Democracia é a nossa arma contra o golpe, diz Dilma, em manifestação na UnB

Democracia é a nossa arma contra o golpe, diz Dilma, em manifestação na UnB

Presidenta diz que em nenhum momento das gravações de Sérgio Machado se fala de créditos suplementares ou Plano SafraRecebida aos gritos “Dilma, guerreira, da pátria brasileira”, a presidenta legitimamente eleita por 54 milhões de votos participou na noite dessa segunda-feira (30), na Universidade de Brasília (UnB), do lançamento do livro A Resistência ao Golpe de 2016”, que reúne textos de juristas, cientistas políticos, jornalistas e líderes de movimentos sociais, que retratam a arquitetura da conspiração.

De início, Dilma afirmou que há um silêncio constrangedor quando falam de sua saída. Nos áudios gravados por envolvidos na Lava Jato, a presidenta disse que em nenhuma parte, sequer, se ouviu falar a respeito de créditos suplementares ou do Plano Safra. “Não há uma única palavra em todas as gravações a esse respeito”, afirmou.

Dilma disse que o processo de golpe não é fácil quando executados contra homens. Mas, para as mulheres, é um pouco mais difícil, porque soma-se, a isso todas as características reacionárias e o ultraconservadorismo em relação à mulher. O golpe em curso no Brasil, explicou, é um golpe frio. O da ditadura é caracterizado pela árvore que é derrubada e cai; nesse, é um parasita que vem por dentro desse processo. “Esse golpe se torna diferente pelo fato de que ele não interrompe o processo democrático, ele corrói o processo democrático, desgasta o a democracia. Por isso, temos que usar a democracia contra o golpe”, recomendou.

Marcello Antunes

 

Abaixo, a íntegra do discurso da presidenta eleita Dilma Rousseff, na UnB:

Eu vou saudá-los como vocês me receberam. Boa noite queridos, boa noite queridas. Eu queria dizer para vocês que é uma honra falar aqui para vocês nesse espaço, que é um espaço em homenagem a um grande político, pensador, ideólogo, literato brasileiro, Darcy Ribeiro. Eu tive a honra de conhecer e conviver um tempo com Darcy Ribeiro, durante o período que ambos fomos do Partido Democrático Trabalhista (PDT) junto com Brizola. Por isso, para mim, estar aqui é muito simbólico.

Eu queria, então, iniciar dizendo que eu tenho bem mais idade do que vocês, e presenciei outros golpes. Presenciei outros golpes, e acredito que estou aqui num momento especial, porque um conjunto de pessoas, um conjunto de professores, um conjunto de homens e mulheres que se dedicaram a escrever sobre o momento em que viviam, um momento histórico em que viviam, apresenta hoje para nós, no início de uma, eu quero dizer, uma longa caminhada pelo Brasil. Apresenta o livro A Resistência ao Golpe 2016. Isso é tão mais importante quando a gente lembra que esse golpe está em processo. Daí a importância desse livro, desse livro como um livro que retrata esse momento em que nós estamos vivendo a história da resistência ao golpe de 2016.

Queria cumprimentar a doutora Beatriz Vargas Ramos, professora da Faculdade de Direito da UnB, uma das autoras desse livro. Cumprimentar o doutor José Geraldo de Souza Júnior, professor da Faculdade de Direito e ex-reitor da UnB. Cumprimentar o Paulo Ribeiro, presidente da Fundação Darcy Ribeiro, cumprimentar o Eugênio Aragão, professor da UnB, meu ex-ministro da Justiça, subprocurador da República.

Queria, também, cumprimentar o meu advogado atualmente, José Eduardo Cardozo, ex-Advogado-Geral da União e hoje com o honroso título de meu advogado. (aplausos).

Queria cumprimentar todos os autores aqui presentes. Autores desse livro que é uma página da história. Enquanto nós fazemos a história nós refletimos sobre a história. A Beatriz Vargas Ramos, a Camila Prando, a Claudia Grabois, o Cristiano Paixão, o Jefferson Mateus e o Leonel Júnior. Queria cumprimentar também as mulheres signatárias do manifesto Mulheres da UnB contra o Golpe. E queria cumprimentar também as mulheres que ontem fizeram a Marcha das Rosas.

Acredito que, pela minha condição de gênero, esse golpe tem uma parte na resistência que é uma afirmação de nós mulheres. Com essa consciência, de que sempre para nós, em relação a golpista, é um pouco mais difícil. Não que seja difícil para os homens, também, quando golpeados. Mas, para nós, o que eu quero dizer é que é um pouco mais difícil, porque soma-se a todas as características reacionárias que levam ao golpe, soma-se, também, o ultraconservadorismo em relação à mulher.

Cumprimento os senhores senadores, senhores deputados aqui presentes. Queria cumprimentar também a presidenta da UNE, a Carina Vitral.

Eu acredito que esse fato que nós estamos aqui diante de um momento histórico no Brasil. Esse momento, é um momento que eu asseguro para vocês, que jamais pensei que eu veria novamente. Estou vendo com outros trajes, com outras roupas, mas estou vendo a mesma característica, que é uma oligarquia derrubar um governo popular.

Só que, agora, nós vivemos numa democracia e, assim, há uma diferença desse golpe para o golpe que levou à ditatura e que levou àquele período imenso de arbítrio, de tortura, mortes, sequestros e exílios. Esse é o golpe que se torna diferente pelo fato de que ele não interrompe o processo democrático, ele corrói o processo democrático. Ele desgasta o processo democrático. É como se adornasse na democracia um parasita que vem por dentro desse processo, isolar, mais do que isolar, vem transformar esse momento democrático que o Brasil vive desde a volta à democracia, desde o momento que nós fizemos a Constituição cidadã de 1988; vem usando de artifícios, usando de expedientes, vem usando a democracia contra ela mesma.

É isso que caracteriza um golpe frio. Um golpe frio se caracteriza pelo fato de que, se a imagem de uma árvore sendo cortada por um machado é muito exemplar e simbólico da ditadura militar, a árvore democrática sendo destruída por um parasita é o exemplo desse golpe. Por isso nós tenhamos de lutar dentro da democracia contra ele. Nós temos que usar a democracia contra o golpe. (aplausos e gritos: “maravilhosa”).

E é isso que explica, igual a todos os outros golpes, ele detesta ser chamado de golpe. Odeia ser chamado de golpe, porque ao ser chamado de golpe, seu caráter absolutamente contrário à Constituição e às regras democráticas surgem e aparece. Eu comentava hoje com o Zé Eduardo Cardozo, que tem o silêncio constrangedor, quando se fala do meu afastamento. Nas gravações também. Tem o silêncio estarrecedor. As gravações, que dizem tanto, elas não gravam nenhuma frase que diz respeito a seis créditos suplementares ou Plano Safra. (Dilma é ovacionada). Nem uma única palavra em todas as gravações a esse respeito. Mas há uma farta conversa a respeito de evitar que a sangria os atinja e seus crimes sejam desvendados; que aquilo que foi feito e que foi objeto de práticas irregulares, ilegais, corruptas, seja desmascarado e por isso eu tenho que ser afastada. Mostra, também, quem são os que se interessam por me afastar. Eu acredito que o golpe não é só para isso não. E não acredito que seja só para isso.

O golpe tem outro sentido, mas aí não são as conversas gravadas que desvendam esse mistério. São as conversas, são as entrevistas, são as declarações do governo provisório, interino e ilegítimo. (aplausos). Nessas falas que eles declaram, mesmo que depois se desdigam, que está a chave do que é o sentido desse golpe. O sentido desse golpe é: primeira fala, o SUS não cabe no Orçamento. Então, vamos criar planos privados de Saúde. Isso significa alijar uma parte da população do acesso à saúde e ao atendimento. Falam assim; Não vamos contratar mais médicos estrangeiros. Significa tirar, de uma só penada, onze mil médicos cubanos do Brasil, num grande preconceito contra médicos cubanos, porque os médicos cubanos vão para cidades remotas; vão para a periferia das grandes cidades; vão medicar nas cidades mais afastadas. É óbvio que, depois, retiram, mas não retiram completamente, fica algo meio indefinido em todas as afirmações e em todos os recuos.

Falam que o Minha Casa, Minha Vida não vai mais atender à população de baixa renda ou a população que é a chamada Faixa 1 que ganha até mil e e oitocentos reais porque eles são contra subsídios. Ora, se não vão atender a Faixa 1, onde está 80% do déficit habitacional do Brasil, não atenderão nem um pobre desse País. (aplausos). Não atenderão.

E se são contra (…) são contra que os recursos do Orçamento, que derivam de tributos cobrados da população e dos cidadãos, sejam revertidos para pagar a imensa dívida social desse País com a população que nada tem, porque a equação não fecha. Nunca fechou: renda de um lado e custo de uma casa de outro. Se vai pagar sem subsídio, vai gastar quase todo o seu salário pagando uma prestação. Se conseguir, porque não tem entrada, porque não acumula, não há condições de acumular uma entrada nessa população. O que fez com que nós conseguíssemos fazer um programa que abrangesse uma parte expressiva da população brasileira. Não mais os planos pilotos da época dos tucanos. Não mais plano para dez mil famílias mas planos para quatro milhões, setecentos e cinca mil famílias. (aplausos).

Hoje, eles disseram: não daremos mais Minha Casa, Minha Vida, para as entidades, o que mostra o desconhecimento absoluto da história do Minha Casa, Minha Vida, que decorre das reivindicações e do projeto de Lei de iniciativa popular com mais de um milhão de assinaturas que os movimentos por moradia conseguiram no Brasil. E daí deriva, não automaticamente, mas deriva desse movimento a consciência de se ter uma política habitacional. O mesmo se diga do Bolsa Família.

O Bolsa Família, em que a política de focar. Foca, significa o seguinte: corta daqui, corta dali, fica 5%. Cinco por cento é dez milhões de pessoas nesse País. São 47 (milhões) que recebem o Bolsa Família. 37 (milhões) vão ficar de fora. Desses 37, 17 milhões são crianças. Crianças que têm o direito a escola, condicionado, a ir para a escola e a ter vacina e isso sucessivamente.

Fazem, aquele absurdo total que é acabar com o Ministério da Cultura. Um absurdo que afeta de mais precioso, que é aquilo que une cada um dos brasileiros que somos os mais diversos, mas que estamos unidos no conceito comum de nação, que é a cultura. É a cultura que cria laços entre nós, que faz com que nós sejamos um País multidiverso, multiétnico, multicultural. Voltam atrás, mas não se sabe o preço que será pago por voltar atrás. Mas o grave, também, para nós mulheres, é que é o governo de homens brancos, velhos, ricos (aplausos).

Isso fica claro na visão que tenho sobre a presença das mulheres no primeiro escalão do governo. Nós temos que chegar aos cinquenta por cento. Nós não chegamos aos cinquenta por cento. Temos que chegar aos cinquenta por cento. O máximo que nós atingimos, acho que foram oito mulheres no Ministério, no primeiro escalão. Mas, pela primeira vez, mulheres dirigindo aquilo que não dirigia. Mulher dirigiu a Petrobras, mulher dirigiu a Caixa Econômica. O mais grave é que o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos, da Juventude, o Ministério que cuidava das pessoas com deficiência, foram explodidos. Cada um está num lugar e não se tem mais unidade. Não se fará de forma significativa a interlocução com cada um desses movimentos, com LGBT, com os movimentos ligados a direitos humanos que é algo fundamental no nosso País. O País onde ainda há tortura de forma institucionalizada.

E, sobretudo, é um governo neoliberal na economia. Ultraconservador no social e na cultura e em tudo mais. Sem sombra de dúvida, o golpe tem dois motivos: um motivo é parar a Lava Jato. O outro motivo é impedir que nós continuemos com a nossa política de inclusão social (aplausos). Por isso? Porque agora? Toda a crise implica numa questão séria. Uma questão que cada um de nós tem de pensar. Não existe crise sem conflito de distribuição de riqueza. Não existe. Na crise tem conflito de distribuição de riqueza. Na expansão do ciclo econômico não tem. Não tem. O conflito não é tão visível. Na crise ele é inteiramente visível. A questão é sim, aquela velha história do pato. Só que o pato aqui está claro. Quem é o pato? O pato é quem securlamente tem sido pato: o povo desse País. E é isso que a elite quer, desde o período Lula, impediu sistematicamente que fosse feito. Hoje me perguntaram. Eu estava fazendo face to face na internet (risos e aplausos). Hoje falei sobre o Minha Casa, Minha Vida e uma moça, entre os muitos que perguntaram, perguntou o seguinte: a quê que nós atribuímos, a quê que nós atribuíamos que eles, de repente, dissessem que não têm mais dinheiro para fazer o Minha Casa, Minha Vida. Nós atribuímos às prioridades políticas. Todo governo tem de ser analisado pelas prioridades políticas que têm. Atribuo a quê? Que a prioridade deles não é gastar dinheiro com o povo brasileiro. Não é. (aplausos).

Nós passamos por um período em que se dizia que o governo, o meu governo, era culpado de tudo. Culpado de tudo e mais um pouco. E é interessante assinalar que hoje o segundo ministro interino, provisório (risos e gritos de golpista). Nós nunca tivemos um ministro controlador, da Controladoria Geral da União, afastado. Nunca. Nunca tivemos um ministro da Controladoria Geral da União afastado; nunca, um ministro da Controladoria Geral da União deixou de fazer sua função, que é a transparência no governo.

Agora, nós é que fizemos o Portal da Transparência, botando todas as contas do governo no Portal da Transparência. Eu fiquei achando muito estranho, que eles tivessem olhado o Ministério da Controladoria Geral da União e transformado num Ministério da Transparência. Primeiro eu pensei. Ah, deve ser uma jogada de marketing. Tenho certeza agora que se tratava de tornar obscura a transparência, opaca. Opaca (aplausos) e isso caracteriza o momento que nós estamos (a plateia grita: golpe).

Eu acredito que a imprensa internacional foi muito importante uma vez que ela não estava envolvida no jogo político das artes e manhas. Neste momento, ela foi muito importante em caracterizar, politicamente, o que o Brasil estava vivendo. A imprensa internacional deu uma grande contribuição. Mas não foi a imprensa internacional que deixou patente e claro que se tratava de um golpe. Foram os próprios golpistas gravados. Foram eles. Eles, inclusive, alguns órgãos de imprensa ficaram indignados com alguns articulistas dos grandes jornais internacionais, que não se curvam às pressões locais.

Eu acho importante que nós tenhamos uma visão de como nós, daqui para frente, teremos de ter muita garra para enfrentar o que tem. Vai ser uma disputa diuturna, de posições, de visões, de propostas e vai ter, sobretudo, a nossa capacidade de enfrentar, de peito aberto. É com coragem que nós vamos vencer (aplausos). Eles têm um conjunto de armamento sofisticado, tem a grande imprensa. Tiveram o apoio de alguns segmentos empresariais; tem o apoio de uma parte, sem sombra de dúvida, do parlamento brasileiro. Não podemos esquecer Eduardo Cunha mais vivo a cada dia. Vamos elencar o que nós temos. Nós temos a nossa consciência. Nós sabemos o que queremos e é isso que transforma a nossa energia, a nossa força. Quando chego aqui e abraço individualmente vocês, muitos dizem no meu ouvido: força presidente. Estamos juntos.

Seja o que seja nesse Força Dilma, Tamo Junto. Tem uma porção de outros conteúdos; tem a defesa da democracia; tem a nossa incansável opção pelo direito de voto de nosso povo. Tem a nossa certeza que o único rumo para o nosso País é a democracia. E é isso que nos une e nos torna mais fortes, mas tem também essa que eu chamo de uma emoção, uma sensação, uma convicção, e é também racional, a certeza que o que tem de mais importante no nosso País são os duzentos e quatro milhões de brasileiros.

E aí, eu queria fazer aqui uma homenagem. Eu estou aqui num território sagrado, que é auditório da universidade. Eu quero fazer uma homenagem à Camila (Márdila) que representou as Jéssicas todas e os Jéssicos, no filme Que Horas Ela Volta, de Anna Muylaert. Nós queremos que todas as Jéssicas, mais do que igualdade, uma postura diante da vida, de autoestima, de força, pela certeza da capacidade de conquistar. Essa é a igualdade que nós queremos. Então não poderia deixar de falar, dessa conquista nossa, porque não é mole representar milhões e milhões de Jéssicas. Lá do fundo do coração, saiu dela essa força de interpretação. Nós vimos as Jéssicas. Nós vimos o desafio das Jéssicas e é isso que temem em nosso País. Queria dizer para dizer, finalizando, que não passarão também, não passarão. Não vão repetir outra vez aquilo que ocorria antes, que as universidades deste País estavam sendo dizimadas em prol do ensino privado. Não farão isso (aplausos).

Não só porque foi dado um grande passo. Eu tenho consciência que o grande passo que foi dado na educação. Eu tenho consciência do que significou, em termos de acesso, o Prouni e o Fies, mas eu tenho, sobretudo, consciência do que significou a Lei de Cotas (aplausos). Colocar o representante do partido contra a Lei das Cotas e o Prouni, é, de fato, um desrespeito de cada um de nós. Nós sabemos o papel que a Educação tem em nosso País. É um duplo papel. Em nosso País sempre vai ter que lidar com duas coisas: a educação, de um lado, garante que todos os ganhos de transferência de renda, de redução da miséria, de redução da pobreza, sejam permanentes. Só a educação garante. Mas a Educação, também, é a única que pode garantir autonomia, a soberania de nosso País, criando as condições para produzir aqui Ciência, Tecnologia e Inovação.

E aí, eu finalizo, dizendo o seguinte: nós temos (Dilma é interrompida pelos gritos, fica, fica fica). Eu finalizo falando do pré-sal. Eu acredito que o pré-sal e a Petrobras são símbolos da soberania nacional de nosso País. Todos esses que tem uma visão primária de política externa, sintetizada muito bem por um poeta, como é o Chico Buarque de Holanda. Eles falam grosso com a Bolívia e falam fino com os Estados Unidos. Essa é a síntese, por isso eu quero dizer a vocês que nós temos o compromisso, sim, com os países da América Latina. Temos o compromisso, sim, com os países da África. Temos o compromisso, sim, com os Brics. Mas para termos todos esses compromissos nós temos também um grande compromisso com nosso País. Nós temos que defender o pré-sal e a Petrobras. Um beijo prá vocês.

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