Receita recessiva alia-se à especulação para elevar os juros

Mercado reclama e neoliberais defendem alta dos juros e desemprego para contar inflação, mas Governo não abre mão dos bons níveis de emprego.

A revista Carta Capital desta semana ataca a fórmula tucana para combater a inflação: juros altos e desemprego. Lembra que os maiores defensores da ideia – Gustavo Loyola, Ilan Goldfajn e Alexandre Schwartsman formaram uma espécie de tropa de choque neoliberal durante os governos de Fernando Henrique Cardoso.

Para o PT, ao contrário, manter os níveis de emprego em alta é quase uma cláusula pétrea. O que certamente incomoda ao mercado financeiro, ansioso por detonar a política econômica do Governo Federal é o fato de que o baixo desemprego tem provocado uma significativa transferência de renda dos mais ricos para a base da pirâmide. Isso enquanto o sistema financeiro perde espaço.

A matéria mostra que no governo FHC, segundo o IBGE, a fatia da massa salarial no conjunto da economia caiu de 43% para 40%. Com Lula, subiu a 44% até 2009. Não há dados definitivos sobre os últimos três anos, mas a tendência de incremento da participação continuou. “É sórdida a ideia de que tem de demitir, mas não nos surpreende”, diz o presidente da Central Única.

Ao falar da expectativa sobre a decisão do Copom em relação à taxa básica de juros e da resistência da inflação, a revista lembra da esperança dos rentistas que a Selic volte a subir para reaver as perdas desde que o Governo Dilma reduziu a taxa básica e tirou do Brasil o título de campeão mundial do juro. Na análise feita pela Carta Capital, as últimas estimativas no mercado de que o juro poderia voltar a subir teve impacto direto no custo dos empréstimos. Esse fato somada às medidas do governo podem conter a inflação e evitar que o Banco Central mexa na Selic para cima.

Leia a íntegra da reportagem:

 

Tombini e o rentísmo

O Banco Central terá de tomar uma das decisões mais difíceis do governo Dilma Rousseff no dia 17. A inflação está em níveis incômodos desde setembro, mas a economia continua sem o vigor de outros tempos. Nesse cenário, deveria o BC subir a taxa básica de juros e sacrificar o crescimento com o objetivo de segurar os preços? Ou deveria mantê-la, pois a inflação está alta, ainda dentro do limite máximo da meta imposta por Brasília, e evitar esfriar de vez o PIB?

O quadro tem feito a equipe econômica se virar em busca de soluções para tornar a elevação da taxa o último remédio contra as remarcações de preços. O governo cortou impostos da cesta básica e de empréstimos à compra de máquinas e equi¬pamentos, negociou o adiamento dos reajustes de passagens de ônibus, antecipou a redução da conta de luz, prorrogou a isenção do 1PI dos automóveis (e pode fazê-lo no caso de geladeiras, fogões etc.). As medidas contiveram alguns preços, causaram impacto positivo nos índices de inflação e estimularam a oferta de produtos, mecanismo capaz de conter as pressões altistas de vários produtos.

Apesar dos esforços, digamos, heterodoxos, o BC sinaliza: nada o impede de elevar a Selic nos próximos meses. Em aparições públicas de seu presidente, Alexandre Tombini, e em documentos recentes, a diretoria expôs de forma mais clara preocupações com a alta generalizada dos preços. As autoridades monetárias creditam o fato de o índice ter resvalado o teto da meta (6,5% ao ano) em 2012 a um choque nos preços internacionais dos alimentos e à alta do dólar. Descobriram, porém, algo desagradável. A inflação espraiou-se e agora atinge quase 70% das categorias de produtos presentes na composição dos índices. Estima-se que, até junho, o índice acumulado em 12 meses fica acima dos 6,5%. Em audiência pública no Senado na terça-feira, Tombini resumiu a inquietação: “A inflação está sob controle, mas encerra riscos mais à frente”.

A ação retórica de assumir a apreensão e sugerir juro em alta produziu efeitos no mundo real, pois levou os mercados a encarecer os empréstimos. Somada às medidas do governo, essa conseqüência pode conter a inflação e até eliminar a obrigação de o Comitê de Política Monetária chegar às vias de fato.

Em relatório da segunda-feira 1o, o Itaú Unibanco, por exemplo, diz esperar uma alta da taxa em maio. O relatório ressalva, porém: “Caso haja alívio inesperado na inflação de curto prazo, a programada elevação de juros poderá inclusive não ocorrer”. No governo, torce-se por esse “alívio” nos preços em março. O índice oficial, o IPCA, do mês passado será divulgado nos próximos dias. Em São Paulo, o IPC da Fipe, um dos indicadores à disposição na praça, registrou deflação.

Mexer nos juros seria um péssimo sinal para uma economia em recuperação mais lenta do que o esperado. Na quarta-feira 3, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estimou expansão de 4% nos investimentos do setor neste ano. E uma previsão bem abaixo da anterior, de dezembro (7%), e agora só ligeiramente superior àquela projetada para o consumo das famílias (3,5%). “O BC não faz um aumento de juro só, faz um ciclo. Teríamos de calcular a intensidade e a duração do ajuste, mas sem dúvida afetaria os investimentos”, diz o economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco. Para a entidade, o PIB brasileiro total crescerá 3,2% neste ano, e não mais os 4% previstos anteriormente. Isso mesmo sem um eventual aperto monetário.

A tarefa do BC de administrar um problema concreto, como a atual inflação, ganhou um complicador com a tentativa de uma porção do mercado de aproveitar a situação para reaver lucros perdidos com Dilma, que tirou do Brasil o título de campeão mundial do juro. Economistas defensores da visão e dos interesses do mercado têm disseminado críticas e propagado um pessimismo que influencia quem fixa preços, os empresários.

Para esses economistas, o BC deveria simplesmente aumentar o juro, esfriar a economia e forçar as empresas a demitir funcionários. Qualquer outro recurso contra a inflação seria um paliativo. Segundo essa turma, há trabalhadores e salário demais e o Brasil não estaria preparado para conviver com essa situação sem uma disparada dos preços. A tropa do juro alto tem à frente ex-dirigentes do Banco Central. Um trio se destaca: Gustavo Loyola, Ilan Goldfajn e Alexandre Schwartsman, o barítono da ópera do desastre.

“A saída é frear a economia. E demitir mesmo”, teria dito Schwartsman, diretor do BC no primeiro governo Lula, segundo reportagem de 24 de março do jornal O Globo. Economista-chefe do Banco Santander até o início de 2011, Schwartsman, ao que consta, foi demitido por sua postura truculenta e pela incapacidade de avaliar os passos da política econômica sem embutir as próprias opiniões, bastante particulares e desconectadas da realidade.

Diretor do BC no governo Fernando Henrique e hoje economista-chefe do Itaú Unibanco, Goldfajn já defendeu demissões em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo. Na terça-feira 2, sugeriu: contra a inflação, o governo precisaria tributar menos as empresas e cortar gastos, desde que não mexesse no pagamento de juros da dívida pública.

Presidente do BC sob FHC, Loyola publicou no jornal Valor Econômico da segunda-feira 1o um artigo em que chama de “armadilha” a decisão de colocar o juro brasileiro em patamar mais baixo. Segundo ele, a decisão política “constrange” o Banco Central a maneirar. Seria hora de “restaurar a racionalidade na política econômica”, diz Loyola, e de tornar o BC independente do governo.

Embora instituída de fato, a autonomia do BC, velha cantilena do período neoliberal, voltou a ser discutida como se estivesse em risco. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), tio do presidenciável tucano Aécio Neves, acaba de concluir, por exemplo, uma proposta para garanti-la por lei. Seria uma medida “extremamente importante”, diz o parlamentar fluminense. Neste caso, sempre cabe a pergunta: o BC se tornaria independente de quem?

A reação pouco civilizada de uma parcela do mercado, para usar uma expressão do ex-ministro Delfim Netto, e a volta da cobrança por um BC independente podem ser entendidas pelos números. Em 2012, o Brasil teve o menor gasto da história com juros da dívida, 4,9% das riquezas geradas no ano. A despesa já foi de 8% no pas¬sado. A queda decorreu da decisão de baixar a Selic, um compromisso de campanha de Dilma Rousseff (ela prometeu terminar o mandato com Selic de 2% em termos reais). A taxa, que alcançou 45% na década de 1990 e estava em 12,5% até agosto último, agora é de 7,25%. O recuo comeu 1,5 bilhão em lucros dos bancos no segundo semestre de 2012, na conta do BC.

A diminuição também produziu forte desaceleração nos negócios com títulos públicos feitos por instituições que cuidam com especial carinho do dinheiro de alguns milionários, um grupo de 52 mil aplicadores que em dezembro detinha um patrimônio de 527 bilhões de reais, segundo um informe da Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

No Senado, Tombini afirmou que o juro pode até subir, mas dificilmente voltará aos patamares antigos. No Ministério da Fazenda e no Palácio do Planalto, uma eventual decisão de aumentar a taxa é classificada como normal. O que incomoda, além do impacto na atividade econômica, é a defesa aberta de parte do sistema financeiro do aumento do desemprego para conter a inflação. Durante a reunião de países emergentes em Durban, África do Sul, Dilma concedeu uma entrevista na qual atacou “as mesmas vozes de sempre” e afirmou que o País não está disposto a sacrificar o crescimento e o bem-estar da população.

A expansão do mercado de trabalho é considerada um patrimônio econômico e político a ser preservado. O baixo desemprego tem provocado uma significativa transferência de renda dos mais ricos para a base da pirâmide. No ano passado, segundo o Dieese, 95% das negociações salariais resultaram em ganhos reais, descontada a inflação, um recorde desde o início da pesquisa, em 1996. Desde 2004, a massa salarial cresceu a uma taxa média de 5%, informa o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Chegou a 6,2% em 2012, mesmo em uma economia praticamente estagnada. O número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado atingiu, em fevereiro, a marca histórica de 50%.

O dinamismo permite à população se apropriar cada vez mais das riquezas geradas pelo País, enquanto o sistema financeiro perde espaço. No governo FHC, segundo o IBGE, a fatia da massa salarial no conjunto da economia caiu de 43% para 40%. Com Lula, subiu a 44% até 2009. Não há dados definitivos sobre os últimos três anos, mas a tendência de incremento da participação continuou. “E sórdida a ideia de que tem de demitir, mas não nos surpreende”, diz o presidente da Central Única dos Trabalhadores, Vagner Gomes.

Tombini conduz o BC com uma visão afinada à de Dilma e à do ministro Guido Mantega, todos resistentes à ideia de golpear a economia e o emprego, embora a presidenta considere a inflação o principal desafio do momento. Em suas exposições, Tombini revela uma sensibilidade social capaz de espantar alguns antecessores. Costuma exaltar os ganhos de renda, a inclusão de novos consumidores e define como “patrimônio” a pujança do mercado interno. E um equilíbrio delicado. A próxima reunião do Copom, em 17 de abril, dirá se ainda é possível mantê-lo.

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