Quando se lida com veículos de comunicação independentes, não se tem o direito de esperar complacência com quarteladas dignas de republiquetas de bananas. É o que os autores do golpe parlamentar contra o mandato legítimo da presidenta Dilma Rousseff devem estar começando a descobrir, caso se deem ao trabalho de conferir o que dizem os principais jornais do mundo a respeito da manobra que anulou 54 milhões de votos para empossar um interino ilegítimo e carregado de denúncias.
Depois do duro editorial do jornal americano New York Times, um dos mais influentes do planeta, na semana passada— “Piorando a crise política no Brasil“, sobre o impeachment —, a imprensa mundial caiu como verdadeira avalanche de críticas sobre as primeiras medidas do governo interino de Michel Temer.
A denúncia do site Wikileaks sobre a suposta colaboração de Temer com interesses dos Estados Unidos também não passou em branco pelo Diário de Notícias, de Portugal (“Wikileaks acusa Michel Temer de ser ‘informante’ dos EUA”) nem pelo El Telégrafo, do Equador (“Temer foi informante da inteligência dos EUA”), ou pelo canal de TV latino-americano Telesur (“WikiLeaks revela que novo presidente brasileiro é informante dos EUA”).
O ministério branco, machista e elitista de temer foi alvo de críticas ainda de publicações nada bolivarianas como o Los Angeles Times (“No Brasil pós-impeachment, o novo ministério conservador é composto de 100% de homens“), a revista Forbes (“Novo presidente do Brasil, Michel Temer, preenche ministério apenas com homens”), o britânico The Guardian (“Muita testosterona e pouco pigmento: a velha elite brasileira dá um golpe na diversidade“) e o alemão Frankfurter Allgemeine (“O gabinete dos homens brancos”).
A Telesur, sem qualquer floreio, resumiu: “Em apenas um dia, o presidente brasileiro pós-golpe promove atraso de décadas no país”. Até a respeitadíssima Nature, que não se ocupa de política, mas de ciências, reagiu, repercutindo as críticas da comunidade cientifica: “Rebaixamento do Ministério da Ciência irrita pesquisadores brasileiros sitiados“.
Assim como seu ministério, o interino, individualmente, também não passou bem pelo crivo da imprensa internacional. O respeitado jornal francês Le Monde registrou a “os embaraços judiciais de Michel Temer” — ele está inelegível por oito anos, condenado pela Justiça Eleitoral de São Paulo—, além de destacar sua impopularidade: “com menos de 3% das intenções de voto para a eleição presidencial de 2018, apenas 8% o consideram capaz de resolver a crise brasileira”, afirma o diário francês, citando uma pesquisa do Ibope.
Em outra reportagem, com o título de “Queda da presidenta Dilma deixa o Brasil atordoado”, o mesmo Le Monde também manifestou estranheza frente ao ministério de “23 homens, todos brancos” e descreveu o interino Temer como “típico produto da política, desconhecido da maioria”, alertando que “para garantir a estabilidade política, suspeita-se que ele [Temer] tente frear a Operação Lava Jato, na qual é citado, assim como uma parte de seus ministros”.
Outro respeitado jornal francês, o Libération, que já pertenceu ao Partido Comunista e hoje é social-democrata, foi mais direto na análise: “Dilma se vai e o Brasil afunda”, destacando que o golpe é a culminância de uma “crise precipitada pelo marasmo econômico e pelo cinismo dos políticos”;
O jornal espanhol El País, um dos veículos que tem acompanhado a crise brasileira mais de perto, classificou o afastamento da presidenta Dilma como “Um processo irregular”. Para o jornal, “a oposição usou o Congresso para transformar uma acusação de caráter político — a má gestão do orçamento—em um processo criminal. As investigações em série não conseguiram provar a participação da presidenta nas práticas de corrupção que afetam seu partido”. E conclui: “Essa crise institucional apresenta dúvidas mais do que razoáveis sobre a legitimidade de um novo mandatário surgido na esteira de um processo tão pouco habitual. O Brasil não pode permitir-se semelhante espetáculo. O dano é incalculável”.
Outro jornal que tem acompanhado muito de perto a situação no Brasil é o britânico The Guardian, para o qual quem merecia estar em julgamento seria o sistema político do País, e não uma presidenta honesta. Para o jornal, o afastamento de Dilma é o “último golpe em um país que ainda luta para superar sua história de autoritarismo e desigualdade social“.
A imprensa alemã também tem sido dura com o golpe no Brasil. Na análise da revista semanal Der Spiegel, uma das mais conceituadas da Europa, a “arrogância e exigências” da presidenta Dilma Rousseff “não justificam um impeachment. O drama em torno da presidente é um vexame para um país afundado na crise”. No artigo “Caos político no Brasil: um país perde”, a revista crava fundo a adaga na vaidade da elite colonizada do País, tão ávida por aparentar um primeiromundismo baseado em grifes e aparências: “o grande e orgulhoso Brasil terá que se conformar a ser colocado na mesma categoria que Honduras e Paraguai pela História, outros dois países onde presidentes democraticamente eleitos foram afastados do cargo por motivos questionáveis”, afirma o Spiegel.
Já o jornal Die Zeit classifica o golpe como uma “declaração de falência do Brasil“, destacando que o País, que pretendia aproveitar os Jogos Olímpicos para apresentar-se ao mundo como “moderno”, terá que renunciar a esse plano, já que “o impeachment de Dilma Rousseff é um retrocesso aos velhos tempos”.
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