Suplicy: Gilmar Mendes questiona doações
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É difícil lembrar um momento em que o senador Eduardo Suplicy tenha se exaltado ou elevado a voz em um debate. Poucos têm a mesma paciência. Também é difícil encontrar um senador tão determinado quando ele, principalmente quando o tema do debate ou do projeto em discussão tenha relação, ainda que à distância, com sua principal causa política – o projeto Renda.
Mas Suplicy também não abandona uma discussão, principalmente quando se vê do lado da razão, como a que se desenvolve atualmente contrapondo-se às opiniões e pré-julgamentos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
Uma rápida pesquisa na internet confirma as evidências. Gilmar Mendes fala mais para a mídia do que nos autos dos processos que julga. Sempre, como protagonista de polêmicas travadas com o governo e com o Partido dos Trabalhadores. Fala tanto, que não tem como comprovar o que está dizendo, como já aconteceu no estranho episódio em que ele sustentou a falsa acusação do ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) de que ambos estavam sendo espionados por agentes do governo. A denúncia vazia encontrou abrigo na revista Veja, que deu capa para a reportagem à informação fornecida pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, então uma espécie de editor virtual da revista.
A nova polêmica que cerca o ministro Gilmar Mendes tem a ver com o questionável julgamento da AP 470, o dito “mensalão”. O ministro não se pronunciou por nenhuma das incorreções que vêm sendo apontadas por juristas e advogados de vários matizes políticos, mas chamou a mídia, na semana retrasada, para lançar suspeitas sobre as campanhas de arrecadação lançadas pela militância do PT para pagar as multas impostas aos ex-dirigentes José Genoino, Delúbio Soares e José Dirceu. Manifestando estranheza pelas campanhas de arrecadação terem atingido seu objetivo, Mendes insinuou estranheza com a agilidade das doações, prejulgando a ação como crime de lavagem de dinheiro.
“Essa dinheirama, será que esse dinheiro que está voltando é de fato de militantes? Ou estão distribuindo dinheiro para fazer esse tipo de doação? Será que não há um processo de lavagem de dinheiro aqui? São coisas que nós precisamos examinar”, afirmou.
O senador não engoliu. Estranhando que um ministro que participou do julgamento tivesse opinião e a expusesse à mídia sobre como os recursos para quitar as multas impostas ao apenados foram recolhidos enviou, então, uma carta ao magistrado, pedindo esclarecimentos sobre suas declarações, que colocaram uma aura de suspeita sobre as doações .
Um dos doadores das campanhas, Suplicy se sentiu atingido, como parlamentar e como cidadão, pelas insinuações, que, numa carta recheada de termos jurídicos, respondeu ao senador que ele deveria “ liderar o ressarcimento ao erário das vultosas cifras desviadas esse, sim, deveria ser imediatamente providenciado”.
Mantendo às favas a neutralidade que o posto que ocupa exige foi ainda mais longe. “Quem sabe o ex-tesoureiro Delúbio Soares, com a competência arrecadatória que demonstrou – R$ 600.000,00 em um único dia, verdadeiro e inédito prodígio, possa emprestar tal expertise à recuperaçäo de pelo menos parte dos RS 100 milhões subtraidos dos cofres públicos”.
Surpreendido pela virulência da carta enquanto estava em viagem oficial a Teerã, Suplicy respondeu ao ministro ainda no sábado (15), lembrando-lhe a “reserva” que ele deveria preservar como, juiz da causa.
O senador deixa claro na carta que a postura de Gilmar Mendes pode indicar que, no julgamento, o ministro pode não ter atuado com base na razão. “Quando V. Exa. questiona, sem qualquer prova material, a regularidade das doações a José Genoino, Delúbio Soares, José Dirceu, e João Paulo Cunha, passa-me o sentimento de que não julgou com base exclusivamente na razão”, diz Suplicy na correspondência. “Isso não é bom para o papel que o Supremo Tribunal Federal (STF) desempenha na Organização dos Poderes da República”, reforça.
O senador, que está em viagem à Teerã, afirmou ainda na correspondência que não vê nenhum tipo de irregularidade nas doações. “Até onde tenho conhecimento, as famílias dos quatro membros do Partido dos Trabalhadores é que tiveram a iniciativa de fazer a campanha para arrecadar fundos e pagar as multas condenatórias. Não vejo ilegitimidade ou ilegalidade nessa conduta”, diz a carta.
Também no sábado, foi ventilada pela mídia o que seria um novo ingrediente na aparente implicância do ministro com o Partido dos Trabalhadores. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estaria investigando o contrato de R$ 10,5 milhões assinado entre o Tribunal de Justiça da Bahia ao IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), para cursos para juízes e funcionários. Gilmar Mendes é sócio da escola
Segundo informações de um site de notícias, o inquérito final do CNJ teria constatado irregularidades, como o pagamento ilegal de precatórios e compra de produtos e serviços sem a devida licitação.
O jornalista Luiz Nassif, em sua coluna desse sábado (15) , diz que um dos sócios do IDP seria justamente o ministro Gilmar Mendes, que, segundo o jornalista, estaria atacando o PT “apenas criar a blindagem, a possibilidade de se defender de uma possível ação do CNJ atribuindo-lhe um caráter político”
Talvez todo esse imbróglio também deva ser investigado.
Veja a carta do ministro ao senador Suplicy
Leia a íntegra da carta enviada pelo ministro do STF ao senador Eduardo Suplicy:
Veja a resposta do senador Eduardo Suplicy
Ofício n.º 00113/2014 Teerã, 15 de fevereiro de 2014.
Senhor Ministro Gilmar Mendes,
Tendo em vista a correspondência de V. Exa. datada de 12 de fevereiro de 2014, devo externar que não tenho dúvidas de que, como cidadão, tem todo o direito de se expressar sobre essa ou aquela situação da vida política de nosso país. Porém, como juiz da causa que condenou os acusados, caberia a V. Exa. maior reserva.
Quando V. Exa. questiona, sem qualquer prova material, a regularidade das doações a José Genoino, Delúbio Soares, José Dirceu, e João Paulo Cunha, passa-me o sentimento de que não julgou com base exclusivamente na razão. Isso não é bom para o papel que o Supremo Tribunal Federal (STF) desempenha na Organização dos Poderes da República.
Até onde tenho conhecimento, as famílias dos quatro membros do Partido dos Trabalhadores é que tiveram a iniciativa de fazer a campanha para arrecadar fundos e pagar as multas condenatórias. Não vejo ilegitimidade ou ilegalidade nessa conduta.
E foi isso que me motivou a escrever a V. Exa. – a surpresa de tomar conhecimento de um comentário público, questionando doações sem qualquer fundamento probatório que o amparasse.
E tudo isso, considerando ainda que o julgamento da Ação Penal 470 não está concluído no STF, pois encontra-se em curso a análise dos embargos infringentes.
Noto que V. Exa. não se referiu ao que considero da maior importância em minha carta, qual seja, as decisões que nós do PT e de todos os demais Partidos devemos tomar para prevenir e evitar os procedimentos que foram objeto da Ação Penal 470. Eis porque tenho me empenhado para que venhamos todos, nas campanhas eleitorais, assumir o compromisso de não utilizarmos recursos não contabilizados, de proibirmos as contribuições de pessoas jurídicas, de limitarmos a uma soma módica as contribuições de pessoas físicas e, de exigirmos, durante a campanha eleitoral, a transparência em tempo real, ou nas datas de 15 de agosto, 15 de setembro e ultimo sábado que antecede o domingo das eleições, com o registro na página eletrônica de cada partido, coligação e candidato, de todas as contribuições recebidas. Desta forma, os eleitores terão conhecimento dos doadores e poderão comparar as contribuições feitas com os gastos efetivamente realizados em cada campanha.
V. Exa., que acaba de assumir como ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral, poderia, pela posição que ocupa, incentivar os formadores de opinião da sociedade no que diz respeito à efetivação desses anseios como normas que têm sido apoiadas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, pela OAB e muitas outras entidades da sociedades civil.
Atenciosamente,
Senador EDUARDO MATARAZZO SUPLICY