Belluzzo: Dilma praticou uma “despedalada”O depoimento do economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo na tarde desta sexta-feira (26), na sessão de oitivas de testemunhas de defesa da presidenta Dilma Rousseff, foi praticamente uma aula magna, como as que dá na Unicamp. Belluzzo mostrou que diante de um forte contingenciamento orçamentário em 2015, a presidenta na verdade praticou uma “despedalada”, ou seja, no momento que a economia dava sinais de retração, com a União perdendo receita, Dilma contingenciou R$ 8,5 bilhões acima de um em vigor de R$ 70 bilhões. “Isso se chama ação pró-cíclica. A economia eu comparo com um pugilista que foi para o corner e o treinador, para reanimá-lo, lhe deu um soco na cabeça. É isso que aconteceu”, disse ele.
O professor considera que a partir de 2012 a economia brasileira e a mundial começaram a surtir os efeitos da retração, e os créditos suplementares abertos por meio de decretos e a própria equalização das taxas de juros do Plano Safra diziam respeito à administração fiscal. A situação fiscal, segundo ele, ficou pior depois do ajuste. “Não há crime de responsabilidade por parte da presidenta, mas talvez a maior aberração esteja no campo da economia, da política econômica”, observou.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) lembrou que foi um dos críticos do ajuste fiscal e a tese inovadora do Tribunal de Contas da União diz que quando existir desaceleração econômica e frustração de receitas, o governo tem que contingenciar. “É algo que não existe em lugar algum do mundo. Até o FMI está defendendo mudança de posição e ajuste mais suave no longo prazo. O impressionante é que eles estão acusando Dilma de irresponsabilidade em 2015, que foi o ano do maior contingenciamento da história do País”, disse ele, acrescentando que orçamento tem que ser um instrumento de justiça social.
Belluzzo disse que o efeito da desaceleração mundial foi muito claro, mas não o suficiente para explicar o que aconteceu na economia brasileira, porque o que houve foi uma demora em enfrentar essa desaceleração. “Na verdade, isso prejudicou o comportamento fiscal e levou a uma queda da receita fiscal. Sou contrário às isenções, que funcionaram não como dar milho ao bode, mas dar milho ao pato. O choque de tarifas, dos juros, produziu uma queda de 30% do investimento público e é evidente que nenhuma economia resiste a um negócio desses”, afirmou.
Atentado à democracia
O senador Paulo Paim perguntou a Belluzzo sobre qual é sua visão de atacar a democracia e destituir uma presidenta da República como se isso resolvesse a crise econômica. O professor disse que esse caminho não é o melhor, e só aceitou testemunhar porque considera que o afastamento da presidenta pelos motivos alegados é um atentado à democracia. “Eu tenho grande cuidado com a sobrevivência da democracia”, disse ele, reafirmando que não houve qualquer crime, um único que fosse.
Ao responder a questionamento da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), sobre a relação entre o desempenho do PIB e a arrecadação, Belluzzo alertou que as velocidades relativas do PIB e da receita são desiguais, ou seja, a receita fruto da arrecadação de impostos é mais rápida do que o crescimento da economia. Numa crise, por exemplo, as empresas deixam de pagar impostos e passam a usar esse dinheiro que iria para a União para financiar sua atividade. É aqui que mora o desequilíbrio.
“A presidenta procurou correr atrás da queda e não deu certo. Mas ela foi excessivamente responsável, teve excesso de responsabilidade fiscal por causa dos contingenciamentos”, disse Belluzzo. Gleisi disse ao professor que o processo para afastar Dilma foi construído de maneira muito sórdida e a prova disso foi dada na sessão de ontem, quando uma testemunha foi desqualificada – Júlio Marcelo, procurador junto ao TCU – e o auditor do TCU. O auditor ajudou o procurador a fazer uma peça sobre as contas públicas que o próprio auditor iria julgar. “Construíram desde 2014 um crime para que presidenta pudesse ser impichada. O crime se chama pedalada fiscal. Construíram isso no Tribunal de Contas da União. Não é palavra minha, não; é palavra do auditor que estava aí. Ele disse assim: “Eu ajudei a redigir.” Isso é gravíssimo. Por isso nós estamos dizendo que esse processo desde o início é um golpe”, disse ela.
Como forma de sair desta situação econômica, que não precisa de um golpe para recuperar a atividade, de acordo com a pergunta da senadora Regina Sousa (PT-PI), Belluzzo enfatizou que a taxa de juros foi a principal responsável pela explosão do déficit nominal e é preciso reduzir os juros para dar um fôlego inicial de retomada.
Humberto Costa, líder do PT, questionou o professor sobre a leitura rígida que se faz da Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo mote é não criar uma nova despesa sem que uma nova receita faça a compensação. Para o líder, se forem tomados ao pé da letra os pareceres dados pelo TCU, os futuros gestores e os atuais, dos estados e municípios, estarão diante de uma situação que não poderão trabalhar, pela rigidez. “No Pacto de Estabilidade e Crescimento na União Europeia eles estabeleceram um limite para a dívida de 60% do PIB e um déficit nominal de 3%. Hoje em dia, esse pacto é considerado um dos responsáveis pelo fato de que a economia europeia não consegue sair do buraco”, apontou.
Belluzzo ainda acrescentou que há um debate na Europa, nos ambientes técnicos e políticos, a respeito das restrições que são impostas por uma legislação fiscal rígida sobre a recuperação da economia. “Acho que deveríamos discutir a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque, numa ocasião de crise, é muito difícil você manter esses critérios. Muito difícil. E diria mais: manter os critérios significa que você agrava a situação de desaceleração da economia”, enfatizou.
Mais empregos
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) disse que a presidenta Dilma foi uma guerreira por resistir aos terríveis efeitos da crise mundial, até porque enquanto a taxa de desemprego chegava a 30% na Europa, o Brasil gerava empregos. E mesmo numa comparação, há um estoque de 20 milhões de empregos criados por seu governo.
“É claro que nós gostaríamos de ter ampliado ainda mais as políticas sociais, principalmente agora, quando vemos o governo interino de Michel Temer colocar em risco importantíssimas ações que promoveram a inclusão social por meio da educação, a expansão das universidades, das escolas técnicas, o Pronatec, entre outros”, disse ela.
A senadora apontou que enquanto Dilma trabalhava para retomar as condições favoráveis à economia, um grupo político dirigido por Eduardo Cunha tratava de criar pautas bombas para degenerar a economia, cujos projetos criavam despesas desconexas com o orçamento disponível. “É claro que os técnicos têm que opinar, os economistas têm que opinar, mas os técnicos não podem definir, porque nós não podemos criar uma ditadura de tecnocratas. Aliás, fico muito preocupado quando os poderes não eleitos começam a se sobressair numa sociedade democrática”, afirmou Belluzzo.
Para a senadora, o Senado vive um triste momento por assumir o papel de um colégio eleitoral, onde 81 senadores vão julgar o destino de uma presidenta que não cometeu crimes e foi eleita democraticamente pelo voto de 54 milhões. Segundo o professor, Fátima está coberta de razão, porque considera que todos devotam adesão incondicional à soberania do voto popular.
Já a senadora Ângela Portela (PT-RR) iniciou sua pergunta dizendo que os acusadores da presidenta Dilma afirmam que ela teria mergulhado o Brasil na crise, por ter desrespeitado o preceito de que não se pode gastar mais do que se arrecada. “Os resultados fiscais do governo da presidenta Dilma foram muito diferentes dos resultados fiscais de outros países submetidos à crise mundial”, indagou. Belluzzo foi no ponto: “O orçamento é, na verdade, é uma estimativa feita no início do ano, com uma suposição de crescimento da economia e, portanto, com uma suposição de crescimento das receitas. Só que, entre a taça e os lábios, o líquido pode derramar, porque, na verdade, as receitas, por exemplo, podem não ser realizadas por conta de uma oscilação, de uma queda no nível de atividade cíclica ou conjuntural. Em 2015, a frustração de receita foi uma coisa absurda, foi uma queda violentíssima da receita”, respondeu.
Terra arrasada
O senador Armando Monteiro (PTB-PE) afirmou que a narrativa do impeachment contém uma questão relacionada com o núcleo das denúncias, falando de decretos e Plano Safra, “mas há um discurso que tenta impugnar tudo o que ocorreu na economia brasileira ao longo dos últimos treze anos. “Às
vezes, perdemos a memória de fatos recentes que, de alguma maneira, desmontam essa tese da chamada terra arrasada. Por exemplo, nós geramos superávits até 2013. Quando adotamos as políticas anticíclicas, o fizemos, portanto, de forma responsável”, disse ele em defesa de Dilma.
Segundo Belluzzo, no final de 2004 se introduziu um viés político no debate econômico negativo para a expectativa do empresariado. Aumentaram as coisas de tal ordem que parecia que tudo era uma catástrofe, e não era catástrofe. Era uma situação desconfortável, que precisaria ser cuidada com prudência. Para Armando Monteiro, está claro que a atividade econômica piorou em 2015 por causa do clima de radicalização política que já havia se instalado no Brasil.
“É importante que se registre, até para a história do País, que há momentos em que a política precisa levar em conta os interesses partidários. A luta política há de ter limites. Mas não é justo que se pretenda agora debitar toda essa conta àquilo que pode corresponder aos eventuais equívocos e erros do último período de governo”, apontou.
Marcello Antunes
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