Viana tenta convencer ruralistas de que reflorestar é um bom negócio

“Quem tem mais terra, impacta mais e recupera mais”, diz Izabella à bancada ruralista

A convergência entre a produção do agronegócio e a preservação das florestas, assegurados na Medida Provisória 571/2012, marcou as apresentações iniciais dos representantes do Governo, que discutiram, na manhã desta terça-feira (26/06), o texto que complementa o novo Código Florestal Brasileiro. Entretanto, o segundo momento, marcado pelas explanações dos parlamentares, denunciou, mais uma vez, uma bancada ruralista insatisfeita, que quer a todo custo flexibilizar a proteção das matas e pouco disposta a recuperar áreas ilegalmente desmatadas. “O meio ambiente está sendo colocado como uma religião e isso é um pecado. O Senado está adotando a visão mais conservadora. Regras de Brasília não podem ser colocadas para o Brasil inteiro”, Paulo Piau (PMDB-MG), relator do texto na Câmara que permitiu a anistia total aos desmatadores.

A média de pensamento registrado pelos colegas ligados ao setor produtivo chocou o senador Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente da Comissão Mista que analisa a MP e ex-relator do Código no Senado. Ele ponderou que a proteção ao meio ambiente é necessária até para a continuidade do agronegócio. “Não está bom? Tem que tirar tudo? Vai produzir sem uma única árvore na propriedade? Vai produzir sem água?”, indagou sob aplausos.

Polêmico desde o início da discussão, o dispositivo que estabelece regras para o reflorestamento de Área de Preservação Permanente (APPs), especialmente à beira de rios, voltou a protagonizar um dos principais embates do Código. Boa parte das quase 700 emendas apresentadas à MP pretende reduzir a exigência de recomposição.

A bancada ruralista, aproveitando a presença de quatro ministros no Senado, para listar  suas reivindicações. Coube à senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), que reúne os grandes proprietários de terras no País, apresentar as demandas: a possibilidade de fazer represas em áreas de proteção permanente, sob a justificativa de que a técnica permite o aumento da produtividade; a flexibilização da exploração do ecossistema manguezal (mas especificamente de duas partes desse ecossistema: os salgados, destinados a produção de sal, e apicuns, criadouro de camarões); a utilização de todas as áreas de várzeas, que não estejam em APP, para plantar; e o alto custo de se fazer recomposição.

Em reação à sanha ruralista, os ministros deixaram claro que o Governo não pretende recuar no reflorestamento. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, demonstrou, com projeção de fotos, que, se atendidas as demandas, as várzeas e manguezais ficariam totalmente degradados, colocando em risco a existências dessas áreas e das vidas que nelas habitam. Os manguezais, por exemplo, são biologicamente o maior responsável pelo oferecimento de alimento aos animais marinhos. Em relação aos reservatórios, a ministra ressaltou que eles não estão proibidos, só não podem ser construídos em APPs. Já Jorge Viana derrubou a falácia sobre o alto custo da recomposição, que, como engenheiro florestal, garantiu: “o reflorestamento não tem custo, nem para o pequeno, nem para o médio. E pode ser com gado dentro. Só não pode ter atividade mecânica. Pois, o tempo e a natureza se encarregam de recompor.”

Na mesma linha, o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro Filho, enquanto voz maior do setor produtivo brasileiro, puxou a aclamação pelo “bom senso” e “equilíbrio” na apreciação da MP. “Tenho convicção que avançamos”, assegurou. Na mesma linha, o relator da matéria, senador Luiz Henrique (PMDB-SC), disse que dialogará com todos os parlamentares a fim de construir um texto de consenso entre Câmara, Senado e Governo.

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“Quem tem mais terra, impacta mais e recupera mais”

Pelo texto do Executivo, todas as propriedades deverão recompor, observando um escalonamento pautado pelo tamanho da propriedade. Assim, as áreas produtivas com até 1 e 2 módulos fiscais (MF) deverão restituir, respectivamente, cinco e oito metros desse cordão verde, desde que não ultrapasse 10% da área total. As unidades produtivas com até 4 módulos precisarão reflorestar 15 metros ou 20% de sua extensão. E para fazendas maiores que 4 MF, a recuperação será integral e varia de 20 a 100 metros, orientada pela largura do rio.

A graduação para recomposição das áreas desmatadas substitui um trecho vetado pela presidente Dilma Rousseff, aprovado na Câmara dos Deputados, em que se mantinha a obrigatoriedade de recomposição em apenas 10 metros. É justamente este ponto que os ruralistas estão a todo custo tentando resgatar, por meio das emendas apresentadas, mesmo após a Agência Nacional de Águas (ANA) esclarecer que, para garantir um mínimo de proteção e qualidade da água no País, o ideal seria que as APPs tivessem 30 metros de largura. O diretor-presidente da ANA, Vicente Andreu, ao reconhecer que essa metragem sinalizaria o fim da agricultura familiar, considerou que os parâmetros adotados pelo Governo representam a melhor saída. “Se queremos defender a água, temos que fazê-lo a partir dos pequenos. Os quais, em sua maioria, ou 75%, estão nas grandes propriedades. Se mantida a lógica da MP, 85% do território nacional fica protegido com os 30 metros [de APP]. O restante está atendo a função social das pequenas propriedades”, avaliou.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, também considerou que o “olhar social” foi preponderante na elaboração das regras de recomposição e afirmou que os interesses dos pequenos e médios produtores – que representam 90% das propriedades e 24% da área produtiva – foram plenamente atendidos. Em complemento, a ministra Izabella Teixeira destacou que a exigência de recomposição separa o bom agricultor (que cumpre a lei), do ruim, afastando a sensação de impunidade. E ainda justificou a graduação dos níveis de recomposição: “quem tem mais terra, impacta mais e recupera mais.”

Calendário

Seguindo o cronograma aprovado, Luiz Henrique voltou a afirmar que apresentará seu relatório na próxima quarta-feira (04/07). Após a leitura, o presidente da Comissão Mista da MP 571, deputado Bohn Gass (PT-RS), disse que concederá “vista coletiva”, para que os colegas possam analisar o texto. Dessa feita, a votação na comissão deverá ocorrer entres os dias 10 e 11 de julho. Aprovada, a MP será enviada para análise das plenários da Câmara e do Senado.

Catharine Rocha

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