“A PEC 51 é a base, a largada para uma ampla e |
“Eu vejo um clima de maturidade na sociedade e no Congresso que compreende a necessidade de debater e promover uma reforma do sistema de segurança público brasileiro”, assim resumiu o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) sobre a possibilidade de avançar na discussão acerca da estrutura da polícia brasileira. Esse foi o tema da audiência pública promovida pela Comissão Temporária de Segurança Pública do Senado, na tarde desta terça-feira (13).
O debate reascendeu depois das manifestações populares quando a violência da PM foi exposta à sociedade, somada às ações truculentas nas periferias das cidades. Pesquisa recente para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelou que 70,1% da população não confia no trabalho das polícias brasileiras.
Lindbergh é autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 51/2013) que prevê uma profunda reformulação do atual modelo policial com a desmilitarização da PM e a unificação com a Polícia Civil. “Aqui, nós começamos a discutir a possibilidade de construção de um acordo para o próximo período, inclusive eleitoral. No Senado temos diversos ex-governadores e sabemos, percebemos que precisamos avançar nesse tema, discutir, trabalhar. Estou muito contente com o debate que se iniciou a partir da PEC 51. Ela é a base, a largada para uma ampla e necessária reforma”, disse o senador.
O análise do senador petista sobre a desmilitarização da PM recebeu o apoio dos demais debatedores presentes ao encontro. “Essa questão tem que ser debatida e negociada de forma tranquila e serena em cada estado, cada município para que se tenha o acordo que permita uma real mudança”, disse o ex-secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Luiz Eduardo Soares.
Ele também ressaltou que a insatisfação com a área não é exclusividade da sociedade. Os próprios profissionais estão insatisfeitos, de modo geral, com a forma com que atuam. “O policial na ponta, se for responsabilizado e contar com uma formação institucional interdisciplinar, ele será capaz de se tornar um gestor local que saberá diagnosticar as necessidades daquela região, bairro em que trabalha e será capaz de prover as ações interdisciplinares que serão capazes de melhorar a relação dos policiais com a sociedade”, disse ele, ao defender a autonomia dos policiais que atuam diariamente em contato com a população.
Luiz Eduardo ainda chamou atenção para o fato de que, ao longo dos anos, a polícia foi uma das estruturas institucionais que tiveram o menor nível de evolução democrática após o período ditatorial brasileiro. Para ele, aliado ao recente movimento da sociedade, as “lideranças políticas nacionais precisam demonstrar alguma ousadia e passar a limpo a segurança pública no Brasil”.
Especialista em segurança defendem desmilitarização |
Sistema operacional falido
Renato Sérgio de Lima, membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou que outra dificuldade na operação policial, que, para ele, tem um padrão operacional falido.
De acordo com Renato, no ano de 2010, a polícia de Nova York, nos Estados Unidos matou apenas nove pessoas. Com uma densidade populacional semelhante, no mesmo período, cerca de 200 pessoas foram mortas pela polícia na cidade de São Paulo. No Rio de Janeiro, esse número gira em torno de 300. “As polícias brasileiras não estão dando conta de controlar seus padrões operacionais e nem de reduzir os índices de criminalidade”, alertou.
Ao comentar a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, conhecidas como UPPs, nas comunidades cariocas que apresentavam altos índices de violência controladas por traficantes de drogas, Lima ponderou que uma medida isolada é ineficaz na redução da criminalidade.
“Quando acreditávamos que a UPP era a solução para todos os problemas do Brasil, temos o caso Amarildo. Se não investirmos na consolidação dos ganhos que essas medidas trazem e avançarmos de forma ampla, não vamos conseguir dar conta do problema da violência no País”, afirmou referindo-se ao morador da Rocinha torturado e morto por policiais.
Transição gradativa
Na mesma linha de pensamento, o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, acredita que um grave problema é a desconexão entre o trabalho das polícias civil e militar. “Isso traz um problema grave para a resolução de crimes e é uma prática exclusivamente brasileira”, explicou referindo-se ao fato da Polícia Civil investigar e da PM agir no ato do crime.
Além disso, Azevedo destacou que, qualquer tipo de alteração na estrutura policial não pode ser feita com uma “canetada”. Será preciso um longo debate com processo de transição para a realização de uma efetiva e profunda mudança.
A previsão de um ciclo completo de carreira para os policiais foi outro ponto da PEC de Lindbergh elogiado pelos debatedores. As diversas portas de acesso foram apontadas como um grave problema das polícias. “Um agente que atua 20 anos em sua função, de uma hora para outra passa a ser subordinado de um delegado, formado em direito, e que acabou de ingressar na carreira por outra porta de acesso. E o agente que conhece todo o expediente acaba sendo penalizado”, exemplificou o professor Azevedo.
Violência da polícia nas manifestações e na periferia |
Conheça os modelos de carreira previstos na PEC 51:
– Polícia Unificada Civil Estadual: Polícia unificada responsável pela provisão de segurança pública a toda a população do estado, cobrindo todo seu território, por meio do cumprimento de suas funções, envolvendo as atividades ostensivo/preventivas, investigativas e de persecução criminal.
– Polícia Metropolitana: sempre civil e de ciclo completo – Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população da região metropolitana daquele estado. Nessa hipótese, uma polícia unificada civil estadual será responsável pela provisão de segurança pública à população dos municípios do estado em questão não atendidos pela ou pelas polícias metropolitanas.
– Polícia Municipal: sempre civil e de ciclo completo – Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população de um, de alguns ou de todos os municípios do estado em questão. O critério da decisão será escolhido pelo Estado. Exemplos: pode ser a escala demográfica (privilegiando, por exemplo, apenas a capital ou os municípios cujas populações excedam 500 mil habitantes, etc …), pode ser o histórico da criminalidade ou pode ser generalizada, aplicando-se a todos os municípios do Estado em pauta. A decisão de criar polícia municipal envolve a definição de fonte de receita compatível com a magnitude das novas responsabilidades orçamentárias.
– Polícia Distrital ou Submunicipal: De área interna ao município. Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população de um distrito ou uma área interna ao município. Assim, uma cidade pode criar várias polícias locais e uma polícia municipal responsável pelas áreas não cobertas pelas polícias locais.
Constituição
As atribuições da polícia no País estão definidas no Artigo 144 da Constituição. Segundo o texto, a segurança pública, que é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida pela polícia federal, polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis e polícias militares e corpos de bombeiros militares.
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