O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Exmº Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Exmª Srª Senadora Lídice da Mata, proponentes desta sessão, Exmº Embaixador Thomas Sukutai, Decano dos Embaixadores do Zimbábue; Sr. Presidente Eloi Ferreira de Araújo, da Fundação Cultural Palmares, que assinou com o Presidente Lula, no ano passado, o Estatuto da Igualdade Racial; Sr. Secretário Geral da Nova Central Sindical dos Trabalhadores, Moacyr Roberto Tesch Auersvald;
…Secretário-Geral Mario Teodoro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Sr. Brigadeiro do Ar Luis Roberto do Carmo Lourenço, que aqui representa o Comandante da Aeronáutica Juniti Saito; Comandante do 7º Distrito Naval, Vice-Almirante Walter Carrara Loureiro, que representa o Almirante de Esquadra Júlio Soares de Moura Neto, Comandante da Marinha; senhores Embaixadores.
Depois que Olorum criou o universo e a Terra, Obatalá, seu primeiro filho, o mais velho dos orixás, o senhor dos panos brancos, criou as plantas, os animais e os homens. A eles deu o Ori, que é a “cabeça”, a capacidade de pensar, de discernir e de criar.
Ori é mais do que a cabeça física do homem ou da mulher, é a força da natureza que habita essa cabeça, é o orixá que acompanha o ser humano do seu nascimento à sua morte, é a impressão digital de cada um de nós. Ori, portanto, é a nossa consciência. E V. Exª, Senador Paulo Paim, hoje nos deu um formidável exemplo do que seja Ori, a consciência do ser humano.
Por que estou falando isso? Justamente em alusão ao 20 de novembro, dia no qual celebramos o Dia da Consciência Negra e no qual quero buscar a união dos nossos oris, das nossas consciências, em busca da construção de um país melhor, de um mundo livre de toda e qualquer discriminação racial.
Seja qual for sua divindade suprema – Olorum, Deus, Alá, Shiva, Brama, Zeus, Tupã, Júpiter, Amon-Rá –, o fato é que ela não criou a raça negra, branca, vermelha ou amarela fazendo distinção entre uma e outra. Independentemente de cor, de credo, de origem ou de classe social, pertencemos originalmente a uma só raça, a raça humana.
O Dia da Consciência Negra não é um dia para celebrarmos uma “casta”, mas para reafirmarmos a nossa igualdade, reconhecendo, por exemplo, a contribuição dos negros para a formação do nosso País. A consciência negra nos leva a resgatar a identidade de um povo que foi inferiorizado durante séculos por conta da cor de sua pele.
Ontem, hoje, amanhã e sempre é dia de resgatar e celebrar os costumes, as tradições, a cultura de um povo que merece respeito e aplausos por sua luta, por sua bravura, por sua resistência.
resistência.
Mais do que uma data, o Dia da Consciência Negra é uma oportunidade que devemos abraçar em todas as suas dimensões.
Oportunidade de nos mirarmos no exemplo de luta, de sonho, de vida do Zumbi dos Palmares, de Martin Luther King Jr., de Nelson Mandela.
Oportunidade de pedirmos a benção à Mãe Menininha do Gantois, de aprendermos com Abdias do Nascimento, de sorrirmos com Grande Otelo.
Oportunidade de reverenciarmos as esculturas de Aleijadinho, os gols de Pelé, de Neymar, os sambas de Cartola, as poesias de Cruz e Sousa, a genialidade de Milton Santos.
O Dia da Consciência Negra é a oportunidade de refletirmos sobre um Brasil que nasceu indígena, foi descoberto pelos europeus e redescoberto pelos negros.
Oportunidade de sublinharmos que, há milhares de anos, Brasil e África formavam um só continente.
Oportunidade de assumirmos nosso multiculturalismo, cantando nossa diversidade cultural com Oldodum, com Gilberto Gil, com Milton Nascimento, com Dorival Caymmi, com os Filhos de Gandhy, com AfroReggae, Sem medo ou Vergonha, com os Racionais MC’s, com o Mano Brown e seus companheiros.
Oportunidade de enaltecermos o talento de Milton Gonçalves, de Antônio e Camila Pitanga, de Lázaro ramos, de Zezeh Barbosa, da eterna Tia Nastácia, Jacira Sampaio.
Oportunidade de nos inspirarmos na ousadia de mulheres negras, como a Juíza baiana Luislinda Dias Valois dos Santos, que aguarda a sua designação para ser Desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, a escrava que virou rainha, Chica da Silva, e a líder da revolta dos Malês, Luísa Mahin.
Oportunidade de ovacionarmos os dribles de Garrincha, a coragem do Almirante Negro, João Candido, os pulos do João do Pulo, a determinação de José do Patrocínio.
Oportunidade de assumirmos a importância do negro na culinária, na religião, na dança, na música, no ritmo, na beleza, na linguagem e no folclore brasileiro. O saci é negro, o samba é negro, o acarajé é negro, a padroeira do Brasil é negra.
Dia da Consciência Negra também é uma oportunidade de questionarmos por que, embora o censo de 2010 aponte que o Brasil possui 56,6% de negros, nunca tivemos ainda um presidente negro? Ali, nos Estados Unidos, o Presidente Barack Obama veio como uma benção para o universo, inclusive para a comunidade negra em todos os países do mundo. Ah, como foi
Ah! Como foi bonito o seu pronunciamento, em 28 de agosto de 2008, a serem comemorados os 45 anos do discurso I Have a Dream, Eu tenho um Sonho, de Martin Luther King Jr, quando resgatou aqueles sonhos tão bem pronunciados por Martin Luther King Jr.
Quantos negros nós temos no Senado? No Banco Central? Na Polícia Federal? No Superior Tribunal de Justiça? Em um levantamento feito em 2007, dos 620 Procuradores da República apenas sete eram negros. Do total de juízes, somente 13% tinham cor negra.
Na atual legislatura, dos 513 Deputados, apenas 43, ou 8,5% se autodeclaram negros. No Senado, a bancada negra conta com apenas três Senadores: Paulo Paim, Magno Malta e Lídice da Mata, uma mulher de ascendência negra. Mas como V. Exªs representam tão bem a voz dos negros e de todos nós!
Apesar dos avanços em relação aos direitos da população afrodescendente conquistados desde o início do Governo Lula, os negros continuam sendo vítimas de um modelo social excludente, tanto que estão, em sua maioria, na base da pirâmide social.
Que bom que a Presidenta Dilma Rousseff tenha avançado em relação àquilo que se consolidou no Governo do Presidente Lula e no ato que a Senadora Lídice da Mata recordou, ocorrido em Salvador, no último sábado. Houve um avanço considerável e iniciativas muito importantes, inclusive na designação de Salvador como a capital negra do País.
No Brasil, as crianças negras têm um índice de mortalidade infantil 50% maior que as crianças brancas; os negros são maioria nas penitenciárias; o ganho do negro no mercado de trabalho é metade do ganho do branco que ocupa a mesma posição.
São poucos os negros que podem frequentar uma escola particular ou até mesmo a escola pública, em razão de precisarem trabalhar para ajudar no sustento da casa ou por viverem em regiões de difícil acesso. Que os negros, juntamente com os brancos, mulatos, amarelos, vermelhos e ciganos possam ser os primeiros a receber uma renda básica de cidadania.
O Dia da Consciência Negra é a oportunidade de nos lembrarmos, de nos indignarmos, de dizermos em coro “nunca mais” aos navios negreiros, às chibatadas, à escravidão. Que como Caetano Veloso nós possamos cantar que somos quase todos pretos… Afinal, somos um País com alma mestiça. Que brancos e negros possam viver em harmonia, coexistindo-se democrática, respeitosa e complementarmente no mesmo espaço, assim como a escuridão da noite e as estrelas.
E como Ori está sempre com a atenção voltada para transformar nações em realidade, nos trazer felicidade, que possamos transformar nossa consciência negra em uma luta conjunta e permanente pela erradicação da pobreza, pela transformação social, pela libertação de cada um, de cada mulher, de cada criança negra ou não, buscando não só um futuro, mas um presente melhor para a raça humana.
Querido Presidente Paulo Paim, V. Exª que convidou a Srª Elisa Larkin Nascimento, viúva de Abdias Nascimento, recebeu, como eu também e todos nós aqui reunidos neste dia na sessão plenária do Senado, um comunicado dela própria. E, se V. Exª me permite, eu gostaria de ler…
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT – RS) – V. Exª deve ler, em nome de todos nós, já que ela remeteu isso para nós todos.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP) – … porque eu acho que é muito especial. Eu até disse há pouco à Srª Elisa Larkin que V. Exª fez um pronunciamento muito bonito sobre Abdias.
Eis que as suas palavras, de Elisa Larkin Nascimento… Queria dizer que a Mãe Sylvia de Oxalá, do Axé Ilê Obá, lá do Jabaquara, em São Paulo; pessoas que têm tanta afinidade… A própria Juíza Luislinda Valois Santos, estão todas colaborando com este estado de espírito das minhas palavras aqui; também a Srª Rose Marie Muraro, amiga de Elisa Larkin Nascimento, que diz o seguinte para todos nós:
“Neste dia em que o Senado Federal realiza homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra e lembra o Senador Abdias do Nascimento…”
E lembra o Senador Abdias do Nascimento, meu recém-falecido marido, eu quero saudá-los em nome da família do Instituto de Pesquisa Afro-Brasileiros, instituição criada por Abdias com minha ajuda e que hoje tenho a honra de dirigir.
Nossa convicção é que a melhor maneira de homenagear a memória de Abdias do Nascimento é continuar sua luta por um mundo melhor para todas as pessoas e por um Brasil melhor para todos os cidadãos. Por isso, o Ipeafro realiza a exposição África-Brasil, Ancestralidade e Expressões Contemporâneas e o Fórum Educação Afirmativa Sandoka e a Oficina Matriz Africana e Ação Educativa em vários Municípios do Rio de Janeiro, contribuindo à implantação da política nacional de ensino da história e da cultura negras e africanas e das relações étnico-raciais.
Neste Ano Internacional dos Afrodescendentes, nós finalmente assistimos a sanção presidencial à lei que institui oficialmente o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, momento em que se torna importante lembrar todas e todos os ativistas que trabalharam desde a década de 70 para tornar realidade essa proposta, idealizada pelos saudoso poeta Oliveira Silveira e o Grupo Palmares do Rio Grande do Sul. A proposta foi assumida pelo conjunto do movimento negro do Brasil, reunido no Memorial Zumbi. Essa organização iniciou em 1980 a peregrinação ao alto da Serra da Barriga, em 20 de novembro. Naquele momento, Abdias do Nascimento subiu a pé conduzindo a Mãe Hilda do Ilê Axé Ogun, mãe do Vovô, fundador do Ilê-Aiyê. Ela seguiu em lombo de jegue. Essa visita às terras de Zumbi dos Palmares, com a participação de ativistas de dezenas de entidades do movimento negro, inclusive o Movimento Negro Unificado, marcou uma nova etapa de luta do povo negro brasileiro contra o racismo.
No dia 13 passado, eu e a família – a atriz Léa Garcia e seus dois filhos Henrique Cristóvão e Abdias do Nascimento Filho, o Bida; a bisneta Luíza Guzman do Nascimento e meu filho Osiris Larkin Nascimento – realizamos a deposição das cinzas de Abdias no alto da Serra da Barriga, com o apoio e a participação do conjunto do movimento negro nacional. Plantamos um pé de gameleira branca, árvore que abriga o Iroco, espírito dos ancestrais. Enterramos as cinzas no espaço de plantio de um pé de baobá, árvore considerada sagrada, que vive três a seis mil anos e que simboliza a presença dos ancestrais em nossas vidas.
A plenitude desse momento se complementa com a sanção do Dia Nacional da Consciência Negra, data já comemorada oficialmente em vários Estados e Municípios. A campanha do Governo Federal Igualdade Racial é pra Valer, liderada pela Seppir, dá continuidade à política mais efetiva de combate à pobreza no Brasil: a de “mobilizar agentes econômicos e sociais para vencer o núcleo mais resistente de nossas desigualdades: a desigualdade racial”, nas palavras da Ministra Luíza Bairros.
Senador Paulo Paim, Senador Eduardo Suplicy e todos os Senadores da República hoje reunidos, meus amigos: não há dúvida de que o recorte racial foi a inovação e o diferencial das políticas recentes que apresentaram resultados positivos no combate à pobreza. Por isso, em nome da memória de Abdias Nascimento, o IPEAFRO comemora a oficialização do Dia Nacional da Consciência Negra, conclamando a sociedade brasileira e o Governo Dilma Rousseff a continuar a consolidar cada vez mais a implantação de políticas específicas de combate ao racismo. E obviamente dentre essas políticas está aquela que estamos para votar, acredito nesta semana, Senador Paulo Paim, ali na Comissão de Constituição e Justiça, conforme compromisso do nosso Presidente da Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT – RS) – Compromisso do Senador Eunício Oliveira.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP) – Essas políticas estão articuladas em vários programas de Governo que precisam dos meios e do compromisso político efetivo para serem efetivamente executadas.
Abdias Nascimento propôs à sociedade brasileira o Quilombismo como modelo de organização política baseada na experiência histórica brasileira dos quilombos. A efetiva implantação de políticas de reparação e de combate às desigualdades raciais seria a melhor maneira de homenagear a sua memória.
Saudações quilombistas, Elisa Larkin Nascimento, viúva de Abdias Nascimento, Diretora do Ipeafro, que aqui enviou-me também anexo, que peço para ser constado na íntegra, Sr. Presidente, pois a sessão vai longe e muitos aqui, e V. Exª inclusive, disseram dos passos usados por Abdias Nascimento, mas
Aqui estão quatro páginas mais detalhadas sobre a vida e a arte de um guerreiro, por Elisa Larkin Nascimento, “A história e a Vida de Abdias do Nascimento”. Peço que conste na íntegra.
Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado a todos.