaborador dele chamado Rafael Ângulo Lopez.
E quem é Rafael Ângulo Lopez?
Gleisi – Ele é tido pelos órgãos investigativos como um braço-direito de Alberto Yousseff – e, também, esse Rafael Ângulo Lopez firmou um acordo de colaboração premiada. O doleiro Alberto Yosseff – que já mentiu na delação do Banestado – disse que esse Rafael entregou o dinheiro – aí a versão não era mais em São Paulo, não era mais no seu escritório – mas em um shopping em Curitiba. Porém, veja só como são as coisas, sobre o dever legal de dizer a verdade, esse Rafael destacou que “não conhece nem se lembra do nome de Ernesto Kluger Rodrigues” e que “nunca entregou valores na administração de qualquer shopping em Curitiba”.
E aí o quê os investigadores da Lava Lato fizeram?
Gleisi – Alberto Yousseff é ouvido outras vezes, e em cada uma imputa a responsabilidade pela entrega dos valores a uma pessoa diferente. Foram ouvidas outras quatro ou cinco pessoas que trabalhavam para ele e nenhuma assume a entrega dos valores – nenhuma assume a entrega. Não foram encontrados quaisquer registros de suposto encontro ocorrido entre Alberto Yousseff e Ernesto Kluger Rodrigues. Não identificaram qualquer ocasião em que eu ou o meu marido estivemos com essas pessoas. Não foram identificadas quaisquer ligações entre eles e a minha pessoa. Não identificaram qualquer entrada minha ou do meu marido na Petrobras. E muito menos qualquer reunião entre nós e esses colaboradores. Volto a repetir.
A então verdade processual que permeava o processo passou por uma completa repaginação.
Então, no caso, os investigadores não encontraram indício algum?
Gleisi – Ao apagar das luzes, quando todas as provas convergiam para a comprovação de que esses fatos não passavam de uma ilação desses colaboradores, após um ano de investigações, uma quinta ou sexta pessoa aparece disposta a fazer um novo termo de delação premiada, para admitir – pasmem! – ter sido ninguém menos do que quem faltava para fechar o que se investigava no inquérito policial. Ou seja, o suposto entregador do dinheiro ao senhor Ernesto.
Como assim, em que circunstância surgiu um novo delator?
Gleisi – Basta um mínimo de cautela para se estarrecer. Após seis versões sobre fatos verdadeiramente singelos e com medo de perder os benefícios de sua colaboração premiada, Alberto Yousseff é socorrido por uma pessoa que, sob orientação do seu advogado, o mesmo advogado de Alberto Yousseff, se presta a dizer justamente aquilo que faltava para que a minha investigação não fosse arquivada, a despeito de todas as provas que foram feitas sobre minha inocência e de meu marido. O advogado Figueiredo Basto, pessoa conhecida, carimbada da Operação Lava Jato, conhecido por sua atuação militante nessa operação, coordenador profissional das principais delações premiadas que ocorreram e ocorrem na operação, ele, esse senhor que é advogado do delator Alberto Yousseff apresentou uma pessoa, indicada por Alberto Yousseff, que se dispôs a fazer uma nova delação, assumindo que tinha sido o entregador dos recursos.
Como é? Surgiu então um novo delator para impedir que o processo fosse arquivado. Quem negociou essa delação
Gleisi – O advogado Figueiredo Basto, o mesmo advogado do Alberto Yousseff.
E quem é essa pessoa que surge agora como delator?
Gleisi – É Antônio Carlos Fioravante Pieruccini. O Pieruccini é sócio de Alberto Yousseff desde as operações do Banestado. Se não me engano, foi até preso naquela operação. Ele veio salvar um amigo e dar crédito ao esforço do advogado em me incriminar.
E quem é o advogado Figueiredo Basto que trabalha para delator e delatado?
Gleisi – Este advogado, Figueiredo Basto, foi cargo de confiança do governo de Beto Richa, na Sanepar, recentemente. É muito ligado ao PSDB e, além de negócios na advocacia, faz também militância política. É evidente o conflito de interesses em advogar para delator e delatado. A Ordem dos Advogados do Brasil há de tomar alguma atitude frente a essa infração ética e disciplinar. Não é possível advogar em todas as frentes.
Como assim?
Gleisi – Este cidadão, Figueiredo Basto, advoga para pessoas da Petrobras que fizeram contratos com empreiteiros. Ele advoga também para os empreiteiros, que, após contrato com a Petrobrás, contratavam operadores e doleiros. Advoga também para operadores e doleiros, encarregados de distribuir os valores oriundos do esquema criminoso, direta ou indiretamente. Advoga também para os funcionários desses operadores, que se incumbiam de entregar os valores, os chamados “mulas”, e advoga, por fim, para os políticos que recebiam esse dinheiro sujo. Eis alguns dos seus clientes, além do Alberto Yousseff: está advogando na delação premiada de Delcídio do Amaral, do Alexandre Romano, do Antônio Carlos Pieruccini, do ex-deputado Pedro Corrêa, do Rafael Ângulo, do Pedro Barusco, entre outros; de todos esses. É óbvio que todas essas pessoas, tendo o mesmo advogado, poderão alinhar suas versões antes de prestarem depoimentos para, além de se protegerem mutuamente, não serem incoerentes com o que dizem e envolverem nesse esquema quem tem interesse efetivo de envolver. Dizem as más línguas que, inclusive, esse doutor Figueiredo Basto faz negociações com quem quer incluir ou não nas delações premiadas.
Esta informação não deve e nem pode passar despercebida, não é mesmo?
Gleisi – Realmente, apenas após seis tentativas frustradas de narrar a suposta entrega de valores à minha campanha – mesmo porque não houve qualquer entrega –, aparece alguém, que é assessorado pelo mesmo advogado do delator, disposto a dizer o que precisasse; amigo e sócio do delator principal, pessoa próxima. Será que o delator não ia se lembrar, desde o início, que foi ele que entregou? Por que, na sexta versão, colocaria o seu sócio? Foi assim que se deu o meu indiciamento e o de Paulo Bernardo – questionável, entretanto –, baseado nessa versão absolutamente sem crédito algum que apareceu no inquérito.
O que a senhora vai fazer?
Gleisi – Vou continuar minha defesa e provar minha inocência, mas antes gostaria de levantar um segundo questionamento a tudo isso. O indiciamento se deu por corrupção passiva. Não tinha, nunca tive conhecimento de qualquer esquema envolvendo desvios na Petrobras, não conhecia as pessoas envolvidas, assim como meu marido nunca pediu recursos a eles em favor de minha campanha e isso ficou demonstrado nos depoimentos e na investigação. Portanto, como posso responder por um crime para os quais faltam as ações concretas que levariam a ele? Falta materialidade, foi dito, pelos próprios depoentes, que nunca estive envolvida em qualquer caso relativo à Petrobras. Se por acaso tudo isso tivesse acontecido – o que não aconteceu –, seria, no máximo, um caixa dois de campanha. Quero reafirmar aqui: não tenho conta no exterior, não tenho negócios na política, não fiz patrimônio com recursos escusos. Tudo que tenho é compatível com minha remuneração, aliás, é público no meu imposto de renda, que já foi divulgado várias vezes, assim como o de meu marido Paulo Bernardo. Tenho uma vida confortável, mas modesta, de classe média, viajo muito pouco, não frequento lugares badalados, não compro marcas famosas. Trabalho na política, porque é o caminho das transformações e mudanças que precisamos fazer em benefício da maioria do povo. Se cometi erros, estes são compartilhados com grande parte de quem integra essa casa: pedir e aceitar doações privadas de campanha, que era e sempre foi a regra do jogo. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal essa regra mudou e, eu espero que com ela mude também a forma de sustentar e de se fazer política no Brasil. O que não podemos é incriminar a política e misturar aqueles que fazem política com aqueles que fazem da política instrumento para seus negócios. Continuarei confiando na Justiça e na política como meios de sustentar a democracia e dar respostas às demandas da sociedade. E continuarei fazendo a minha defesa, porque nada devo, a não ser a responsabilidade de defender os direitos do povo brasileiro e dos trabalhadores do meu País.