“O Congresso Nacional não é dono do País. O dono do País é o povo brasileiro”. Foi com essas palavras que Juarez Tavarez encerrou o Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil, na tarde desta quarta-feira (20), diante de um público que o aplaudia de pé. Como juiz do tribunal, Juarez foi a voz da justiça ao proferir a sentença que condenou o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, afastada de suas funções por um “verdadeiro golpe de Estado”.
Na ausência de crime de responsabilidade cometido pela presidenta Dilma, um grupo de políticos – ligados ao poder econômico – insatisfeitos com a agenda social de seu governo e sem conseguir retornar ao poder pelas urnas enxergou em um dispositivo constitucional, o impeachment, o caminho para inviabilizá-la. Esse grupo pegou carona em uma aguda crise econômica, política, institucional e ética, para construir a narrativa que pode condenar uma inocente.
“Pedaladas fiscais”, “decretos suplementares”, “subvenção para o Plano Safra”, “conjunto da obra”, foram os termos encontrados para enganar o cidadão comum, alheio a tecnicidade da matemática financeira do orçamento nacional, e fazer parecer existir crime onde ele sequer tem como existir. “Não tem ato da presidenta no Plano Safra”, porque as decisões sobre o Plano não passam por ela, observou Ricardo Lódi, testemunha do Tribunal.
Os decretos, além de não elevarem o gasto público, representando tão somente o remanejamento de valores, obedeciam análises de órgãos competentes dentro do governo e à determinação do Tribunal de Contas da União. Compreensão esta que chamou sobremodo a atenção do jurado Carlos Augusto Galvez Argote, magistrado da Colômbia, que acusou os apoiadores do golpe de “prevaricação”.
Em alguns momentos, a falta de pudores dos defensores do impeachment chegou a divertir o público. Magda Biavaschi, também testemunha do Tribunal, arrancou gargalhadas quando mencionou trechos do pedido de impeachment de Dilma, apresentado pelos advogados Janaina Paschoal, Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior. Ela destacou, por exemplo, a confusão que fizeram entre a amizade de Dilma com um ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin, e a tentativa de encontrar um crime. “Não se sabe onde um começa e o outro termina”, citou.
Tantas trapalhadas levaram o advogado de defesa, Geraldo Prado, a advertir que se esses juristas fossem seus alunos, “estariam todos reprovados”.
Para o jurado mexicano, Bispo Raul Veras, candidato ao Prêmio Nobel da Paz de 2012, o impeachment é uma “arma” para tirar Dilma. “Abandonaram toda preocupação com o interesse do povo para promover interesses particulares”, afirmou.
Manipulação
Causando frisson na sessão de terça-feira (19) do Tribunal, a testemunha Tânia Oliveira trouxe para o centro da discussão do golpe a influência decisiva dos grandes veículos de comunicação na narrativa que provocou a queda de popularidade de Dilma e fez prevalecer uma maioria no Congresso que nomeou um presidente não eleito, com a anuência ou omissão do Judiciário, financiada pelo empresariado – que pagou anúncios milionários contra o governo e trabalhou no convencimento de votos pró-impeachment.
“O golpe parlamentar em curso no Brasil é político, jurídico, econômico e midiático”, enalteceu. “Não é um golpe contra um governo, ou um partido; é um golpe contra a democracia”.
Tânia avaliou que as conseqüências desse golpe são “imensuráveis”, embora já se possa ver com muita preocupação as mais imediatas, que dizem respeito ao retorno das privatizações em série; a destruição das leis trabalhistas, com a terceirização e o aumento das jornadas de trabalho para 10, 12 ou 14 horas diárias; o congelamentos de investimentos em saúde e educação, aprovado no apagar das luzes do primeiro semestre na Comissão de Orçamento; e a volta de pautas conservadoras, como a redução da maioridade penal e a “Escola Sem Partida”, que transforma a escola em uma “máquina de robôs”.
“Precisamos combater, enfrentar e derrotar esse golpe. Se não fizermos isso, nós [brasileiros], sim, estaremos cometendo um crime de responsabilidade contra a história: a omissão”, advertiu Tânia.
O Tribunal
A distorção do conceito de democracia, experimentada por todo o mundo, mas tendo o Brasil como um grande laboratório fez com que um grupo de intelectuais e juristas une-se aos movimentos da sociedade civil nacional e internacional para organizar um Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil. O evento ocorreu no teatro Casa Grande, um histórico centro de resistência no Rio de Janeiro, entre os dias 19 e 20 de julho.
No júri, nove personalidades mundiais que atuam na defesa dos direitos humanos, com ativa participação em tribunais de opinião: Alberto Filippi (Argentina), Azadeh N. Shahshahani (Estados Unidos/Irã), Bispo Raul Veras (México), Carlos Augusto Galvez Argote (Colômbia), Giovanni Tognoni (Itália), Jaime Cárdenas Garcia (México), Laurence Cohen (França), Maria José Farinas Dulce (Espanha) e Walter Antillón Montealegre (Costa Rica).
A iniciativa se inspira no Tribunal Russell II, que nos anos 70 reuniu professores e intelectuais em Roma para julgar direitos humanos violados pelas ditaduras latiamericanas. Nos tribunais de opinião, a legitimidade do juízo decorre das vítimas e do direito inalienável da cidadania se organizar, refletir e julgar sobre situações políticas que a afeta.
Confira a íntegra da sentença do Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil
Catharine Rocha
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