O governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB, pode ter mentido durante seu depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investiga a rede criminosa montada pelo contraventor Cachoeira, há três semanas quando declarou que teria vendido sua casa por R$ 1,4 milhão ao dono de faculdade chamado Walter Paulo. Essa é a avaliação que chegou o relator da CPMI, Odair Cunha, após colher as informações dadas nesta terça-feira (26/06) pelo arquiteto Alexandre Milhomem, contratado em fevereiro de 2011 pelo contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Nesta época, Perillo já teria vendido a residência, segundo seu próprio depoimento. “Vamos continuar buscando meios de provas para desmontar a tese aqui montada pelo governador Marconi Perillo. Fica cada vez mais evidente pelos áudios da Polícia Federal que quem comprou a casa foi Carlos Cachoeira”, afirmou.
Diante das contradições entre as versões de Perillo e do arquiteto, a bancada tucana na CPI procurou minimizar o impacto das declarações e desqualificar o trabalho do relator. Visivelmente incomodado, o líder do PSDB, Álvaro Dias (PR), disse que convocar o arquiteto é uma desmoralização para a CPI. “O papel do relator diminui esta CPI porque está cumprindo orientação de seu partido e de Lula”, completou o deputado tucano, Carlos Sampaio (SP).
Odair Cunha reagiu e afirmou que a influência da organização criminosa estava tão arraigada em órgãos públicos de Goiás que por pouco toda a investigação da PF “não foi para a lata do lixo”. “Não estamos criando um oceano de fumaça, estamos investigando quem corrompeu e quem foi cooptado”, lembrando a relação de policiais civis e militares envolvidos no esquema Cachoeira. “Não projete em mim o que você está fazendo para defender a organização criminosa no governo do PSDB”, completou.
As versões
No depoimento como testemunha, Alexandre Milhomem disse que foi contratado para fazer um projeto de uma casa nova. Executou a primeira fase do projeto, como a fachada e em terceira dimensão (3D). Recebeu pelo trabalho R$ 50 mil, dividido em cinco vezes. Dois pagamentos foram feitos por meio da Alberto & Pantoja – apontada pela Polícia Federal como uma das empresas laranja do esquema Cachoeira. Como a ideia de construir uma casa não prosperou, Milhomem disse que passou a trabalhar na decoração de uma casa pronta atendendo às orientações de contraventor e de sua companheira, Andressa Mendonça.
Apenas na decoração da residência, que serviria de moradia temporária, os gastos com a compra de móveis e papel de parede foram de aproximadamente R$ 500 mil. Acontece, porém, que interceptações da PF revelam pagamento de Cachoeira pela casa no valor de R$ 1,5 milhão em dinheiro, R$ 500 mil em gado e R$ 100 mil de comissão ao corretor de imóveis.
“Fica evidente que quem contratou o arquiteto foi Carlos Cachoeira para decorar a casa que já lhe pertencia, comprada de Marconi Perillo. No conjunto probatório, gravações telefônicas nos meses de fevereiro, março, abril, maio e junho, e na informação do arquiteto, ninguém gasta R$ 500 mil para decorar uma casa para residir poucos meses”, disse Odair Cunha.
De acordo com interceptações da Polícia Federal, há diálogos em que Cachoeira passa orientações para Andressa para rasgar o documento relativo ao negócio da compra da casa. Isto, segundo Odair Cunha, reforça a ligação entre o contraventor e o governador de Goiás. Na análise feita pelo relator, o mais importante do depoimento do arquiteto é que ele foi contratado para decorar a casa antes de ser vendida para o dono de faculdade Walter Paulo, como havia dito Marconi Perillo. “É uma relação intrínseca entre Perillo e Cachoeira. Quando chegou julho, Cachoeira quis vender a casa e fala nitidamente que gostaria que fosse vendida sem os móveis que havia comprado”, observou.
Blindagem
O senador Álvaro Dias e o deputado Carlos Sampaio tentaram de toda a forma minimizar o depoimento do arquiteto Alexandre Milhomem como forma de blindar o governador de Goiás, Marconi Perillo – os depoentes Lúcio Fiúza Gouthier, assessor de Perillo e Écio Antônio Ribeiro, sócio da empresa Mestra Administração e Participação, que fez o registro do imóvel, conseguiram habeas corpus e não falaram nada.
Álvaro Dias chegou a dizer que a organização teria ligações com o Governo Federal por causa dos repasses feitos à construtora Delta, citada na investigação da Polícia Federal por seus negócios mantidos na região Centro-Oeste. Já Carlos Sampaio acusou o relator Odair Cunha de promover uma ação “persecutória” (perseguição) contra o governador tucano; disse que estava com vontade de abandonar os trabalhos da comissão e ir embora. Carlos Sampaio não gostou da pergunta feita por Odair Cunha sobre a compra de papel de parede que o arquiteto Milhomem havia recomendado à Andressa.
Apesar da incômoda posição dos dois parlamentares em defender Perillo, Odair Cunha foi incisivo em sua resposta a Sampaio: “Eles estão buscando a defesa do governador. Aqui não queremos defender governador algum. Nós temos uma organização criminosa que tomou parte do governo de Goiás, se apoderou do aparelho de segurança pública, que ameaça juízes e promotores. Nós vamos continuar investigando. Agora, se alguém quer defender a organização criminosa, a turma do Cachoeira, vai ter que defender aqui”, enfatizou.
Odair Cunha acrescentou que apesar de Perillo tentar negar de maneira peremptória os vínculos com a organização criminosa, a investigação da CPMI tem método, foco e irá identificar as pessoas que foram corrompidas e cooptadas pela organização. Só lá em Goiás, mais de 30 policiais entre civis, militares, da Polícia Federal faziam algum tipo de trabalho na organização. No governo de Goiás, mais de sete assessores são citados com frequência nas interceptações da PF.
Próximo passo
O relator Odair Cunha disse que a CPMI continuará seu trabalho buscando estabelecer os vínculos da organização criminosa no governo de Goiás, à medida que os sigilos bancários, fiscal, telefônico e outros depoimentos sejam dados para a comissão. “Onde eles estiverem nós vamos atrás. Há evidências muito fortes que esta organização atuou no primeiro momento no governo de Goiás e buscava fazer incursões em outros estados da federação”, disse.
Marcello Antunes
Foto home: Agência Brasil
Foto interna: Agência Senado
Confira diálogo interceptado pela Polícia Federal em que Cachoeira orienta Andressa para rasgar o documento que comprovaria o negócio da compra da casa de Perillo:
CACHOEIRA: Oi
ANDRESSA: Deixa eu te perguntar: o Adriano seu cunhado sabe da casa?
CACHOEIRA: Uai, deve saber, uai. Ele pediu…a irmã deve ter falado.
ANDRESSA: Não, a irmã deve ter falado não, ele dá detalhes aqui no seu email sobre o pagamento e o documento.
CACHOEIRA: Não, é porque eu mandei tirar… Depois eu te explico pessoalmente, não quero meu nome não, por causa dos depósitos que foram feitos, entendeu? Eu tinha botado meu nome. E aí saiu de uma conta, e eu pedi para passar no nome do Deca, da empresa.
ANDRESSA: Passar o quê?
CACHOEIRA: Passar o contrato que eu tenho para rasgar urgentemente o contrato que eu tinha no meu nome. Não posso ter vínculo daquela conta com esse contrato, entendeu?
ANDRESSA: Contrato de compra cê fala?
CACHOEIRA: Exatamente, estava no meu nome. E o dinheiro que tava pagando vinha de uma conta, entendeu?
ANDRESSA: Entendi. Mas e quando você for escriturar? Porque eu quero que cê passe ela no meu nome, como você vai fazer?
CACHOEIRA: Escritura é outra coisa, tá? Eu pedi para rasgar aquele contrato meu lá para pôr no nome da empresa que o Deca tem.
ANDRESSA: Não tudo bem, estou perguntando como você quer fazer? Você vai ter de contar isso pra ele também?
CACHOEIRA: Não, não tem nada, isso é só o conteúdo do contrato que ele tinha assinado.