Professor Juarez Xavier: “Não me sinto vítima, sou militante”Integrante do movimento negro desde o final dos anos 80 e professor universitário há quase 15 anos, Juarez de Paula Xavier viu pela primeira vez seu nome estampado em uma frase racista, na última sexta-feira (24). A expressão fazia parte de um conjunto de ofensas que tomaram as paredes do pequeno banheiro masculino do espaço ocupado pelo grupo de trabalho sobre a questão racial do Campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru (SP).
A instituição abriu um inquérito, na segunda-feira (27), para investigar a autoria dos ataques racistas que aconteceram no Campus de Bauru, na semana passada. A comissão da instituição será acompanhada por dois representantes da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) nas apurações.
“De sexta-feira para cá a gente tem usado as redes sociais, as entrevistas para pautar esse debate. Além da averiguação, da punição, queremos tomar uma medida socioeducativa, para que a universidade retome a discussão da questão racial na sala de aula”, detalha o doutor em Comunicação.
Para o professor, a ação é uma resposta às políticas afirmativas adotadas pela instituição. Nos últimos anos, foram criados na universidade coletivos que debatem questões raciais, de mulheres e de homossexuais. Juarez coordena o Núcleo Negro Unesp para a Pesquisa e Extensão (Nupe).
A Unesp reserva 25% das vagas para cotistas. “Houve manifestações racistas em outros campus e são provavelmente resultado da nossa política de cotas”, analisa.
As cotas começaram a ser adotadas amplamente depois da aprovação da lei federal 12.711/2012, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Entre 2012 e 2014, o número de vagas reservadas para afrodescendentes e indígenas nas universidades federais aumentou 250%, de 13.392 para 43.613.
Em entrevista à Agência PT de Notícias, o professor contou que teve poucos alunos negros. “A gente começa a ver uma presença maior agora em função dos alunos cotistas. Numa videoconferência, um professor que dá aula há quase 20 anos na Faculdade de Odontologia em Araraquara agora tem dois alunos negros”. No entanto, o contingente de professores negros é baixo, ao contrário do número de funcionários em condição subalterna.
Militância
Xavier chegou à cidade há cerca de quatro anos, após ser aprovado no concurso para professor titular. Atualmente, integra diversos conselhos locais como o da Comunidade Negra, de Cultura, e da Cidade. Sua participação em todos os grupos tem como foco a questão racial.
“Realmente não me sinto vítima. Sou militante do movimento negro e tenho militado em todas as instâncias”, assegura.
No entanto, as frases ofensivas afetaram integrantes dos grupos. “Em tantos anos de militância, não tem ofensa pessoal que possa me abalar. Fiquei preocupado com o abalo aos meus orientandos, aos alunos que trabalham comigo e aos membros dos coletivos”, afirma.
As pichações dirigidas a mulheres negras ofenderam as quatro trabalhadoras da Universidade que tiveram que limpar as paredes do banheiro. “Todas são mulheres negras. Uma delas, a mais idosa do grupo, ficou totalmente indignada, a ponto de não conseguir trabalhar. O depoimento dela para a TV Unesp foi uma das coisas mais emocionantes que vi na vida”, relembra.
Preparo
Para o professor, as ocorrências racistas são a prova de que as instituições de ensino superior precisam avançar no combate ao racismo institucional. “Houve a política e a mudança é positiva, tem que ter mesmo mais alunos, professores e funcionários negros, mas não houve uma discussão estratégica sobre como lidar com o racismo institucional”, analisa.
“Tanto é que temos registrado pelo Brasil afora o conflito em sala de aula, temos recebido relatos de alunos que são orientados a mudar seu foco de pesquisa quando a questão é racial e já ocorreram mudanças em projetos de extensão”, denuncia.
Agência PT de Notícias