Governistas acionam “trator” para aprovar PEC da Morte e se recusam ouvir a população

Governistas acionam “trator” para aprovar PEC da Morte e se recusam ouvir a população

Cyntia Campos
09 de novembro | 19:41

Nove de novembro de 2016 vai entrar para a história como o dia em que senadores da República vaiaram cidadãos. Foi ao final da sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), quando três estudantes protestaram contra a aprovação da chamada PEC da Maldade pelo colegiado. Na falta de argumentos, um grupo de parlamentares — todos da base governista e, naturalmente, apoiadores da proposta —reagiram no mais castiço estilo das torcidas organizadas de futebol.

A vaia foi denunciada ao microfone pelo protesto indignado da senadora Lídice da Mata (PSB-BA) —“Que beleza, senadores vaiando as pessoas!” — e provocou revolta na bancada do PT presente à sessão. A manifestação de desrespeito, porém, foi perfeitamente coerente com a postura da maioria governista ao longo de toda a tumultuada reunião. Afinal, foi essa mesma maioria que recusou a proposta de Gleisi Hoffmann (PT-PR) de consultar a população sobre o arrocho dos investimentos sociais por 20 anos, previsto no texto da PEC.

A CCJ aprovou o relatório da PEC por 19 votos contra 7. A Bancada do PT no colegiado votou contra, ao lado dos demais senadores de oposição.

A alegação para rejeitar o referendo proposto por Gleisi é que “a crise precisa de resposta urgente e não há tempo de consultar a população”, segundo o relator da PEC da Morte, Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Já a possibilidade de se adotar soluções alternativas e menos penosas para a população mais pobre sequer foi a voto: os governistas impediram a apreciação de uma das emendas de bancada a que o PT teria direito, um texto substitutivo à PEC.

“Só há uma explicação para o atropelo ao regimento, para a pressa de aprovar a matéria e o cerceamento ao debate: eles não conseguiriam fazer a defesa do injustificável”, apontou o líder do PT, Humberto Costa (PE).

O referendo é uma consulta prevista na Constituição, por meio da qual os eleitores podem dizer se concordam ou não com uma proposta aprovada pelo Legislativo. Pela gravidade do que está inscrito na PEC da Maldade — proibição de um centavo sequer de aumento nos investimentos realizados em políticas sociais ao longo de 20 anos — Gleisi defendeu que os cidadãos pudessem expressar sua opinião. “O povo tem que se manifestar sobre quem vai pagar a conta desse ajuste fiscal”, acredita a senadora.

A recusa da maioria da comissão de permitir que os cidadãos opinassem revoltou Gleisi: “Não é possível que nós, aqui no ar condicionado, ganhando o salário que ganhamos, vamos votar contra quem ganha salário mínimo, contra quem usa o SUS. Isso é uma indecência”, protestou ela.

Consulta pública PEC 55

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Impedir o referendo, porém, é estratégico para a gestão Temer: até o momento, as pesquisas de opinião pública, como a realizada pelo instituto Vox Populi, apontam 70% de rejeição à PEC da Morte. A consulta pública feita pelo Senado aponta repúdio ainda mais amplo: 94% dos que responderam à consulta do e-Cidadania querem que a matéria seja rejeitada.   

A sessão da CCJ desta quarta-feira foi longa, tensa e tumultuada. Ao longo de sete horas de reunião, os governistas abusaram do direito de desrespeitar o Regimento: cassaram a palavra de oposicionistas, ignoraram pedidos de verificação de quórum e impediram a apresentação de um dos destaques de bancada a que o PT teria direito. “Não havia necessidade de tratorar dessa forma”, lamentou Lindbergh Farias (PT-RJ).

O relatório de Eunício de Oliveira, favorável à PEC da Morte, já havia sido lido na semana passada e hoje foi a vez da apresentação de dois votos em separado (relatórios alternativos) contrários à matéria, apresentados por Roberto Requião (PMDB-PR) e Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Requião apontou uma série de inconstitucionalidades contidas no texto da PEC.

Para o peemedebista, o congelamento dos investimentos em políticas públicas equivale a uma “cassação liminar” dos mandatos parlamentares até 2036, já que deputados e senadores teriam amputada de suas prerrogativas a atribuição de elaborar o Orçamento.

Além disso, ressaltou Requião, a PEC da Morte não só não resolve a crise econômica, como tende a aprofundá-la. “O mercado interno desaparece com essa PEC”, alertou ele, lembrando que é esse mercado que assegura e atrai investimentos produtivos da iniciativa privada.

Randolfe, por sua vez, destacou a necessidade de construir alternativas à PEC, que ele descreveu como “draconiana e antipovo – contra o povo de agora e contra o povo do futuro”.

A PEC da Morte será agora analisada pelo plenário do Senado e tem votação prevista para os dias 29 de novembro (1º turno) e 13 de dezembro, aniversário do AI-5 (2º turno). O PT vai reapresentar sua proposta alternativa ao conjunto dos senadores.

 

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