Suplicy se despede do Senado com discurso emocionado

O Senado viveu nessa quarta-feira (17) uma das noites mais emotivas de sua história recente. Seu senador mais longevo, e também um dos mais reverenciados e premiados pelos sites e publicações que acompanham o Congresso, proferiu seu pronunciamento de despedida. Eduardo Suplicy, o primeiro senador eleito pelo Partido dos Trabalhadores, reeleito duas vezes, iria falar pela última vez da tribuna.

“Franciscano”, “unanimidade nacional”, “primeiro e único”, “incansável”, “essencial para a boa política”, “extraordinário amigo” foram alguns dos elogios que senadores dos demais partidos e do próprio PT fizeram em seus apartes. Retomando a leitura do texto do ponto onde havia parado, o senador continuou fazendo o balanço de seus 24 anos consecutivos de presença quase diária no Senado. Suplicy, além de todas as qualidades demonstradas também foi um dos mais assíduos parlamentares da Casa.

Eduardo Matarazzo Suplicy tornou-se um senador querido e respeitado por todos os colegas, independentemente de partidos, por sua coerência e persistência. Poucos como ele defenderam incansavelmente uma causa, ou, melhor dizendo, poucos se identificaram tanto com uma causa pela insistência, perseverança, teimosia em divulgar sua causa maior: o projeto de renda mínima.

“Qualquer diferença socioeconômica que porventura exista na sociedade só se justifica se beneficiar os que menos têm e de maneira a prover igualdade de oportunidade para todos”, disse ele, da tribuna. “Assim, considerei importante e me empenhei para que todas as crianças, os jovens, os adultos, inclusive aqueles que não tiveram boas oportunidades quando eram crianças, pudessem ter boa chance de educação”, enfatizou Suplicy ao defender a bandeira da renda mínima que o tornou conhecido não só em todo o Brasil, mas também no exterior, chegando a ocupar importantes cargos em organizações não governamentais que também perseguem o mesmo objetivo.

Em sua despedida, o senador que percorre as periferias de São Paulo sem nenhum aparato de segurança, sempre sendo respeitado como um igual, ainda que seu sobrenome carregue a marca de uma das famílias aristocráticas que os paulistas mais conhecem, apresentou 811 proposições em 24 anos de Senado. Todas no caminho do bem, íntegras como ele, sem margem para dúvidas sobre a honestidade de sua intenção, cobrindo um arco de benefícios que vai desde a destinação de recursos de sua emenda parlamentar para  que uma escola estadual paulista, com 12 mil alunos, possa adotar ensino em período integral, até a criação de normas e diretrizes que regulam as sociedades cooperativas – o PLS 605, de 1999, finalmente aprovado na última terça-feira (16).

Com um pé no Parlamento e outro onde estão suas principais causas, Suplicy construiu, ao longo das quase três últimas décadas, uma história de dedicação, coerência e integridade que poucos parlamentares podem apresentar com segurança. Seu projeto sobre cooperativas aprovado nesta semana serve como prova.

Com dois anos de mandato como senador, aproximou-se dos vendedores ambulantes do Parque do Ibirapuera, uma das principais áreas verdes de lazer dos paulistanos, para estimulá-los a se unirem em torno de um objetivo comum: uma sociedade cooperativa. Vencidas as resistências e desconfianças – afinal, pela primeira vez eles estavam vendo um senador da República Suplicy, que também é professor universitário de Economia e administrador de empresas, orientou o pequeno grupo de ambulantes e até hoje, passados 13 anos do contato inicial, convive com as 115 famílias representadas pela associação dos ambulantes da Cooperativa dos Vendedores Ambulantes do Parque Ibirapuera – uma “bonita e bem sucedida experiência que permitiu a todas as famílias viverem com maior dignidade nesses anos”, segundo suas palavras, cuja história está relatada no livro escrito por sua atual companheira, Mônica Dallari.

Outra companheira histórica do senador – sua ex-esposa Marta Suplicy, como ele, senadora pelo PT de São Paulo – igualmente emocionada, acompanhou o discurso de despedida do plenário do Senado. “Quero dizer, senador Suplicy, da minha felicidade em ouvir tantas coisas bonitas, fortes e verdadeiras que foram ditas aqui por nossos pares”, aparteou ela, lembrando “o privilégio de conviver por alguns anos” com a honradez do ex-companheiro no Senado. “Também queria dizer de coisas que pude observar, nessa vida toda e aqui no Parlamento”, acrescentou a senadora, “a forma como V. Exª sempre abriu o seu gabinete, não só para os eleitores de São Paulo, mas para os eleitores de todo o Brasil. Esse sempre foi um gabinete que atendeu a todos e atendeu todas as associações, todas as pessoas, das mais humildes às mais poderosas, da mesma forma, e indo atrás de solução, de encaminhamentos. E isso é algo que, realmente, o distingue nesta Casa parlamentar. Quero também parabenizá-lo pela determinação na busca pelos seus ideais de vida, o que o caracterizou nesta Casa e o caracteriza como um Parlamentar que sempre foi extremamente coerente, determinado, competente, atrás dos seus ideais, e pela coerência política, ideológica que demonstrou em toda a sua brilhante permanência aqui neste Senado. Quero lhe desejar boa sorte e que tudo continue muito bem na sua vida. Parabéns!”, disse.

Petista histórico

Suplicy chegou ao Senado em 1991 depois de uma bem sucedida carreira política em São Paulo, desde as primeiras eleições disputadas pelo PT, ainda no ano de 1979, ano em que se elegeu pela primeira vez como deputado estadual. Na sequência, tornou-se deputado federal e vereador e presidente da Câmara dos Vereadores de São Paulo, à época uma instituição carente de credibilidade e de respeito. Eleito senador pela primeira vez em 1990, ele não mudou seus princípios. “Aqui cheguei com o firme propósito de empenhar-me ao máximo para o aperfeiçoamento de nossas instituições democráticas, pela liberdade, pela ética, pela transparência em todos os atos da vida pública, pela construção de um Brasil civilizado e justo, no qual todas as pessoas possam ter efetiva voz e influência sobre os nossos destinos”, reafirmou o senador em sua despedida.

Por sua formação, Suplicy sempre foi um humanista com forte influência econômica, embrião que, com o tempo, transformou-se no seu principal projeto, o da implementação da renda mínima. “Procurei lutar pela implementação dos instrumentos de política econômica e social que signifiquem a aplicação de princípios de justiça, como os definidos por um dos mais influentes filósofos contemporâneos John Rawls, em seu livro “Uma teoria da Justiça”, de 1971, que são o de igual liberdade, o da diferença e o da igualdade de oportunidades. Toda pessoa precisa ter um conjunto de liberdades básicas fundamentais”, disse mais uma vez Suplicy. “Qualquer diferença socioeconômica que porventura exista na sociedade só se justifica se beneficiar os que menos têm e de maneira a prover igualdade de oportunidade para todos. Assim, considerei importante e me empenhei para que todas as crianças, os jovens, os adultos, inclusive aqueles que não tiveram boas oportunidades quando eram crianças, pudessem ter boa chance de educação”.

O alcance parcial desses objetivos, que só começariam a virar realidade a partir da posse do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, exigiu perseverança.“Dei todo o apoio à expansão do crédito para a agricultura familiar e para o microcrédito, pequenas somas emprestadas aos que não possuem patrimônio com a finalidade de iniciar uma atividade produtiva que lhes proporcione uma vida digna, que cresceu bastante na última década, tanto através das instituições financeiras públicas quanto privadas”, apontou o senador, lembrando que sua insistência com o tema o levaria para outros países, como Bangladesh, por exemplo, onde se desenvolveu a experiência pioneira do Grameen Bank, especializado em microcréditos, criado pelo professor Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz.

“Também conheci experiências de moedas sociais como palmas, no bairro Palmeiras, em Fortaleza, e a mumbuca, em Maricá. Patrocinei iniciativas de leis que significaram avanços nos programas de transferência de renda com a finalidade de erradicar a pobreza e melhorar a distribuição da riqueza”, continuou relatando, para chegar ao seu maior projeto, apresentado em abril de 1991.

“Apresentei o projeto de lei para instituir o Programa de Renda Mínima por meio de imposto de renda negativo, aprovado pelo Senado em 16 de dezembro de 1991, em memorável sessão, após um debate de quatro horas”, lembrou.

“Da reflexão sobre essa proposição surgiram as iniciativas de criação de programas de renda mínima relacionados às oportunidades de educação, tais como as pioneiras no Distrito Federal, com o governador Cristovam Buarque (à época, também do PT), e em Campinas, com o prefeito José Roberto Magalhães Teixeira (PSDB)”.

Persistência

Com a persistência de sempre, a causa principal do senador motivou outros partidos. Assim foi quando o ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, em 1996, após encontro com Philippe Van Parijs, filósofo e economista político belga, conhecido como proponente e principal defensor do conceito da renda mínima, consentiu em orientar a bancada de apoio ao seu governo para que fosse aprovada a Lei nº 9.533, de 1997, pela qual a União financiaria em 50% os Municípios que adotassem programas com o mesmo propósito.

“Em 2001, o Presidente Fernando Henrique publicou medida provisória aprovada pelo Congresso, na forma da Lei nº 2.219, de 2001, pela qual a União passaria a financiar em 100% os gastos dos Municípios que adotassem o programa de renda mínima associado à educação, também denominado Bolsa Escola”, apontou Suplicy, revelando sua copaternidade para programas que ainda seriam adotados pelo Brasil nos anos seguintes, como os programas Bolsa Alimentação e Auxílio-Gás e, já no primeiro semestre de 2003, no inicio do primeiro mandato de Lula, o Cartão Alimentação, como parte do Programa Fome Zero.

A partir de 2003, quando foram unificados os quatro programas sociais em andamento em torno do consagrado Programa Bolsa Família, o crescimento dos beneficiados pelas ideias que perseguia havia 12 anos, se multiplicou. Dos 3,5 milhões de famílias que constavam do Cadastro Único viabilizado pelo governo Lula, o Bolsa Família atingiu 14,1 milhões de famílias em 2014, correspondendo a aproximadamente 50 milhões de pessoas, ou um quarto dos 203 milhões de brasileiros.

Íntegro até o último pronunciamento, Suplicy fez questão de corrigir uma informação presente em seus pronunciamentos, palestras e artigos sobre os resultados do mais recente esforço do governo Dilma Rousseff – o Busca Ativa, que passou a procurar pessoas e famílias carentes para inclusão no Bolsa Família.

“Mais de 1 milhão e 370 mil famílias foram localizadas e incluídas no Cadastro Único com a Busca Ativa, tendo em conta, por exemplo, que, em setembro de 2014, havia 19,3 milhões de famílias com renda familiar per capita de até R$154,00 por mês, conforme o sítio eletrônico do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome).

Eu vinha assinalando que a Busca Ativa, nesse caso, ao se registrarem 14,1 milhões de famílias, estava em torno de 73%. Esclareceu-me a ministra Tereza Campello que, das 19,3 milhões de famílias, há muitas que são constituídas apenas de pai e mãe, sem crianças ou adolescentes na faixa de rendimentos entre R$77,00 e R$ 154,00 por mês e que, portanto, não têm direito ao Bolsa Família”.

“Quero aqui fazer uma sugestão para o ministério para que, em sua página eletrônica, sejam discriminados os números referentes às famílias compostas apenas por marido e mulher com renda mensal per capita entre R$ 77 e R$ 154 e também as famílias que constam do Cadastro Único, mas que não são beneficiárias do Bolsa Família em função de terem fornecido os seus dados há muito tempo e que, caso viessem a atualizá-los, estariam com renda per capita mensal superior a R$154 mensais, portanto acima do que hoje define a regulamentação do Bolsa Família. Dessa forma, ficará claro quantas famílias efetivamente faltam para atingir os objetivos da Busca Ativa”, apontou o senador.

Suplicy defende sua causa principal até os dias finais de seu mandato, Somente neste dezembro, duas semanas antes do término do ano legislativo, o Congresso aprovou seu projeto que institui a Linha Oficial de Pobreza, cujo objetivo é fixar como Linha Oficial de Pobreza o rendimento anual mínimo para que um grupo familiar ou uma pessoa que viva sozinha possa adquirir bens e serviços para uma vida digna, e estabelece que o Governo apresente metas de redução da pobreza e da desigualdade nos anos de sua gestão.

“Nesses 24 anos, interagi com filósofos, economistas e cientistas sociais que propugnam pela instituição de uma renda básica incondicional para toda a população”, insistiu o senador, descrevendo que, cauda do Renda Mínima, tornou-se membro da Rede na Terra da Renda Básica (Basic Income Earth Network, em inglês), da qual foi Co-presidente do Conselho de 2004 a 2008 e Co-presidente de Honra desde 2008.

“Tenho certeza de que a mais eficaz maneira de se erradicar a pobreza absoluta e prover liberdade e dignidade real para todos será a instituição da renda básica incondicional como um direito à cidadania”, disse mais uma vez o senador, antes de agradecer nominalmente de cada um dos assessores de seu gabinete e pedir uma resposta da presidenta da República à carta que foi referendada pelos 81 senadores dos 16 partidos representados no Senado, na qual Suplicy propõe a criação de um grupo de trabalho para estudar as etapas de implantação da renda básica de cidadania.

“Estou no aguardo da resposta da presidenta. Espero que ela possa atender a essa iniciativa de bom senso ainda antes que termine o meu mandato. Quero muito agradecer a convivência, o respeito e a forma como todos os senadores e senadoras sempre me trataram desde que aqui cheguei”.

Este é o senador: um obstinado pela redução das desigualdades que conquistou o respeito pela dedicação à sua principal causa.

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