Os debates que antecederam a aprovação da MP 579 do setor elétrico mostraram duas linhas mestras que se opunham, partindo delas todas as variantes discursadas em plenário pelos senadores. De um lado, a oposição defendendo a “saúde financeira” das estatais estaduais, reagindo por antecipação que não querem ser responsáveis pela manutenção das atuais tarifas – um dos nós cegos do chamado “custo Brasil”.
Segundo esse discurso, quem dizer ou pensar que a oposição é contra a proposta, estará cometendo um ato “desleal”, “demagógico”. O antídoto é questionável, e de viso eleitoreiro, e resulta da procura por respostas que não convencem o eleitorado.
A oposição, em bloco, rejeitou discutir e negociar as novas tarifas durante todo o processo de negociação e em audiências públicas com todos os setores envolvidos. Seu argumento principal foi a defesa das estatais, sua “saúde financeira” sua “capacidade de investimento”, seu direito à “justa renumeração”.
Apenas o senador Agripino Maia (DEM-RN) mudou o discurso, cobrando “sustentabilidade” que garanta a medida. Para ele, não é “tomando” dos governos estaduais que o Governo Federal irá assegurar a qualidade dos serviços no futuro, mas sim “zerando” a cobrança do PIS/Pasep/Confins que incide atualmente sobre as tarifas. Se houver esse comprometimento, propôs o senador, ele mudaria seu voto de contra a favor da MP. Esse argumento seria repetido por todos os demais senadores da oposição.
Em seguida, falou outro líder da oposição, Aloizio Nunes (PSDB-SP), que acrescentou às críticas ao projeto que a MP espelhava a “falta de planejamento” e o “autoritarismo” do PT. Após bater, amenizou: pediu mais prazo para governo e estados da oposição “negociar”.
Mas a verdadeira intenção do senador paulista era bater na proposição da medida, acusando que a presidenta da República, Dilma Rousseff, divulgou “com fanfarra” a decisão de reduzir o custo da energia elétrica “em até 21%”. Apontou, em seguida, incompatibilidades numéricas de valores a serem negociados. “Nenhum diretor de empresa responsável poderia decidir no curto prazo dado”, disse, apontando novamente “autoritarismo” e “demagogia” do PT. Para ele, o governo é contraditório, porque o Brasil renegociou o preço da tarifa da usina de Itaipu que o Brasil paga ao Paraguai. Para ele, a proposta é principalmente “demagógica”. Aloizio Nunes não fez qualquer proposta, mas pediu “negociações” para que “as empresas dos governos dos estados tenham prazo”. Tampouco, garantiu a mesma aprovação anunciada pelo seu colega de oposição.
Na sequência, o senador Roberto Requião (PMDB-PR), com sua contundência conhecida, confessou-se “decepcionado” pela “demonização” do debate criada pela oposição. Citando sua experiência como governador do Paraná, durante as privatizações “metidas goela abaixo” do governo de Fernando Henrique Cardoso, relatou que o custo do megawatt/hora é de R$ 4 da Copel, a estatal elétrica paranaense que não chegou a ser privatizada, porque, na data marcada, ocorreu o atentado contra as torres gêmeas de Nova York. Contou que a energia da Copel gerada por R$ 4 o megawatt/hora chegava a ser cobrado por até R$ 400.
Para Requião, ao contrário de colocar-se contra a “proposta extremamente ponderada da presidente Dilma”, os governadores do PSDB deveriam, antes, não ter tomado outras medidas. Como exemplo, citou que, no governo de Beto Richa (PSDB), no Paraná, a parcela de lucros da Copel foi ampliada de 25% para 35% do lucro. Se fossem a favor do consumidor, poderia reduzir essa parcela em 10%, continuou argumentando Requião, estimando que, com a alteração promovida pelo governo tucano, transferiu R$ 150 milhões da Copel para os investidores privados. “Não se trata de garantir a sustentabilidade, como diz o PSDB, mas de garantir o lucro dos acionistas privados”, finalizou. “Essa questão foi distorcida à exaustão, tanto aqui no plenário quanto nos jornais, vamos votar”, conclamou.
Na sequência, dois senadores da oposição tomaram a palavra: Mario Couto (PSDB-PA) e Álvaro Dias (PSDB-PR). O primeiro dedicou a maior parte de sua fala ao “mensalão”; Dias continuou a pregação contra o PT, condenando o “clima de feira” do Senado pelas medidas que serão votadas nesta semana.
Álvaro Dias voltou a falar nos últimos cinco minutos de direito da oposição. Afirmou que a oposição votaria a favor da MP, desde que acrescida da emenda 382, que trata do regime não cumulativo dos mesmos tributos mencionados por Maia. Como exemplo, citou que o mesmo regime barateia atualmente as tarifas de telefone.
Encerrou sua fala retomando a acusação de que a presidenta cometeu “estelionato eleitoral” e de “fazer cortesia com o chapéu alheio”, pedindo o encaminhamento da emenda.
O último pronunciamento coube ao líder do governo. Eduardo Braga (PMDB-PA) defendeu “a verdade” da MP, que é a de garantir redução no preço da tarifa. Como exemplo do compromisso da presidente da República, lembrou que a presidenta Dilma anunciou que empregará recursos do erário para garantir o menor valor da tarifa anunciado, como foi anunciado após a recusa das estatais chefiadas pelo PSDB. Sem o assegurado pela presidente, não seria possível atingir a redução do preço da tarifa de até 21%.
Prestes ao início da votação, o senador Agripino Maia pediu a avaliação da emenda 382, sem a qual todos os senadores de seu partido se retirariam do plenário para não votar.
O relator da MP, Renan Calheiros (PMDB-AL) rebateu as críticas de falta de negociação, enumerando a quantidade de audiências públicas e a adoção “inédita” de mais de 50 emendas. Negociação não faltou, selou o senador, relacionando a aprovação da MP a outras medidas importantes tomadas pelo governo, como a redução dos juros e dos encargos sobre a folha de salários das empresas.
“A média de concessão das empresas é de 37 anos”, disse. “Algumas com as concessões renovadas em até quatro vezes e o custo de amortização foi pago pela população”, observou.
Na defesa de seu texto, Renan ainda mencionou alguns pontos que não foram solucionados nas negociações, como, por exemplo, a redução do preço da tarifa paga pela indústria de base, que já paga tarifa menor em relação aos outros setores da indústria. Essa alteração, disse o senador, atenderia ao pedido das empresas do setor que reclamam o mesmo desconto que será dado aos outros setores. O relator também rebateu a adoção da emenda 382, argumentando que ela trata de decisão que deveria ser discutida e aprovada em uma MP específica, por tratar de tema fiscal. Renan Calheiros encerrou pedindo a derrubada de todos os destaques para votação em separado e a defendeu a votação imediata de seu relatório, sob o risco de a redução não entrar em vigor no mês previsto – fevereiro do ano que vem.
Todos os demais líderes dos partidos ocuparam o microfone para convocar os membros de suas bancadas para votar não à emenda. Na sua intervenção, o líder do PT, Walter Pinheiro (BA), elogiou o trabalho feito pelo relator.
Rejeitada a emenda, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), colocou a votação em andamento.
O penúltimo orador, Aécio Neves (PSDB-MG), citou que o debate sobre a MP chegou à mídia, e que a discussão sobre “importantes setores da economia brasileira” têm de voltar ao Senado. Apontando “defeitos e virtudes” na proposta da presidente da República, queixou-se que “não foram ouvidos”, insinuando que o relator atendeu mais aos argumentos de técnicos do governo do que os da oposição. Mas também pregou aos seus pares a aprovação da MP, apesar dela ser “populista e eleitoreira”.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) chegou a questionar o senador Aécio Neves que durante seu encaminhamento defendeu que a MP deveria retirar da tarifa de energia os tributos federais como o PIS/Cofins, garantindo um desconto de até 25%, segundo o presidenciável tucano. Mas Lindbergh lembrou que antes dele fazer essa reivindicação, os governos tucanos deveriam reduzir as alíquotas do ICMS incidentes nas tarifas, que chegam a até 33% como é o caso de Minas Gerais. Nesse estado, numa conta de luz no valor de 100 reais, 33 reais correspondem ao ICMS. E mesmo que a redução defendida pela presidenta Dilma signifique uma redução desses 100 para 80, já que a queda chegará a 20%, a alíquota de 33% do ICMS continuará elevada.
Por fim, outro senador do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), protelando a votação, retomou os mesmos argumentos contrários à carga fiscal do Governo Federal. E também antecipou que seu partido votaria a favor da MP. “Não faremos nada, jamais, que prejudique o povo brasileiro. Mais uma vez, ganha o governo perde o Brasil”. Enfim, durante toda a tarde desta terça-feira, para fora a oposição e os tucanos diziam que não poderiam se colocar contra uma proposta que reduz o preço da conta de luz, mas durante a votação da MP na Câmara todos os artifícios regimentais foram usados para evitar que a MP que vai baixar os preços da conta de luz lograsse êxito.
Quando os obstáculos no Senado foram vencidos, após quase quatro horas de debates, finalmente a MP do setor elétrico foi à votação e aprovada por maioria. Agora, segue para sanção da presidenta Dilma Rousseff.
Alceu Nader com Marcello Antunes