Senadores do PT e da base do governo desconheciam negociaçõesA noite desta quarta-feira (24), na votação do projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) que pretendia alterar o modelo de exploração de petróleo do pré-sal, foi histórica para o PT em vários sentidos.
Por 40 votos a favor, 26 contra e duas abstenções, o plenário do Senado decidiu na direção contrária à defendida pelo PT, que era a de preservar as regras atuais de exploração, sem retirar da Petrobras da liderança na exploração de os futuros campos de petróleo do pré-sal a serem leiloados.
Venceu o projeto substitutivo apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), apresentado pela Agência Senado como “fruto de acordo do PSDB com parte da bancada do PMDB e com integrantes do governo”.
A proposta de Jucá, que surpreendeu a bancada do PT, por um lado, não manteve o caráter neoliberal da proposta original de Serra de entregar a exploração para a iniciativa privada – no caso específico, para as grandes petroleiras internacionais -, mas, por outro, se sobrepôs a uma das bandeiras mais caras para o partido – a da preservação da soberania da Petrobras – no caso específico, do Estado brasileiro sobre a produção e o desencadeamento da quase infinita cadeia de produção da indústria do petróleo.
Durante cerca de seis horas seguidas, as senadoras e senadores da bancada petista subiram à tribuna para enfatizar a posição do partido contrária à mudança na partilha pretendida pelo projeto de Serra, que eliminava a exclusividade da Petrobras de participar e controlar a exploração do pré-sal.
Com argumentos sólidos, questionaram o momento atual em que vive a indústria de petróleo no mundo, que apresenta perdas generalizadas de todas as maiores empresas globais do setor, entre elas a própria Petrobras.
Mais de um parlamentar petista apontou a inconveniência de se alterar o modelo de exploração neste momento em que toda a indústria de petróleo no mundo encontra-se abalada pela guerra geopolítica em curso entre a Arábia Saudita e o Irã e a Rússia; pela queda da atividade da economia da China, que vinha sustentando o consumo desde a crise financeira global de 2008; e pela retração no consumo combinada ao excesso de produção e pelos estoques cheios, que derrubaram o preço do barril a irrisórios 30 dólares.
Todas essas circunstâncias, enfatizaram os parlamentares petistas, não levariam à recuperação da Petrobras nem colaborariam para gerar mais renda e emprego, como argumentava Serra em seu projeto, mais sim permitiriam ao capital internacional controlar parte das reservas do bem estratégico que as reservas do pré-sal representam para o Brasil.
Romero Jucá surpreendeu o plenário com a informação de seu texto vinha sendo negociado desde o início dos debates no plenário do Senado.
“Durante toda a tarde de hoje, ouvimos, discutimos e procuramos construir, com o governo, uma proposta que fosse de avanço, mas também de entendimento”, afirmou, acrescentando que o próprio autor do projeto, José Serra, e “diversos senadores e senadoras que trabalharam nessa questão” haviam participado do entendimento.
“Definimos aqui, com o governo, com a Casa Civil e Secretaria de Governo da Presidência da República, uma proposta que resguarda os interesses estratégicos da Petrobras, que resguarda investimentos e que resguarda a capacidade de que a exploração possa se dar em um ritmo que será definido pelo Governo, e não definido por nenhuma empresa, principalmente empresa estrangeira”, anunciou Jucá.
Seu substitutivo, finalizou, não estava alterando o regime de exploração, mas sim instaurando um novo processo decisório sobre a exploração do pré-sal.
Pelo o texto aprovado, todas as vezes em que uma região for escolhida para exploração, a Petrobras será convocada para exercer a sua exclusividade, tendo um prazo de 30 dias para se manifestar se usufruirá ou não de seu direito de preferência “em cada um dos blocos ofertados”.
No parágrafo 2º, o substitutivo diz que, após a manifestação da Petrobras, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) proporá à Presidência da República quais blocos deverão ser operados pela empresa, indicando sua participação mínima no consórcio previsto no artigo 20, que não poderá ser inferior a 30%.
“Portanto”, defendeu Jucá, “a decisão tomada será uma decisão técnica, mas também com a decisão política de quem foi eleito presidente da República, de quem nomeou o presidente da Petrobras e de quem nomeou os ministros”.
Sobre os custos de produção o texto aprovado confere à Pré-Sal S.A., empresa pública criada pela Lei do Petróleo, não vinculada à Petrobras, que participa, como sócia, de todo o processo de exploração e de operação das plataformas das reservas. À Pré-Sal caberá levantar o custo, a produção e o pagamento pelo resultado da exploração da forma que seu principal acionista, o governo brasileiro, entender.
A senadora Gleisi Hoffmann foi a primeira integrante da bancada do PT a se manifestar após a votação. Falando pela liderança da bancada, ela reconheceu o muito que se avançou da proposta original, “que era simplesmente retirarmos a participação da Petrobras na exploração do pré-sal”, mas contestou “a pressa” para a votação.
“Nós compreendemos que ficará a Petrobras com a responsabilidade, o Conselho, em último grau, a Presidência da República”, disse, “mas entendemos que essa é uma matéria que não apenas tem decisão de governo. Por isso temos um marco regulatório do pré-sal, por isso foi criada uma empresa específica do pré-sal, por isso há uma lei determinando as regras pelas quais essa matéria deve ser regida. Não pode ficar apenas pelo entendimento da direção de uma empresa ou de um conselho ou mesmo da Presidência da República”.
Mesmo reconhecendo o avanço e “o esforço do Governo”, afirmou: “ Achamos que é açodada a forma como está sendo votada aqui uma matéria de tão grande relevância ao País, que trata de um bem tão estratégico para o desenvolvimento do País. Não vemos necessidade de isso estar sendo votado dessa forma. Não vai trazer resultado imediato para o Brasil.”
Segundo da bancada petista a se pronunciar o senador Lindbergh Farias (RJ) reconheceu o “bom combate” travado nos debates, para, em seguida, desabafar:
“Nós estamos meio perplexos, porque fomos derrotados por uma aliança do governo com o PSDB. Eu estive hoje pela manhã no Palácio do Planalto, e a orientação era de lutar para manter a Petrobras como operadora única e os 30% – eu conversei com o ministro (Ricardo) Berzoini (secretário da Presidência) . Só que à tarde, já aqui na discussão, há uma mudança de posição. E, sinceramente, eu acreditava que podíamos ter ganho essa votação. Nós nos sentimos abandonados numa matéria que é estratégica”.
Mas a luta do PT, assegurou Lindbergh, vai continuar. “Vamos fazer mobilização nas ruas, vamos para o debate na Câmara e começar uma grande campanha para que a Presidenta Dilma, se isso chegar ao Palácio do Planalto, vete esse projeto, porque é um projeto que afronta a soberania nacional”, afirmou.
O terceiro senador petista a se manifestar após a votação foi o senador Humberto Costa (PE), já exercendo a Liderança do Governo, no teste de fogo que acabara de passar na histórica votação. Uma das duas abstenções registradas, Humberto confessou que seu voto “foi um grande drama, porque, na verdade, eu acho que o pior voto é aquele quando não assumimos claramente uma posição, inclusive formalmente”.
E explicou: “A proposta que veio foi uma proposta costurada pelo governo, sendo, inegavelmente, um avanço em relação ao projeto original e em relação ao próprio substitutivo do Senador Ricardo Ferraço, que foi ainda melhorado pelo senador Romero Jucá.” Mas, observou, que mesmo sendo “um dos defensores mais arraigados da manutenção da legislação”, não poderia ficar contra o governo e nem contra a bancada do PT.
“Meu coração era pelo voto ‘não’”, confessou.
Alceu Nader