O roteiro da reunião da comissão especial do impeachment desta quarta-feira (08) havia sido escrito para fortalecer as teses da acusação de que a presidenta afastada Dilma Rousseff desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal e, por isso, merece ser destituída. Além de seus principais advogados, a acusação ainda convidou dois técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e duas testemunhas do juízo que, esperava a acusação, iriam emprestar veracidade ao discurso dos golpistas.
Seus convidados – Adriano Pereira de Paula, coordenador-geral de Operações de Crédito do Tesouro Nacional, e Otávio Ladeira de Medeiros, o secretário-adjunto do Tesouro Nacional – ativeram-se a falar a verdade, e o roteiro desandou. Ambos desmentiram a alusão da acusação de que Dilma havia dado recomendação expressa em 2015 e em anos anteriores, para que técnicos do Tesouro promovessem pedaladas fiscais, ou seja, deixassem de cumprir a legislação orçamentária.
Os advogados de acusação, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, insistiram em tentar estabelecer a hipótese de que Dilma cometeu crime de responsabilidade, porque recomendou e avalizou os atrasos no pagamento do Tesouro para o Banco do Brasil no caso da equalização das taxas de juros do Plano Safra, ou nos decretos de suplementação orçamentária. Mas não tiveram o retorno esperado daqueles que estavam na linha de frente.
Os especialistas do Tesouro mostraram que 2015 foi um ano atípico, histórico até, porque o governo, aí sim por decisão de Dilma, promoveu um contingenciamento orçamentário. Na prática, a presidenta determinou que todos os ministérios deveriam fazer uma economia de gastos e os decretos, nesse caso, eram como permitir a realização de uma despesa pública, mas de acordo com a estimativa de receita a ser recebida.
O advogado José Eduardo Cardozo até cumprimentou os dois servidores públicos pela sinceridade das explicações, porque mostraram que 2015 foi um ano destinado a sanear as contas a partir das determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) baixadas em 2014, cujas contas não estão no foco da denúncia de crime de responsabilidade. “A verdade é que em 2015 teve uma política de sanear, de pagar, e isso descaracteriza qualquer situação dolosa”, afirmou.
“A tese do crime continuado, se é que caberia, esses depoimentos sepultam. E eles sepultam porque eliminam inclusive o elemento doloso que poderia existir no segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff. O depoente coloca, da questão da meta anual, e a real dimensão com que a administração vê os relatórios bimestrais. Os relatórios bimestrais não são metas em si. Foi como disse o depoente: eles são métodos de aferição, de acompanhamento, para se tomarem as medidas necessárias ao alcance da meta anual, que é a tese que a Defesa vem sustentando há muito tempo”, explicou Cardozo.
Adriano Pereira de Paula foi taxativo ao dizer que não houve qualquer vinculação da presidenta nos atrasos do pagamento do Tesouro para o Banco do Brasil que é o operador do Plano Safra e que Dilma apenas participou do anúncio do programa, algo costumeiro que acontece a cada início de ano. Além disso, o Plano Safra previa o pagamento da diferença de juros a cada seis meses e não no final de cada trimestre, como o TCU passou a interpretar.
“Os bancos fazem esse registro trimestralmente e as equalizações vencem semestralmente. Eles lançam um crédito presumido contra o Tesouro no seu balanço. Ainda não é crédito líquido e certo, porque o Tesouro ainda não deu a sua assertiva, não fez a liquidação da despesa. Então, ele é um crédito presumido, mas está lá, sim, registrado um crédito contra o Tesouro Nacional”, explicou Adriano, derrubando, assim, o argumento de Júlio Marcelo, procurador do TCU. A tese desse procurador é que, nesse pagamento, existia uma operação de crédito, um empréstimo, e a verdade é que não há.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) perguntou a Adriano se o pagamento ocorreu dentro do exercício financeiro, ou seja, em 2015 e ele confirmou. Portanto, outro ponto jogado por terra no jogo dos acusadores. “Antes de fazer a quitação, nós tínhamos de fazer uma organização em ordem cronológica de todo esse passivo e tínhamos de fazer a verificação, ou seja, um processo que é parte da liquidação da despesa para poder fazer o pagamento. Então, se formos considerar a quitação plena do passivo, ela, primeiro, só foi possível após a manifestação do TCU, a partir da manifestação do TCU, ao não acatar o recurso, a aprovação do PLN 05, e aí, sim, abrir espaço fiscal para que toda a quitação fosse feita”, disse Adriano.
O PLN 5 foi um projeto aprovado pelo Congresso permitindo a alteração da meta fiscal. Assim que a meta mudou foram afastadas quaisquer hipóteses de não pagamento e, consequentemente, qualquer hipótese de pedalada fiscal.
Lindbergh Farias (PT-RJ) cumprimentou Adriano por sua clareza e pela verdade com que falou. “Ele fez questão de dizer aqui que em 2015 houve uma mudança de procedimento e no final do ano todos os valores foram quitados dentro do orçamento.
Otávio Ladeira de Medeiros, coordenador-geral de Crédito do Tesouro, revelou que houve em 2015 uma séria frustação de receitas pelo reflexo da crise econômica externa e interna. Mas, mesmo assim, foi possível fazer economia e no final de dezembro de 2015 quitar R$ 55 bilhões relativos aos atrasos. É bom lembrar que a pressão sobre as contas públicas teve um componente político, porque o Congresso Nacional só aprovou o orçamento para 2015 em abril e não em dezembro de 2014, como determina a lei.
“Alguns pagamentos mais fortes foram ocorrer a partir de abril. Foi justamente quando o orçamento foi aprovado. Até que o orçamento tivesse sido aprovado, era complexo fazer pagamento de elevado montante sem ter certeza de que haveria o espaço fiscal. Então, veio a aprovação do orçamento, veio a projeção de receitas e despesas novas, e, aí, percebeu-se a necessidade de um grande contingenciamento, até então o maior contingenciamento que já fizemos, para acomodar o pagamento dessas despesas”, explicou.
O especialista do Tesouro ainda observou que, até dezembro de 2015, uma portaria estabelecia que os valores fossem pagos apenas 24 meses depois de apurados. “Em abril foi criado o Comitê de Programação Financeira, um comitê de subsecretários dentro do Tesouro Nacional, para uma discussão transversal das despesas e para evitar que houvesse atraso no pagamento ou, se houvesse, que fosse uma decisão colegiada, e não apenas uma decisão individual. Foi justamente a primeira reunião desse Comitê de Programação Financeira que determinou que os valores vencidos de janeiro a junho seriam pagos assim que devidos. Foi o primeiro movimento desse Comitê de Programação Financeira, mudando a prática dentro do Tesouro Nacional”, esclareceu.