As elevadas taxas de juros praticadas no País — e que “estão na gênese” de distorções como o câmbio valorizado e a alta carga fiscal — são o alvo de um “nova mudança fundamental” em curso na economia brasileira, avalia o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em artigo publicado nesta quarta-feira pelo jornal Valor Econômico:
“O governo Dilma Rousseff elegeu como um dos seus principais desafios dar um salto de competitividade na economia brasileira, sem abrir mão de se manter na rota da inclusão social e da redução da desigualdade trilhada nos anos precedentes. Nesse sentido, colocava-se como absolutamente estratégico remover, ou pelo menos minimizar, a distorção que havia nos dois principais preços do país: juros e câmbio”, afirma Mantega.
Veja a íntegra do artigo:
O primeiro ano da nova matriz econômica
O Brasil vive um momento de mudança estrutural em sua economia. Depois da estabilização de preços promovida pelo Plano Real, da revolução inclusiva e distributiva a partir de 2003 e da mudança de patamar de crescimento econômico a partir de 2006, o país agora passa por nova mudança fundamental: a colocação das taxas de juros em níveis normais para uma economia sólida e com baixo risco.
A despeito das substanciais melhorias ao longo da última década, que colocaram o Brasil como um novo protagonista na cena econômica internacional, as taxas de juros ainda vinham se sustentando em níveis excessivamente elevados ao longo do tempo. Era uma anomalia que não se justificava, apesar das inúmeras tentativas de explicação por parte de diferentes correntes de economistas.
Como um país que superou a histórica vulnerabilidade externa, equilibrou as contas públicas com geração de resultados fiscais robustos e redução da dívida, manteve a inflação dentro das metas e claramente ampliou seu potencial de crescimento, com o investimento crescendo sistematicamente acima do PIB nos últimos anos, ainda figurava como recordista mundial de juros?
As taxas elevadas estão na gênese de duas outras grandes distorções na economia, a saber, câmbio valorizado e carga fiscal elevada, que levam à má alocação de recursos e a um menor crescimento da economia. Juros elevados atraem capital externo para a arbitragem, valorizando o real (especialmente em um ambiente de afrouxamento quantitativo em países desenvolvidos) e diminuindo a competitividade da produção brasileira. Por outro lado, o alto serviço da dívida pública, que chegou a consumir 5,8% do PIB em juros até o ano passado, exige uma arrecadação maior de impostos, para atingir as metas fiscais estabelecidas pelo governo.
Tudo isso conspirava para prejudicar a produção. Uma situação na qual o sistema financeiro deixava de ser meio para viabilizar a produção e o consumo para se tornar um fim em si mesmo, e proporcionar sua maior lucratividade. Ao invés de a riqueza ser direcionada para o empreendedorismo, inovação, investimentos na indústria, agropecuária e serviços, enfim, para a ampliação da produção nacional e da nossa capacidade de oferta, ela ficava retida no sistema financeiro nacional, em busca do ganho fácil proporcionado pelas aplicações financeiras.
O governo Dilma Rousseff elegeu como um dos seus principais desafios dar um salto de competitividade na economia brasileira, sem abrir mão de se manter na rota da inclusão social e da redução da desigualdade trilhada nos anos precedentes. Nesse sentido, colocava-se como absolutamente estratégico remover, ou pelo menos minimizar, a distorção que havia nos dois principais preços do país: juros e câmbio.
A recaída da crise internacional ocorrida a partir do segundo semestre de 2011 teve severo impacto sobre a atividade econômica. Nesse quadro, abriu-se a oportunidade de avançarmos definitivamente na queda dos juros, sem colocar em risco a inflação e ainda diminuindo os impactos da crise externa sobre o Brasil. Foi muito importante a elevação do resultado primário de 2011 para dar respaldo a redução de juros verificada nesse período.
A despeito de algumas críticas iniciais, houve grande consenso para a ação do Banco Central, que cortou a taxa Selic em cinco pontos percentuais, levando a taxa real de juros abaixo de 2% ao ano, estabelecendo um novo paradigma. Mas, antes de os juros chegarem a esse patamar, foram intensificadas as atuações no mercado de câmbio, de forma a reverter a sobrevalorização que, em tempos de disputa acirrada por mercados dinâmicos como o brasileiro, agravava as dificuldades da indústria nacional. Ainda no primeiro semestre de 2012, o dólar já atingia a casa de R$ 2, permanecendo acima desse nível até o fim do ano.
E fizemos tudo isso com a inflação em 12 meses recuando na comparação com 2011 e caminhando na direção do centro da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A redução da carga tributária já começou e apenas em 2012 haverá uma desoneração de R$ 45 bilhões, que representa cerca de 1% do PIB.
Um mundo novo de oportunidades vai surgir para aqueles que querem ver seu capital se expandir, mas, desta vez, capitaneado pela produção. A atividade financeira vai se adaptar e encontrar os caminhos da rentabilidade apoiando a atividade produtiva. A era do ganho fácil e sem risco ficou para trás, apesar do choro e ranger de dentes dos poucos que se beneficiavam dessa situação.
A tendência é que, em 2013, já comecemos a ver mais claramente os frutos disso na economia. O mercado de capitais tende a florescer, impulsionando ativos financeiros ligados a produção, como debêntures, Fdics e outros produtos financeiros direcionados para o setor privado. O mercado de ações terá mais dinamismo e se fortalecerá como fonte de capital para as empresas poderem expandir seus negócios. O mercado imobiliário, que, estimulado pelas políticas do governo, deu um salto nos últimos anos, também será impulsionado pela nova realidade econômica brasileira.
Na busca de melhorar a rentabilidade de seu capital, os investidores privados vão colocar à disposição das empresas recursos que levarão à expansão da oferta na economia, geração de empregos e mais renda, reforçando o combate à desigualdade no país.
Temos certeza que essa estratégia será bem sucedida e garantirá um maior e mais sustentável dinamismo de longo prazo para a economia brasileira. Mas leva algum tempo para que essa revolução promovida por nós tenha seus efeitos plenos. São os custos e paradoxos da transição.
Não é exagero dizer que o Brasil estava viciado em juros altos e câmbio valorizado. Toda estrutura produtiva estava adaptada para essa realidade e a desintoxicação não ocorre do dia para noite. Tampouco é um processo fácil e tranquilo. A adaptação da economia a essa nova realidade econômica demora um pouco mais devido aos efeitos da crise internacional, que reduzem a confiança e paralisam o comércio internacional.
Mesmo os setores produtivos, que, no médio prazo, ganham com juros normais, estavam habituados a aplicar recursos de caixa em produtos financeiros de rápido retorno; portanto, a redução dos juros pode implicar, de imediato, um efeito-riqueza negativo para as empresas. Igualmente, os setores exportadores, que tendem a ganhar com a taxa de câmbio mais competitiva, vinham, por força de um real demasiado forte, tomando empréstimos no exterior e substituindo insumos domésticos por importados; nessas circunstâncias, a depreciação da taxa de câmbio poderia trazer mais perdas do que ganhos no curto prazo.
Temos consciência também de que a correção da histórica distorção de juros e câmbio, por si só, não resolve todos os nossos problemas. É muito importante também dar um salto na competitividade por meio da remoção de gargalos na infraestrutura, logística e nos custos das empresas.
Nesse sentido, lançamos uma primeira rodada de concessões de aeroportos, que já começa a gerar investimentos na ampliação da capacidade operacional de três importantes sistemas: Guarulhos, Brasília e Viracopos. Depois, anunciamos um ambicioso programa de investimentos em rodovias e ferrovias, com previsão de mais de R$ 130 bilhões em recursos e que deverá rodar com velocidade a partir de 2013. Acabamos de anunciar também um programa para melhorarmos de forma expressiva a infraestrutura portuária no Brasil.
Na redução de tributos foi dada ênfase à desoneração da folha de pagamentos, que neste ano beneficiou quinze setores e, a partir de 2013, alcançará mais de quarenta. Essa medida tem a grande virtude de reduzir o custo de mão de obra no Brasil sem reduzir os direitos dos trabalhadores, que costumam aparecer como os primeiros prejudicados em tempos de crise econômica (como está ocorrendo, por exemplo, na Europa). A mais recente desoneração da folha anunciada pelo governo foi para o setor de construção civil, medida que também vai impulsionar os investimentos.
Anunciamos também uma medida crucial para baratear os custos produtivos no Brasil: a redução do preço da energia. A despeito do equívoco de avaliação e da falta de cooperação de algumas empresas dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina, conseguimos garantir que, a partir de fevereiro de
Também vale destacar a redução do custo financeiro para o investimento. Além da já mencionada mudança estrutural na taxa Selic, reduzimos a taxa de juros do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) para 2,5% ao ano no último trimestre de 2012. E recentemente anunciamos a renovação do programa para 2013, com taxa média em torno de 3,5% ao ano e R$ 100 bilhões disponíveis para as empresas tomarem emprestados no sistema financeiro.
Nesta nova edição do programa, inovamos para ter uma maior participação do setor privado, a partir da liberação de R$ 15 bilhões dos depósitos compulsórios sem remuneração retidos no Banco Central. Os outros R$ 85 bilhões serão emprestados dentro do sistema BNDES, que tem sido o grande impulsionador dos investimentos. Nosso objetivo é que, no ano que vem, os investimentos no Brasil cresçam o dobro do PIB, como ocorreu em quase todos os anos desde 2006.
Não podemos deixar de falar da agenda de melhoria no perfil tributário do país. Estamos em pleno esforço para acabar com a guerra fiscal, por meio da mudança no ICMS interestadual, cujas negociações têm avançado tanto com os governadores como com o Senado Federal. Vamos melhorar também a legislação do PIS/Cofins, simplificando esses tributos.
A falta de resolução da crise internacional nos permite antever mais alguns anos de crescimento baixo no mundo. Infelizmente, os países avançados têm optado por um caminho que não permite a retomada rápida do crescimento econômico e que, equivocadamente, busca a correção do alto endividamento apenas com medidas de austeridade fiscal, que levam a deterioração das condições econômicas e sociais. O Brasil tem buscado outro caminho, o da política fiscal anticíclica, estimulando investimento, reduzindo custos, e mantendo a solidez fiscal, sem deixar de preservar os direitos e conquistas de nossos trabalhadores, especialmente aqueles de menor renda.
A despeito do crescimento abaixo do previsto por nós e por todos os analistas, 2012 foi um ano extremamente importante para o futuro da economia brasileira. A recuperação de taxas mais vigorosas de crescimento do PIB já está em curso e isso ficará claro em 2013. Mas o mais importante é que estão fixadas as bases para que o Brasil tenha taxas elevadas de crescimento por muitos anos, melhorando o emprego, a renda e diminuindo as desigualdades que subsistem em nosso país.
Guido Mantega
Ministro da Fazenda