Tânia Maria de Oliveira*
10 de novembro de 2016 | 19h12
A soberania popular é pressuposto da democracia. Nossa Constituição admite a coexistência de dois modelos: a direta e participativa e a representativa, sendo essa última, mais usual, exercida pelo voto em representantes para os poderes legislativo e executivo em todas as unidades da federação.
A Lei nº 9.709/98 regulamentou a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14, da Constituição Federal, que trata dos mecanismos para o exercício direto da soberania popular. O referendo é uma consulta feita à população para que delibere sobre um determinado assunto “de acentuada relevância”, como afirma a lei. Nesse modelo, a população é consultada sobre uma norma que já foi aprovada no Congresso Nacional.
A PEC 241 (atualmente PEC 55 no Senado) foi enviada pelo governo de Michel Temer no mês de junho de 2016 e cria um chamado Novo Regime Fiscal, que vigorará por vinte anos, afetará de forma inexorável o Estado de bem-estar social mínimo que foi estabelecido pela Constituição de 1988, desmontará gastos sociais, atingindo inclusive as áreas de saúde, educação e previdência social, não adota regra fiscal para distribuição de renda, não mexe na estrutura tributária (portanto não afeta os que ganham mais). É – com toda justiça –apelidada de PEC da maldade.
Segundo pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi/CUT entre os dias 9 e 13 de outubro a PEC é rejeitada por 70% dos brasileiros. Apenas 19% concordam com a proposta apresentada por Michel Temer, 6% são indiferentes e 5% não souberam ou não responderam. Na pesquisa na página do Senado Federal de um total de 346 mil votantes, 93,9% são contra a proposta.[1]
Por outro lado, estudantes em todo o país ocupam escolas e universidades em protesto contra as medidas do governo, sendo a PEC 55 um dos pontos centrais de sua pauta. A proposta diz que, a partir de 2018, o investimento mínimo em educação e deve ser equivalente à despesa do ano anterior corrigida pelo IPCA. Atualmente, a Constituição Federal determina que a União invista em educação, no mínimo, 18% da arrecadação com impostos. Com a aprovação da PEC, esse índice, em 2028, cairia para 13,7%, segundo o Dieese, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
Diante da evidente rejeição a essa proposta pela população brasileira, demonstrada pelas manifestações públicas espontâneas e em pesquisas, a consulta popular feita pela forma do referendo, para que se diga SIM ou NÃO à sua entrada em vigor é a única forma de conferir-lhe alguma legitimidade.
Não é demais lembrar que o governo de Michel Temer não foi eleito nas urnas. Não houve o exercício popular da democracia indireta. Suas políticas públicas não foram expostas e submetidas às urnas. Portanto, nada mais legítimo que assumir que uma alteração à Constituição Federal que afete profundamente a vida da população, congelando gastos públicos por 20 anos, requeira um vetor estratégico de consulta popular.
A soberania popular democratiza o Estado. Seu destravamento, assumindo a necessidade da participação direta do povo na tomada de decisões tão profundas é tarefa de todos que defendem um Estado livre de privilégios, que garante benefícios a grupos da sociedade e não ao seu conjunto, um Estado que cumpra seu papel de garantidor e provedor de direitos.
O referendo para a PEC 55(241) é, mais que uma proposta, uma necessidade.
*Tânia Maria de Oliveira é advogada e assessora técnica do PT no Senado
[1] Resultado apurado em 10/11/2016 às 15:34 em: http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=127337