Senado começa a analisar projeto que estabelece novo regramento para o uso da biodiversidade brasileira em pesquisas cientificasCom a maior biodiversidade do planeta (cerca de 20%) e milhares de comunidades indígenas e tradicionais, o Brasil tem sido alvo histórico da biopirataria. Entretanto, a legislação nacional que regula o acesso à biodiversidade é considera “altamente burocrática e restritiva” por setores ligados ao desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas. Na expectativa de equilibrar proteção e desenvolvimento, a Presidência a República enviou ao Congresso, em junho de 2014, sob urgência constitucional, a proposta de um novo Marco da Diversidade (PLC 2/2015).
O projeto de novo regramento chegou ao Senado Federal monopolizando debates nas comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) e de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), manhã desta terça-feira (10). Os dois colegiados aprovaram convites para representes de diversos ministérios e de organizações da sociedade civil participarem de audiência públicas que deveram instruir os senadores sobre avanços e retrocessos do projeto.
Oposição tenta boicotar movimento social
“Esse debate sobre biotecnologia ganha corpo no mundo inteiro. Neste momento, a Comunidade Europeia, e mais particularmente o Parlamento Europeu, elegeu o tema como central”, destacou o senador Walter Pinheiro (PT-BA), que acaba de retornar de um congresso sobre tecnologia na Europa. Na CCT, Pinheiro pediu a inclusão de um representante do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) na lista de convidados para as audiências.
Já o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AL) solicitou a inclusão de representantes dos movimentos sociais, como Via Campesina e Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Mas a proposta foi rebatida pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que considera os movimentos sociais “obscurantistas” e “fora da lei”. “Esses movimentos se colocam fora da lei. Um movimento obscurantista, violento, não pode se sentar a esta mesa ao lado de pessoas respeitáveis”, afirmou.
O oposicionista tentou justificar seu posicionamento citando a invasão à sede da FuturaGene, empresa de biotecnologia da Suzano Papel e Celulose, em Itapetininga (SP), por integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). No episódio, ocorrido no último dia 5 de fevereiro, viveiros com mudas de eucalipto transgênico foram danificados. A ação fez parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Camponesas e tinha como objetivo denunciar os males que uma possível liberação da produção de eucalipto transgênico, a ser votada na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), pode causar ao meio ambiente.
Para a senadora Ângela Portela (PT-RR), o tucano utilizou a invasão para reafirmar preconceitos. Ela defendeu a proposta de Randolfe. “Não podemos criminalizar os movimentos da sociedade civil organizada”. Na tentativa de um acordo, Pinheiro sugeriu que os representantes dos movimentos sociais viessem ao Senado também para serem questionados sobre as motivações que os levaram a destruir parte de uma pesquisa. “Podemos ouvi-los, suas críticas. E, de antemão, avisar que o que foi feito não tem o nosso apoio”, propôs Pinheiro, que foi prontamente atendido pelos pares.
Petistas querem aliar economia processual e detalhamento do projeto
Na CMA, o senador Humberto Costa (PT-PE) também defendeu que a analise do projeto ficaria incompleta se não fossem ouvidos representantes dos movimentos sociais. Ele sugeriu que fossem chamados representantes da Comissão dos Povos, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Socioambiental, além da Via Campesina e do CNS. Humberto também solicitou convites aos ministros Patrus Ananias, do Desenvolvimento Agrário, e Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência da República.
“Como são muitos nomes, acredito que devemos dividir as oitivas em várias audiências”, ponderou Humberto, recebendo o apoio do presidente da comissão, Otto Alencar (PSB-BA).
Indicado para relatar o Marco da Biodiversidade pelo colegiado, o senador Jorge Viana (PT-AC) defendeu a realização de três audiências públicas conjuntas das cinco comissões que analisam o PLC 2. “A sugestão é recolher todas as sugestões de participação de pessoas e, em acordo com os relatores e outros presidentes das cinco comissões envolvidas, montar um ciclo de debates. Escolhemos uma semana e fazemos três audiências”, indicou.
A realização das audiências ainda precisa ser discutida e aprovada nas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Assuntos Econômicos (CAE).
O senador Jorge Viana espera que o calendário possa aproveitar a presença de “especialistas internacionais” em biodiversidade que estarão em oitiva pelo Brasil no dia 19 de março. Dentre eles, os pesquisadores George Greene (Canadá) e Jonathan Hughes (Reino Unido); o conselheiro Sênior sobre Política do Clima (PNUD) do Paquistão, Aslam Khan; o pesquisador-chefe da Rede Inter-Islâmica de Desenvolvimento e Manejo da Água da Jordânia, Mohammad Shahbaz ; a conselheira do Ministério do Ambiente da Finlândia, Marina von Weissenberg; e o embaixador para Tratados e Convenções Ambientais de Granada, Spencer Thomas.
Cuidado com a biopirataria internacional
Durante a discussão sobre os nomes dos convidados na CMA, o senador Paulo Rocha (PT-PA) pediu atenção dos colegas para que o novo regramento, ao flexibilizar algumas regras para estimular a ciência brasileira, não acabe por estimular laboratórios, especialmente internacionais, que retiram e utilizam ilegalmente recursos naturais ou conhecimentos tradicionais sem pagar nem tampouco reconhecer a origem. Além de representar um sério risco aos biomas brasileiros, essa rapina causa grandes prejuízos à economia e à ciência do País.
“Na Amazônia, tem uma planta chamada jaborandi que já foi absorvida pelo laboratório Merck, da Alemanha. E temos a pirataria desta planta que é um remédio para o glaucoma”, exemplificou Paulo Rocha.