Relatório de Pimentel sobre maioridade leva sensatez e equilíbrio à polêmica

Relatório de Pimentel sobre maioridade leva sensatez e equilíbrio à polêmica

Pimentel: relatório servirá de base para consertar projeto que veio da Câmara e alinhar as propostas feitas pelo SenadoO Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 25 anos nesta segunda-feira (13) enfrentando o mais pesado bombardeio dos setores conservadores desde que entrou em vigor, em 1990, como regulamentação das diretrizes gerais estabelecidas na Constituição de 1988 para a proteção integral à infância e aos primeiros anos da juventude.

A ponta de lança da ofensiva conservadora é a pressão pela redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos, medida que além das consequências objetivas — colocar na cadeia meninas e meninos,  principalmente negros e pobres — funcionaria como um “atestado” da falência de um conjunto de normas de inspiração progressista formulado ainda sob a atmosfera do período da redemocratização.

A redução da maioridade deverá ser debatida por uma comissão especial do Senado, depois de ter sido aprovada na Câmara, em uma manobra operada pelo presidente daquela Casa, Eduardo Cunha, apenas 24 horas após ter sido derrotada pelo plenário. A única “concessão” que o texto faz aos adolescentes de 16 e 17 que quer responsabilizar criminalmente é determinar que cumpram pena em estabelecimento prisional diferente do destinado a maiores de 18. A responsabilização criminal valerá para crimes hediondos.

Além de discutir a proposta que vem da Câmara, o Senado também divide suas atenções a duas outras matérias sobre o tema em tramitação na Casa. A primeira delas é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) já derrotada na Comissão de Constituição e Justiça mas objeto de um recurso ao plenário para que seja, mesmo assim, examinada pelo conjunto dos senadores. O texto do tucano estabelece uma espécie de flexibilização seletiva da maioridade penal, ao facultar a responsabilização criminal  de adolescentes de 16 e 17 anos que pratiquem crimes hediondos. A iniciativa teria que ser tomada pelo Ministério Público e passaria pela autorização de um juiz.

O segundo texto é o relatório do senador José Pimentel (PT-CE), que modifica e aperfeiçoa a projeto de José Serra (PSDB-SP). A matéria não altera a maioridade penal, mas altera o ECA para ampliar o tempo de cumprimento de medida sócio educativa para até oito anos para adolescentes de 16 e 17 anos que cometam crimes contra a vida (como o homicídio, latrocínio, estupro e sequestro). O parecer de Pimentel é considerado um contraponto equilibrado em um debate acalorado, já que preserva os menores de 18 anos de todos os “efeitos colaterais” da redução da maioridade — liberação do uso de álcool, desproteção contra a pedofilia, por exemplo.

Confira os principais pontos do relatório de Pimentel:

Regime Especial – O projeto cria um regime especial de atendimento socioeducativo para os menores infratores que praticarem, mediante violência ou grave ameaça, conduta descrita na legislação como crime hediondo. Nesse caso, o infrator poderá cumprir medida socioeducativa no regime especial até os 26 anos de idade (tempo de internação máximo de oito anos).

Espaço diferenciado – Os jovens no regime especial de atendimento socioeducativo ficarão separados dos demais, podendo ser num estabelecimento específico ou numa ala especial dentro da estrutura existente. A intenção é evitar a influência dos autores de crimes hediondos sobre os demais menores. Apesar da separação, é possível compartilhar a mesma equipe multidisciplinar (psicólogos, assistentes sociais, educadores etc).

Para facilitar a construção desses estabelecimentos específicos ou de alas especiais em unidades já existentes, Pimentel garantiu no substitutivo a inserção destas obras na Lei nº 12.462/2011, que trata do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC).

Educação e trabalho – Durante o período de internação no regime especial serão obrigatórias atividades pedagógicas, além de acesso ao ensino fundamental, médio e profissionalizante. O sistema permitirá, ainda, que o jovem tenha acesso à aprendizagem e ao trabalho, nos termos da legislação em vigor. A permissão será concedida por autorização judicial.

Indução ao crime – A alteração do Código Penal vai agravar a pena de quem praticar crimes, acompanhado de menor de 18 anos ou induzir esses jovens à prática criminosa. A pena será de dois a cinco anos e aumentadas em até o dobro no caso de crimes hediondos.

Também terão punição mais rigorosa aqueles que corromperem ou facilitarem a corrupção de menores de 18 anos. A pena será de três a oito anos e aumentadas em até o dobro no caso de crimes hediondos.

Maior rigor na punição será aplicado ainda a servidores públicos que promoverem ou facilitarem a fuga de adolescente ou jovem internado em estabelecimento socioeducativo.

Saúde mental – O substitutivo do senador considera que os menores infratores, em cumprimento de pena no regime socioeducativo, quando diagnosticados com problemas de saúde mental, obedecem também ao tratamento dispensado pela lei da saúde mental (Lei 10.216/2001).

Sem soluções fáceis
Para a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), alterar o ECA, endurecendo as medidas socioeducativas, é uma resposta muito mais eficaz à criminalidade juvenil do que o punitivismo reinante nas iniciativas patrocinadas pelas alas conservadoras do parlamento que, para a parlamentar, estão “vendendo uma ilusão” à sociedade, angustiada pela violência crescente, especialmente nas grandes cidades. “A redução da maioridade penal não é uma panaceia para todos os males da segurança pública brasileira”.

Ela chama a atenção exatamente para os efeitos secundários, da medida, como a autorização para que menores de 18 dirijam automóveis e consumiram bebidas alcoólicas. “Chamam de aspectos secundários, mas para mim esses pontos não têm nada de secundário”, afirmou, lembrando que a combinação de álcool e direção é a principal causa de mortalidade no Brasil. “Além disso, um adulto que abuse sexualmente de uma adolescente de 16 anos poderá alegar que, se ela já tem discernimento para responder por um crime, já sabia o que estava fazendo”, ponderou a senadora.

Gleisi defende a aprovação do relatório do senador José Pimentel (PT-CE) ao projeto de Serra que, para ela, traz uma solução mais efetiva para o que busca a sociedade.  “Temos a responsabilidade de dar à sociedade soluções, não gerar mais problemas”, conclamou Gleisi. “Não tentemos dar soluções fáceis a problemas complexos, porque não vai resolver, nós vamos frustrar a sociedade e vamos trazer para o debate questões muito maiores do que as que estão colocadas hoje”. 

Vítimas ou delinquentes?
Apesar de os grandes meios de comunicação e o discurso conservador tentarem apresentar a suposta “impunidade” dos menores de 18 como um fator determinante para a deterioração da segurança pública, os números — desapaixonados e desatrelados da agenda obscurantista —apontam para outra direção. As estatísticas que vêm sendo trazidas à luz pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que apura o assassinato de jovens mostram que os adolescentes pobres, negros e moradores das periferias, principais alvos da redução da maioridade penal são, na verdade, as principais vítimas da violência no Brasil.

 “A onda conservadora cresce, constrói um senso comum, mas ignora completamente os números”, afirma o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). Enquanto menos de 1% de todos os assassinatos registrados no Brasil tenham como autores adolescentes menores de 18 anos, “o que não resta dúvida é que os adolescentes que se quer responsabilizar criminalmente como suposta solução para a violência são muito mais vítimas do que autores dos homicídios”, observou o senador.

Em 2013, o Brasil registrou 53 mil homicídios. Mais de 50% das vítimas desses crimes eram jovens, dentre os quais 77% eram negros. O relator da CPI sobre o assassinato de jovens, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), acredita que esses números mostram o equívoco de quem imagina conter a violência com o passe de mágica da redução da maioridade penal. “Se alguém tem a ilusão de que vai melhorar o problema da insegurança pública colocando garotos de 16 anos nos presídios, está enganado”. Lindbergh pondera que não interessa à sociedade colocar esses meninos sob a esfera de influência dos grandes grupos criminosos que dominam as cadeias, lugares onde passariam a cumprir pena.

Mas, para Lindbergh, o argumento mais impactante contra o encarceramento desses jovens é a disparidade entre as taxas de reincidência registradas no sistema prisional, de adultos, e das unidades socioeducativas, destinadas a menores de idade. “Entre as pessoas que cumprem pena em uma penitenciária, apenas 40% saem recuperadas,  não voltam a praticar crimes. Já a população juvenil submetida a medidas socioeducativas tem um grau de recuperação de 70%”.

Sem impunidade
“A violência na idade juvenil não será resolvida com cadeia”, alerta a senadora Fátima Bezerra (PT-RN). Ela enfatiza que nesse quarto de século de vigência, o ECA ainda precisa ser plenamente implantado, especialmente no que diz respeito à criação de ambientes devidamente apropriados à ressocialização dos adolescentes que cometam delitos.  “O efetivo cumprimento da lei em vigor deveria preceder qualquer debate sobre a redução da maioridade penal”, defende Fátima, lembrando que há uma vasta gama de direitos juvenis —saúde, educação, moradia digna, esporte, lazer e mobilidade, por exemplo, que ainda estão por ser plenamente assegurados.

Aos que reclamam da suposta “complacência” do ECA para com os menores infratores, a senadora lembra que não há impunidade: a partir de 12 anos de idade o adolescente é devidamente responsabilizado quando infringe a lei e, por consequência, é obrigado a cumprir as medidas socioeducativas previstas no Estatuto, entre elas a privação de liberdade, com internação em unidade específica. 

Cyntia Campos

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