Visão estreita e fiscalista leva oposição a boicotar a presença diplomática do Brasil na África

As estatísticas demonstram um crescimento médio de 190% no volume de comércio entre Brasil e os países onde passou a ter embaixadasA estratégia de construção da presença do Brasil no mundo, no campo diplomático, será tema de uma audiência pública da Comissão de Relações Exteriores (CRE), em data ainda a ser definida. O tema tem sido recorrente em debates no colegiado, desde sua instalação este ano, com fortes questionamentos da bancada oposicionista à manutenção de embaixadas brasileiras em países em desenvolvimento. O ponto culminante deste tensionamento foi a suspensão das sabatinas dos diplomatas indicados para as embaixadas do Brasil no Togo, Mali e Guiné Equatorial, na reunião do dia 7 de abril — para constrangimento dos diplomatas, presentes à reunião —, sob a alegação de que é preciso conhecer o custo de manutenção dessas estruturas e o “retorno econômico” que geram para o País.

A iniciativa de suspender as sabatinas foi do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que alega ter sido mera coincidência tratarem-se de embaixadores indicados a três países africanos — as sabatinas agendadas para os indicados às embaixadas na Austrália e da Bósnia não foram questionadas por ele ou qualquer outro oposicionista. O jogo de cena contra a representação do Brasil naqueles três países africanos, porém, durou pouco. O diplomata João Alberto Dourado Quintaes, indicado como embaixador na República do Mali, foi ouvido no dia 9 de abril. Os indicados para a Guiné Equatorial, Evaldo Freire, e para o Togo, Antônio Carlos de Salles Menezes, foram sabatinados na última quinta-feira (16), na mesma reunião que decidiu pela realização da audiência publica que deverá analisar a atual política brasileira de ampliar sua presença em países em desenvolvimento.

Soft power

A senadora Marta Suplicy relatou à comissão sua experiência como ministra do Turismo e da Cultura, cargos que permitiram a ela testemunhar a importância das possibilidades abertas pela presença diplomática brasileira em diversos países. “A ampliação de embaixadas, muito forte no Governo Lula, foi um passo importante nesse sentido”, afirmou ela, que considera o debate sobre a relação custo benefício estritamente material e fiscalista da manutenção dessas representações, como vem sendo proposto pela oposição, uma forma míope de olhar o tema. “Os resultados [da presença] sempre são melhores do que a ausência, em termos de custo benefício”. Podem não ser imediatos, pondera a senadora, mas têm contribuído para construir o chamado soft power brasileiro, um capital cada vez mais buscado e valorizado nas relações internacionais.

Marta Suplicy destaca que a África precisa ser uma das prioridades da diplomacia brasileira. “Primeiro, porque lá está a nossa raiz, nossa história. Faz parte do DNA da maioria dos brasileiros, da nossa cultura, da nossa música, da identidade do povo brasileiro. Só isso já justificaria a nossa presença diplomática lá”.

O soft power, ou poder brando é a habilidade de influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de interlocutores por meios não bélicos ou por pressão econômica. Um exemplo clássico é a cinematográfica America, capitaneada pelos grandes estúdios de Hollywood, responsável por construir muito mais empatia e apoio aos Estados Unidos que toda a força de persuasão dos exércitos despachados por essa potência para os diversos cantos do mundo. Sobre esse ponto, o ministro das Relações Exteriores, mauro Vieira — que expos à CRE as diretrizes da política externa brasileira, em audiência pública realizada no dia 24 de março — já havia demonstrado ao colegiado a importância estratégica dessa inserção no mundo.

“Política externa não se faz sem presença. O ganho é político e comercial”, explicou Vieira na ocasião, lembrando que esse aprofundamento das relações bilaterais com todos esses países também contribuíram para que o Brasil conseguisse sucesso nas candidaturas de José Graziano, hoje presidente do Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e de Roberto Azevedo, atual diretor-geral da Organização Mundial do Comércio.

Fronteira de oportunidades

Mesmo do ponto de vista estritamente material – a comparação contábil entre os custos da manutenção de uma embaixada com o montante de vendas de produtos brasileiros para o país onde funciona a representação, como querem fazer os tucanos e seus aliados — o chanceler Vieira também já havia apresentado uma estimativa: “As estatísticas demonstram que chegamos a ter um crescimento médio de 190% no volume de comércio com os países onde passamos a ter embaixadas”. Só na Guiné Equatorial, um dos países cuja embaixada é questionada pelos oposicionistas, estão em execução atualmente, por empresas brasileiras, contratos na área de infraestrutura no valor de US$ 5 bilhões.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) também considera que o resultado estritamente material não pode ser o inspirador da política externa de um país que busca protagonismo no mundo—e, no caso do Brasil, com grande sucesso, nos últimos 12 anos. Mas se é para discutir a manutenção de embaixadas à luz do ajuste fiscal, pondera ele, não se pode pensar em um “ajuste burro”, até porque o fundamental para a recuperação da economia brasileira, hoje, passa pelas exportações. “A nova taxa de câmbio decorrente da desvalorização do real nos dá possibilidades gigantescas para melhorar as nossas exportações. E o papel da nossa diplomacia é decisivo”, ponderou o senador.

No caso da África, exemplificou Lindbergh, a corrente de comércio entre o Brasil e os países do continente era da ordem de US$4 bilhões, no ano 2000. Hoje, esse valor já saltou para US$28 bilhões.  “Quando a gente olha para a África, tem que dizer o seguinte: ‘Quantas oportunidades estamos perdendo!’”, afirmou o senador. “A China e a Índia estão entrando com tudo na África. O Brasil, pelas relações culturais e proximidade, tinha era que aproveitar mais”. Um detalhe importante: se o Brasil dobrou o número de embaixadas na África nos últimos 12 anos, o continente também dobrou sua presença diplomática em Brasília, saltando de 17 para 34 os países com embaixada em Brasília, um indicador de que há interesse mútuo e concreto no aprofundamento das relações políticas, culturais e comerciais.

Direitos humanos

Marta e Lindbergh destacaram, ainda, o papel que o Brasil pode exercer na promoção dos direitos humanos nos países africanos, discordando dos argumentos oposicionistas de que as violações praticadas por governos do continente seria razão para reduzir nossa presença diplomática na região. “Temos que ser muito firmes, defender os nossos princípios democráticos. Mas não é com isolamento que resolveremos e faremos avançar a democracia no continente africano. É pelo caminho oposto, que é, justamente, o da cooperação”, salientou a senadora paulista.

Cyntia Campos

 

Veja a seguir um resumo, elaborado pela assessoria técnica do PT no Senado, sobre o potencial das relações comerciais entre o Brasil e os países da África onde a presença de embaixadas brasileiras foi questionada pelos senadores da oposição:

Guiné Equatorial

A Guiné Equatorial, embora pequena, é um país muito rico em petróleo e gás. O fluxo comercial com o Brasil ultrapassou a casa de US$ 1 bilhão, em 2013. Há muitas obras em andamento naquele país, com participação forte de construtoras brasileiras. Os interesses brasileiros naquele país já somam mais de US$ 5 bilhões.

O País quer comprar aeronaves da Embraer para compor a frota da sua companhia aérea, a CEIBA. Estima-se que a compra poderá alcançar dezenas de aeronaves. A Guiné Equatorial também pretende comprar uma corveta brasileira da classe “Barroso”, um negócio de US$ 450 milhões (R$ 1 trilhão e 200 bilhões), que beneficiará os estaleiros da EMGEPRON, situados no estado do Rio de Janeiro.

Togo

A embaixada do Brasil no Togo foi inaugurada em 1978, ainda nos tempos do General Geisel. Não tem nenhuma relação com a política de reaproximação à África iniciada pelo ex-presidente Lula. O Togo, embora pequeno e ainda pobre, propicia grandes dividendos para o Brasil. Somente nos últimos 4 anos, o Brasil teve com o Togo um superávit comercial acumulado de US$ 354 milhões. Apenas isso compensa amplamente a existência de uma embaixada brasileira na capital do Togo, Lomé.

Mali

Embora afetado pela recente instabilidade política, o Mali tem imenso potencial, pois é um país rico em minérios, como ouro e urânio, além de ter uma agricultura competitiva em alguns produtos, como o algodão. Ademais, o Mali possui interesse em ter empresas brasileiras para construir a infraestrutura do país, além de ter interesse também na aquisição de aviões Super-Tucano da Embraer.

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