Suplicy homenageia Carlos Drummond de Andrade

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Eu deixo em suas mãos, prezado Senador que ora preside nossa sessão, Senador Sérgio Souza, o modelo de projeto de lei que apresentarei em Curaçao, dias 26 e 27, para os países que compõem o Parlatino, para que cada um possa, respectivamente, em seu país, seguir o exemplo do Brasil.

E peço, regimentalmente, que depois seja transcrito, ao final do meu pronunciamento, este projeto que levarei à reunião do Parlatino.

O SR. PRESIDENTE (Sérgio Souza. Bloco/PMDB – PR) – V. Exª será atendido na forma regimental.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP) – Hoje, Presidente Sérgio Souza, quero prestar uma homenagem ao nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade e á Feira Literária Internacional de Paraty, que completou, em 2012, dez anos, reunindo e aproximando leitores e escritores num dos maiores eventos culturais do Brasil.

Neste ano, num encontro de rara beleza, Carlos Drummond de Andrade foi o escritor homenageado pela Flip, com a exposição “Faces de Drummond”, em referência ao marco de 110 anos de seu nascimento.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, Estado de Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902, nono filho de Carlos de Paula Andrade, fazendeiro, e de Dona Julieta Augusta Drummond de Andrade.

Sobre sua origem, questionado, escreveria: “Alguns anos vivi em Itabira, Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas e esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

Em 1910, Carlos Drummond de Andrade iniciou o curso primário no Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito, em Belo Horizonte, onde conheceu e iniciou amizade com Gustavo Capanema, vindo de Pitangui, no interior de Minas Gerais, e Afonso Arinos de Melo Franco.

Em 1918, ingressou como aluno no internato do Colégio Anchieta da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro. No final desse ano, é laureado em “certames literários”, mas, em 1919, é expulso do Colégio por “insubordinação mental”, após incidente com o professor de Português. Mais tarde, comentaria o episódio: “a saída brusca do colégio teve influência enorme no desenvolvimento de meus estudos e de toda a minha vida. Perdi a fé. Perdi tempo. E, sobretudo, perdi a confiança na justiça dos que me julgavam”.

Em 1920, Carlos Drummond de Andrade mudou-se com a família para Belo Horizonte e, no ano seguinte, começou a publicar seus primeiros trabalhos na seção “Sociais” do jornal Diário de Minas. Em 1922, ganhou 50 mil-réis de prêmio pelo conto “Joaquim no Telhado”, no concurso Novela Mineira, e passou, também, a publicar seus trabalhos nas revistas Todos e Ilustração Brasileira.

Em 1924 iniciou correspondência com Manuel Bandeira e, tendo conhecido Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade, no Grande Hotel de Belo Horizonte, começou a se corresponder, também, com Mário de Andrade.

Em 1925, concluiu o Curso de Farmácia, da Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, mas não chegou a exercer a profissão, alegando querer “preservar a saúde dos outros”. Da profissão de farmacêutico, Drummond dizia: “fico apenas na moldura do quadro de formatura”.

No mesmo ano de 1925, Carlos Drummond de Andrade casou-se com a senhorita Dolores Dutra de Morais – companheira de toda a vida – que, segundo o poeta, foi a “primeira ou segunda mulher a trabalhar num emprego – foi contadora numa fábrica de sapatos – em Belo Horizonte”.

Em 1927, nasceu seu filho Carlos Flávio, que faleceu meia hora depois, de complicações respiratórias.

Em 1928, nasceu, no dia 4 de março, sua filha Maria Julieta, que se tornaria sua grande companheira e confidente ao longo da vida.

Em 1930, publicou seu primeiro livro –- Alguma Poesia – em edição de 500 exemplares paga por ele mesmo e, no mesmo ano, assumiu a função de auxiliar no gabinete do Secretário do Interior, Cristiano Machado e, posteriormente, de seu amigo Gustavo Capanema, já como oficial de gabinete, quando este substituiu Machado.

Em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro, com Dona Dolores e Maria Julieta, para trabalhar como servidor na chefia de gabinete de Gustavo Capanema, nomeado novo ministro da Educação e Saúde Pública. Em Confidência do Itabirano, arrematou:

Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!

Em 1940, publicou Sentimento do Mundo, em tiragem de 150 exemplares, distribuídos entre amigos.

Em 1942, a Livraria José Olympio publicou seu livro Poesias e, na sequência dos anos, Carlos Drummond de Andrade escreveu, segundo bibliografia constante do inventário de seu arquivo: 50 livros de poesias; 14, de crônicas; 7, de contos; 10, de ensaios; 29 livros de antologias e obras em colaboração. Teve suas obras traduzidas para o alemão, búlgaro, chinês, dinamarquês, espanhol, francês, holandês, inglês, italiano, latim, norueguês, sueco e theco. Produziu nove livros do francês e do espanhol e tem um sem número de livros, capítulos de livros, dissertações e teses sobre sua obra.

Mesmo sendo Chefe de Gabinete do Ministro da Educação, do governo Vargas, Gustavo Capanema, Carlos Drummond usava suas palavras para desconstruir o capitalismo; mesmo agnóstico, clamava aos céus para ajudar aos necessitados:

Meu Deus,

só me lembro de vós para pedir,

mas de qualquer modo sempre é uma

lembrança

Desculpai vosso filho, que se veste

de humildade e esperança

e vos suplica: Olhai para o Nordeste

onde há fome, Senhor, e desespero

rodando nas estradas

entre esqueletos de animais.

Drummond foi modernista sem sê-lo. Ele escrevia em diferentes ritmos. Quem não se lembra de:

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Ou quem não recita a poesia que se tornou canção:

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, Você?

Você que é sem nome,

que zomba dos outros,

Você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

Vale perceber a sensibilidade do poeta, atento para a vida e para as gentes, com um coração que não cabia em si.

A décima edição da Festa Literária Internacional de Paraty marcou a consolidação de um modelo bem recebido pelo público. Na programação da homenagem a Carlos Drummond de Andrade, houve leitura de poemas de Drummond na abertura de todas as mesas. Na Tenda dos Autores aconteceram cenas memoráveis, como a leitura do “Poema de sete faces” pelo poeta sírio Adonis, em tradução para o árabe, feita pelo próprio, a partir da versão em francês.

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabia que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo

se eu me chamasse Raimundo,

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

Este ano, ocorreram 135 eventos em todas as partes de Paraty, com uma estimativa de 25 mil pessoas, passando pela cidade de Paraty durante a Flip.

O público encontrou na Flip de 2012 uma estrutura diferente das edições anteriores. Desta vez, eu não pude estar lá, mas pude acompanhar no noticiário o quão vibrante e proveitoso foi para todos que lá estiveram – e eu espero estar nas próximas feiras literárias internacionais de Paraty –, no espaço onde no ano passado havia um corredor institucional com estandes de patrocinadores do evento, foi criada uma área livre à beira do Rio Perequê-Açu, ligando as tendas dos autores ao telão.

Entre as mesas que mais empolgaram o público, estiveram as três em homenagem a Drummond, principalmente a conversa erudita e espirituosa entre os críticos Alcides Villaça e Antonio Carlos Secchin, na quinta-feira, e a intervenção comovente do poeta Carlito Azevedo, que leu um poema inédito em homenagem a Drummond na abertura da mesa com Eucanaã Ferraz, que começou com um depoimento em vídeo de Armando Freitas Filho.

Eu só posso cumprimentar os organizadores e todos aqueles que realizaram com todo o esmero a edição de nº 10 da Festa Literária Internacional de Paraty. O sucesso alcançado em todas as atividades da Flip e a felicidade ao escolher o poeta Carlos Drummond de Andrade como homenageado bem retratam o valor que ele dava ao ato de escrever poesia.

Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos.

Por fim, vou me valer da sensibilidade poética de Manuel Bandeira, para encerrar essas minhas palavras de cumprimentos à Flip e de homenagem a Carlos Drummond de Andrade:

Louvo o Padre, louvo o Filho,

O Espírito Santo louvo.

Isto feito, louvo aquele

Que ora chega aos sessent’anos

E no meio de seus pares

Prima pela qualidade:

O poeta lúcido e límpido

Que é Carlos Drummond de Andrade.

[…]

Louvo o Padre, o Filho, o Espírito

Santo, e após outra Trindade

Louvo: o homem, o poeta, o amigo

Que é Carlos Drummond de Andrade

Assim, Presidente Sérgio Souza, quero terminar com um dos mais belos poemas de Carlos Drummond de Andrade, um de nossos poetas maiores.

Sentimento do Mundo

Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo,

mas estou cheio de escravos,

minhas lembranças escorrem e o corpo transige

na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado,

eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto

o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram que havia uma guerra

e era necessário trazer fogo e alimento.

Sinto-me disperso, anterior a fronteiras,

humildemente vos peço que me perdoeis.

Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho

desafiando a recordação do sineiro,

da viúva e do microscopista que habitavam a barraca

e não foram encontrados ao amanhecer

esse amanhecer mais que a noite.

Presidente Sérgio Souza, possam os jovens, mas também pessoas de todas as idades, desde as crianças até os mais idosos, sempre apreciar, aprender, ler os livros de Carlos Drummond de Andrade, apreciar a forma como ele utilizava, juntava as palavras de nosso idioma, o Português, e maneira tão bela, a fazer com que sempre estejamos a nos emocionar com suas palavras.

Muito obrigado, Carlos Drummond de Andrade!

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.

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