Se a PEC 241 for aprovada, o cidadão brasileiro deixa de ser prioridade. A possibilidade de construção de um Estado inclusivo fica adiada por 20 anos — período pelo qual os investimentos públicos ficarão amarrados. Duas décadas: cinco mandatos presidenciais.
Isso porque a PEC 241 – agora chamada PEC 55 no Senado – é uma ruptura radical com o pacto estabelecido pela Constituição de 1988, ameaçando a garantia de direitos fundamentais, como o acesso à educação pública e à assistência à saúde. Caso aprovada, a proposta também vai inviabilizar programas sociais que já se provaram essenciais à melhoria da qualidade da vida da população — Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, por exemplo.
Veja alguns dos efeitos da PEC 241
Um crime contra a Saúde
O prejuízo é de todos os brasileiros. Afinal, todos somos usuários do SUS (Foto: Alessandro Dantas)Carlos Mota
Já pensou a economia do Brasil crescer 1,5% ao ano nas próximas duas décadas – algo muito provável—e o orçamento da Saúde perder incríveis R$ 609 bilhões até o ano de 2036? Isso é o que pode acontecer se a PEC 241 for aprovada, já que a fórmula de composição do orçamento público inverte a lógica atual, reduzindo drasticamente a possibilidade de investimentos e setores essenciais.
O prejuízo é de todos os brasileiros, afinal, somos todos beneficiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Não interessa a nenhum de nós que hospitais públicos sejam fechados, que o número de profissionais de saúde seja reduzido e que programas de distribuição de remédios gratuitamente sejam extintos.
Reduzir o crescimento do Orçamento da Saúde por 20 anos já seria criminoso diante das demandas atuais. Demandas que vão crescer, e muito, considerando que o Brasil terá 21 milhões de habitantes a mais daqui a 20 anos, segundo o IBGE.
O senador Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde, destaca que apesar do alerta de entidades e estudiosos sobre os impactos negativos da PEC 241 para o País, o governo Temer permanece insensível. “Trabalhamos duro nos governos Lula e Dilma para tirar 36 milhões de pessoas da pobreza e agora vem esse governo sem voto, em uma ação vil, levar todos de volta a uma situação de miséria. O que se está fazendo agora causará um impacto desastroso nos próximos governos, o que talvez não consiga ser reparado”.
Um retrocesso na Educação
Rafael Noronha
A retração dos investimentos públicos prevista na PEC 241 terá um efeito devastador sobre a Educação, um setor que vinha vivenciando a ampliação da oferta de vagas e a democratização do acesso, além de avanços reais em sua qualidade. Nos últimos três anos, a União havia repassado para a área da educação valores acima do mínimo exigido de investimento anual para o setor, que é de 18% da receita. Se a PEC 241 for aprovada, o investimento deve cair para 13,7% da receita. Você acha que é hora de reduzir o Orçamento da Educação?
“Essa PEC é uma bomba atômica, do ponto de vista do direito a educação do povo brasileiro. Nela está embutida um crime que é acabar com a destinação mínima obrigatória de recursos para a área da educação. É preciso que o Brasil se dê conta de que essa agenda do governo ilegítimo é o maior desserviço à educação brasileira. Além disso, a PEC revoga o Plano Nacional de Educação (PNE). Teremos menos dinheiro para a educação e não vamos realizar as metas previstas no Plano”, avalia a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), vice-presidente da Comissão de Educação (CE).
Para a senadora Ângela Portela (PT-RR), além de a PEC 241 agredir o PNE, que foi amplamente debatido por especialistas e pela sociedade, a proposta do governo Temer inviabilizará a recuperação salarial do magistério, a universalização da educação básica, a ampliação da educação integral e a erradicação do analfabetismo.
“A PEC 241 é prova da insensibilidade social do governo Temer. Sob o argumento de que é preciso combater o desequilíbrio fiscal, os técnicos do governo pretendem impor uma política de diminuição dos investimentos públicos, com efeitos terríveis para o processo de resgate da dívida social brasileira”, afirmou Ângela.
Se a PEC for aprovada, o investimento deve cair para 13,7% da receita (Foto: Alessandro Dantas)A sociedade brasileira também tem se manifestado contra as medidas anunciadas pelo governo federal após a consolidação do golpe parlamentar contra a presidenta Dilma. Estudantes de dezenove estados de todas as regiões têm ocupado as escolas públicas para debater as ações anunciadas pela equipe de Temer. Na última semana, mais de mil escolas e quase uma centena de universidades estavam ocupadas por aqueles que temem pela piora da educação e dos efeitos das medidas antipopulares do governo ilegítimo sobre toda a sociedade.
Iago Montalvão, diretor da União Nacional dos Estudantes, ressalta que a juventude presenciou uma série de avanços e não vai aceitar facilmente o retrocesso. “Foi uma juventude que viu a Universidade se ampliar e se popularizar. Essa movimentação demonstra a insatisfação de uma juventude que quer ter liberdade de expressão nas escolas, pensamento crítico”, disse.
A PEC 241, de acordo com Iago, demonstra o que é o caráter essencial desse governo: o projeto de País que os atuais governantes idealizam estrangula investimentos sociais para que sobre dinheiro para remunerar os especuladores do mercado financeiro.
Um golpe contra as políticas inclusivas
Carlos Mota
Nos últimos 13 anos — período dos governos Lula e Dilma — o Brasil conseguiu retirar 36 milhões de pessoas da extrema pobreza. A miséria, uma realidade que sempre nos envergonhou perante o mundo, começava a ser vencida. Pois são exatamente as ferramentas de combate à miséria que a PEC 241 vai tirar do País. Para você ter uma ideia: o novo cálculo de composição do Orçamento vai roubar R$ 870 bilhões que seriam investidos na assistência social, aponta um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Programas como o Bolsa Família, o Farmácia Popular e até mesmo os benefícios previdenciários para pessoas de baixa renda – que vivem com menos de R$ 220 per capita e não contribuíram para o INSS ao longo da vida—estão ameaçados.
Para a senadora Regina Sousa (PT-PI), esse retrocesso faz parte da tentativa de desmoralização de iniciativas como o Bolsa Família. “Todo dia tem novas famílias que estão precisando entrar no programa e não vão poder [se a PEC 241 for aprovada], a não ser que se tire outras”, criticou a parlamentar.
As regras estabelecidas pela PEC 241 também vão afetar a política de valorização do salário mínimo. Para você fazer uma projeção, veja o que diz um estudo da Fundação Getúlio Vargas: se a proposta do governo Temer estivesse valendo há 20 anos, o salário mínimo no Brasil hoje seria de R$ 400 em 2016, menos da metade do atual (R$ 880).
Novas regras da PEC também vão afetar a política de valorização do salário mínimo (Foto: Alessandro Dantas)
Remédio amargo que não vai melhorar a economia
Giselle Chassot
O maior problema da PEC 241 é que ela parte de uma ideia absolutamente errada: a de que para se alcançar as tais “finanças públicas sadias” – ou seja, um universo onde o que o governo arrecada e o que gasta esteja no mesmo patamar -, é preciso garantir que o estado de confiança dos empresários seja o maior possível. Só assim, seria possível alcançar um melhor nível de emprego e retomar o desenvolvimento econômico.
O problema com essa ideia, segundo análise de Esther Dweck, economista e ex-secretária de Orçamento no governo Dilma Rousseff, é que ela não garante novos empregos, tão pouco a cria a sensação de que o Brasil é confiável para receber investimentos do empresariado nacional e internacional.
Além disso, a PEC condena o Brasil a uma austeridade que não abre qualquer possibilidade ao Congresso ou à sociedade de participarem do processo de decisão sobre os gastos do governo. Além disso, cria um novo projeto de País, onde os mais pobres são simplesmente deixados de lado e o que verdadeiramente importa é a redução dos gastos.
PEC cria um novo projeto de País, onde os mais pobres são simplesmente deixados de lado e o que verdadeiramente importa é a redução dos gastos (Foto: Alessandro Dantas)
Ela coloca o País na contramão da experiência mundial e equipara a Nação, em termos de gastos com o social, a países como Bangladesh, Congo, Guatemala, Irã, Madagascar, Nigéria, Sudão e Turcomenistão. São 11 países de um total de 191 que gastam menos de 16% do PIB. Ou seja, condena o Brasil ao retrocesso, porque haverá um forte aumento da desigualdade, e o País não conseguirá obedecer os princípios da Constituição de 1988.
Na maioria dos Países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os gastos com políticas sociais chegam a 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Com a PEC, o investimento total não vai passar de 15%. Trata-se de uma experiência jamais vista em qualquer economia. E é um experimento muito perigoso.
Dessa forma, e seguindo esse projeto, serão necessárias outras reformas. Todas elas cairão sobre os ombros da população mais pobre, já que os gastos com a Previdência, assistência social, amparo ao trabalhador e saúde e educação serão duramente atingidos. “Essa ideia, naturalmente, agrada à classe dominante brasileira, porque desmonta o pouco de bem-estar social que se começou a construir a partir da Constituição de 88”, como aponta a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).
“Economia só melhora com elevação dos gastos sociais, não com os cortes”, afirma o líder da Oposição no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ). Para ele, a PEC da Maldade é mais que surreal, é a morte do Estado que afunda e não garante a retomada do crescimento. Ele acusa a base do governo usurpador de ter pressa na aprovação para não fazer um amplo debate.
“A proposta governista vai gerar uma quebradeira geral “, disse, lembrando que a Previdência hoje consome 8% do Produto Interno Bruto (PIB) e passará a abocanhar 9% no próximo período. “Aí, não há onde cortar no orçamento a não ser na Saúde e Educação”, prevê. O mais grave, segundo afirmou, é que o ajuste do governo cai sobre o povo mais pobre. O tal sacrifício que os governistas tanto pedem “não tem nenhuma medida para o andar de cima”, observou. Para ele, essa é a maldade, “porque quem ganha são os banqueiros”.
“Políticas voltadas para os mais pobres são gastos. Para nós, são investimentos”. Esse é o resumo da diferença entre os projetos dos governos de esquerda e o neoliberalismo que os usurpadores tentam implementar por meio da PEC da Morte, segundo o senador Paulo Rocha (PT-PA). Ele lembra que os golpistas têm a mesma visão econômica ultrapassada de sempre. “Eles estão convencidos de que a saída para os países em desenvolvimento é o projeto neoliberal e é isso que eles estão implementando de novo”, explicou. “Não vai ter aumento para funcionário público, não vai ter investimento na pequena produção, não vai ter dinheiro para continuar os programas como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, Mais Médicos, enfim, todas as políticas públicas criadas para desenvolver cidadania serão cortadas”, disse.
A saída mais justa para o problema econômico do Brasil seria a progressividade de tributos. Ou seja, quem ganha mais, paga mais impostos. Simples assim. Se essa fórmula de equilíbrio fosse adotada, o governo Temer poderia arrecadar entre 50 e 60 bilhões de reais. No Brasil, as 71 mil pessoas mais ricas — bilionárias, na verdade — detêm 8% da renda nacional e pagam apenas 6% dessa renda em tributos. Isso é resultado, principalmente, de uma mudança na legislação feita no governo de Fernando Henrique Cardoso, que isentou de tributos a distribuição de lucros e dividendos aos sócios das empresas.
A saída mais justa para o problema econômico do Brasil seria a progressividade de tributos (Foto: Alessandro Dantas)
Enquanto um empregado paga até 27,5% de seu salário em Imposto de Renda, o dono da empresa recebe sua remuneração a título de lucros e dividendos e não paga nada. Ao mesmo tempo, 53% do bolo de tributos arrecadado do País são pagos por quem ganha até três salários mínimos, como já havia demonstrado o cientista político Jessé de Sousa, da Universidade Federal Fluminense, em audiência anterior da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Em resumo: a PEC 241 fere de morte um modelo vitorioso que deu e dá resultados no combate à desigualdade social e de renda.
Uma agressão à democracia
Cyntia Campos
“De que vale eleger um presidente da República se o cidadão não pode escolher as prioridades para os investimentos do governo?”, questiona o senador Lindbergh Farias(PT-RJ). Já aconteceu: a maioria dos brasileiros – 54 milhões de eleitores — escolheram em 2014 a continuidade do programa de governo inclusivo e de redução das desigualdades, mas essa orientação foi sepultada pelo golpe parlamentar que afastou a presidenta Dilma Rousseff.
A PEC 241 nada mais é que a perpetuação dessa ingerência pelos próximos 20 anos. Independentemente do programa de governo escolhido nas urnas, os próximos cinco presidentes da República terão que governar para o arrocho, para o desmonte das políticas sociais e para a garantia de uma economia de recursos destinada a pagar juros para os especuladores. Com a aprovação da PEC 241, pouco importa qual a plataforma do candidato à Presidência que seja eleito no Brasil, “ele será um mero gerente” do que foi decidido antes, sintetiza o senador.
Lindbergh alerta que é preciso resistir aos sucessivos avanços dessa lógica, lembrando que o capital financeiro, os grandes especuladores internacionais, tem simplesmente ignorado a soberania dos povos em diversos cantos do planeta, seja por meio do encurralamento dos governos – pela da cobrança de dívidas – seja por meio da derrubada de governos que resistem a essa pressão. “Com a aprovação da PEC 241, pouco importa qual a plataforma do candidato à Presidência que seja eleito no Brasil”, já que ele estará preso a uma decisão tomada em 2016 para os próximos 20 anos.