Paim: confesso que nunca vivi um momento tão constrangedorO senador Paulo Paim (PT-RS) mandou um recado, da tribuna do Senado, ao vice-presidente Michel Temer: se quer chegar à presidência, que se submeta ao voto popular. “Não o faça dessa forma, atacando democracia e entrando pela porta dos fundos”, disse Paim, durante a sessão que analisa a admissibilidade do impeachment, na madrugada desta quinta-feira (12).
Paim lembrou que atua no Parlamento não por cargos no governo, mas para defender a causa que acredita. “E esta causa é causa maior: é a democracia. Não tem causa maior do que essa. A democracia é a causa que dirige a liberdade, a igualdade, a justiça, os direitos humanos”, destacou.
“Venho para a tribuna sim, porque a minha alma, o meu coração, o meu sentimento, a minha energia tem de estar aqui para dizer: com a democracia, tudo! Sem a democracia, nada!”
Veja, abaixo, o discurso na íntegra:
Senador Vicentinho, senador Requião, senadores e senadoras,
De fato, hoje, como foi dito, é um dia histórico. Estou há 30 anos no parlamento, talvez seja um dos poucos que aqui entrou na Constituinte e continua até hoje, quatro mandatos de [deputado] federal e dois de senador.
Confesso que nunca vivi um momento tão constrangedor como esse, uma Presidenta eleita pelo voto popular ser afastada de forma tão truculenta.
Viajei os 27 estados, um por um, discutindo terceirização, que está vindo aí – e eu sabia disso – trabalho escravo, porque querem no Brasil regulamentar o trabalho escravo.
Trabalho escravo a gente não regulamenta, a gente proíbe. Ainda bem que eu peguei a relatoria. Da terceirização, felizmente, também peguei a relatoria.
Queriam aprovar – eu estive nos debates – o tal do negociado sobre o legislado, que está na carta do Temer. E o que significa negociado sobre legislado? Significa rasgar a CLT, que construímos com muita luta durante as nossas vidas.
Mas não é só isso. Querem mexer com profundidade na nossa a Previdência. E sabe o que é que diz a Carta para o Futuro ou Carta para o Precipício? Diz que a idade mínima será 65 ou 67. Mas depois, aqui, eu aprofundo mais.
Também nos Estados, eu defendi a democracia, e fomos aplaudidos – eu diria, por unanimidade – em todas as Assembleias Legislativas. O povo não aceita ataque à democracia.
Por isso, eu digo: vice-presidente Michel Temer, eu estive com V. Exª na Mesa da Câmara dos Deputados. V. Exª era presidente, eu era [terceiro] secretário.
Sabe que, naquele período, eu respeitava V. Exª. Estou agora muito chocado, indignado e, eu diria, muito triste. Eu queria, meu querido vice-presidente, dar-lhe um conselho: é legítimo que qualquer brasileiro sonhe um dia em chegar à Presidência da República. É legítimo! Queria lhe dar um conselho: não o faça dessa forma, atacando democracia e entrando pela porta dos fundos. Submeta-se ao voto popular, e você pode ser Presidente da República.
Senhores, parece-me que há uma onda muito grande, sobre os homens que vêm do Sul, lá do nosso Rio Grande. Se olharmos para a história, vamos ver que não deixaram Getúlio Vargas concluir seu mandato. João Goulart, também não deixaram.
Dilma Rousseff nasceu em Minas, mas escreveu a sua bela vida política lá no solo gaúcho. Também não querem, porque esses todos foram líderes que chegaram à Presidência pelo voto, porque eram candidatos não militares, mas pelo regime civil.
Mas ela chegou e, se depender de nós, ela não sairá. Os senhores poderão ter uma vitória em certo momento. Mas eu tenho dito, eu tenho dito, com a experiência que eu aprendi com os senhores no Parlamento: ninguém tem 54 votos hoje, como ninguém sabe se nós temos 28. Será um bom debate – seis meses.
Vamos andar de novo pelo nosso País, conversando com o nosso povo, discutindo a democracia, se é legitimo ou não um presidente chegar aonde ele quer estar pela via indireta. O nosso povo é sábio, é inteligente, e faremos esse bom debate.
Mas eu fui mais nesse período.
Eu realizei mais de 20 audiências públicas só nesse período, discutindo democracia e juventude, democracia e os trabalhadores, democracia e os artistas, os atores, os poetas, os cantores, as mais variadas religiões. Na última delas, tive a alegria de receber o juiz Roberto de Figueiredo Caldas, presidente da Corte interamericana de Direitos Humanos.
E o que ele disse? Para eu não ficar nessa história de pedaladas e decretos, de decretos e pedaladas, que todo mundo faz e nós sabemos. Olhem nos meus olhos e me digam qual o governador que não deu pedalada, qual o prefeito que não deu pedalada, inclusive no meu Estado. Nem quero falar do relator, de quem já foi falado aqui e por quem tenho até muito carinho. Mas foram mais de 16 que deram as pedaladas. Se vale para um por que não vale para o outro? Não dá para entender. Não é sério. Para mim, beira a irresponsabilidade a forma como está sendo colocada.
O que disse o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos? “Não podemos olhar para o lado quando surgem ameaças à estabilidade institucional através de situações anômalas que podem terminar com a legalidade”.
Lembrei do meu querido Leonel Brizola, meus amigos do PDT, da Rede da Legalidade.
E disse mais: “Hoje não se põe fim à democracia com a intervenção das Forças Armadas; agora isso acontece por meio de outros mecanismos. A situação do Brasil preocupa muito os povos latino-americanos”.
Ouvi também Luis Almagro Lemes, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que disse, olha o que ele disse em relação se é ou não crime de responsabilidade: “(…) qualquer juízo de indício de crimes de responsabilidade, quanto mais de certeza (…)”, não passa nem perto das acusações que fazem à Presidenta. Ou seja, ele disse “(…) qualquer juízo de indício de crimes de responsabilidade, quanto mais de certeza (…)”, não passa nem perto da presidenta.
“Desrespeitar os limites determinados no sistema constitucional brasileiro afeta a estrutura de funcionamento desse sistema e distorce a força da Constituição e das leis.”
Ele disse: “Estamos no sistema presidencialista. Existe um contrato entre as pessoas e o presidente eleito. Isso tem que ser respeitado, com a máxima certeza jurídica que embasa a democracia, para garantir o cumprimento do mandato”.
Um dos revolucionários do meu Rio Grande disse um dia: eu quero leis que governem homens; não quero homens que mandem, distorçam e queiram mandar nas leis.
E esta frase é minha, mas vou colocar aqui: as ondas do mar refletem a vida. Elas vêm e voltam para as profundezas do seu leito natural.
Ninguém fica surfando na crista da onda eternamente. Quem não entender a força da natureza e das águas acabará afogado. Por que digo isso? Assim foi com Jacques Danton, que, na fase mais popular da Revolução Francesa, contribuiu para que diversos adversários tivessem a cabeça cortada. Só que depois, ele só dizia: “isso é um processo político”. Só que ele também, em seguida, acabou na guilhotina.
Enfim, eu digo agora: a quem interessa o impeachment?
Olha, eu achei bonito hoje aqui. Armando Monteiro esteve nesta tribuna aqui. Ele é ex-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e é contra o impeachment. Se os próprios empresários são contra o impeachment, afinal, quem está por trás desse impeachment? Está aqui, repito. E ele usou a tribuna. Armando Monteiro, que até ontem foi ministro, fez questão de vir aqui e dizer, como ex-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que é contra o impeachment.
Na Comissão, eu assisti – eu assisti! –, esteve aqui a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura). Não estou falando do MST, não estou falando dos pequenos agricultores; estou falando da senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, que veio aqui dizer que é contra, também, o impeachment.
Os poetas são contra o impeachment; os trabalhadores são contra o impeachment; os artistas, os constituintes, grande parte das mulheres – com o movimento, hoje, de cinco mil mulheres em Brasília –, a juventude, aqueles que são contra os preconceitos, os deficientes. Enfim, quem é que quer esse impeachment? Vamos nos olhar, claramente, e perguntar a nós mesmos, olho no olho: quem quer o impeachment?
E é preciso lembrar: como é que nasceu a história do impeachment? Eu conheço a Câmara e conheço o Senado. Só surgiu a história do impeachment porque o senhor Eduardo Cunha chegou e disse o seguinte: “ou os três do PT, na Comissão de Ética, votam do meu lado para me salvar aqui ou, no mesmo dia, eu abro a proposta do impeachment”. E o PT muito bem fez e disse: “Não há chantagem. Você vai para a Comissão de Ética. E, se depender dos três votos do PT, você vai perder o mandato”. E palmas para o PT! Fez certo, tinha que fazer isso mesmo, não tinha que se intimidar. E ele, então, deu uma coletiva – eu estava assistindo –: “olha, agora, resolvi que vou aplicar o impeachment”. E o impeachment chegou aqui por obra dele.
Enfim, senhores, eu não consigo, de jeito nenhum, aceitar tudo isso que está acontecendo. E outra coisa que eu tenho que dizer, antes que eu termine – vi que meu tempo é pouco e eu tenho muito para falar. Ora, meus amigos e minhas amigas, eu aprendi na minha vida a respeitar acordos e compromissos que eu firmo. Eu não consigo entender que aqueles partidos que até ontem estavam dentro do governo – queiramos ou não, desfrutando do poder por dentro do governo –, de repente, saem do governo e, no outro dia, fazem uma oposição ferrenha, como se não tivessem nada a ver com aquilo.
Eu não consigo fazer isso. Uma que, graças a Deus, eu nunca dependi de favor de governo nenhum, ao longo de toda a minha vida, ao longo desses trinta anos. Falo com tranquilidade. Não tenho cargo, nunca vou a ministério, faço o meu mandato aqui defendendo causas, as causas que dão energia para a minha vida. E por isso estou aqui. E esta causa é causa maior: é a democracia. Não tem causa maior do que essa. A democracia é a causa que dirige a liberdade, a igualdade, a justiça, os direitos humanos.
É pela democracia que eu tenho a saúde, que eu tenho a educação, que eu posso estar nesta tribuna, senão não estaria aqui falando para vocês.
Por isso, eu sou um amante da democracia e, pela democracia, eu dou a minha própria vida. Alguém disse: “Não se exponha, não; não vá para a tribuna.” Venho para a tribuna sim, porque a minha alma, o meu coração, o meu sentimento, a minha energia tem de estar aqui para dizer: com a democracia, tudo! Sem a democracia, nada!
É dizer para vocês, com enorme satisfação, que, ao longo da minha vida eu aprendi muito que, nas horas mais duras, nós temos de ser fortes. Vocês não sabem o que é um menino negro, nascido no interior do Estado, quando um dia uma professora me disse: “Lugar de negro é arrancando Paralelepípido”, eu disse para ele que não. E hoje ele é obrigado a bater palmas, porque o negro é hoje senador da República. E dou a minha vida pela liberdade, pela democracia.
Não, não, não ao impeachment!