Há algo de muito estranho sobre os incêndios, cada vez mais comuns, em favelas paulistanas. Esse foi o tom do discurso, em tom de alerta, proferido na tarde desta quarta-feira (26/09) pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) O senador, que acompanha de perto – segundo ele, a pedido dos moradores – o que acontece em várias ocupações urbanas, citou reportagem publicada nesta semana pela revista Carta Capital, que elenca uma série de “coincidências” e fatos suspeitos que envolvem a tragédia.
A Polícia trata este último caso como uma fatalidade originada de um crime passional, lembra o senador. “Mas a versão não convence a todos”, disse Suplicy, que lembrou que, de acordo com as primeiras informações passadas pelos bombeiros, havia três focos de incêndio na favela, distantes cerca de 50 metros um do outro.
O senador citou uma nota da Associação dos Moradores do Moinho: “Curioso notar que os moradores vitimados são os mesmos que há 15 dias tinham relatado a ocorrência de forte pressão psicológica por parte da municipalidade, que exigia que esses moradores deixassem o local até outubro”, diz o documento. “Outra dúvida que cerca esse novo episódio se refere aos três focos iniciais de incêndio, pondo em dúvida a versão apresentada de briga de viciados em droga”, prossegue a nota.
Diante dos fatos mal explicados, Suplicy encaminhou uma correspondência ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab no último dia 22, cobrando a busca de soluções para o caso e, ainda, a garantia dos direitos dos moradores que perderam suas casas. “Assim, encareço ao Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que prossiga na busca de soluções que, obedecendo à legislação urbana da cidade, tenham como foco a proteção dos direitos do seu bem maior: as vidas humanas que planejam construir um futuro melhor para si e para toda a coletividade”.
Relatou no texto sua participação na luta dos moradores pelo direito à moradia e à preservação dos direitos daquela população
Incêndios em números
Para se ter uma ideia, entre 2005 e 2011, o Corpo de Bombeiros registrou 849 ocorrências em favelas paulistanas. Em menos de um mês, foram cinco incêndios de grandes proporções, na capital. Em 3 de setembro, 1,1 mil pessoas ficaram desabrigadas, após a destruição de 290 barracos da favela Sônia Ribeiro, conhecida como Morro do Piolho, na Zona Sul de São Paulo.
“Na ocasião, o próprio Prefeito Gilberto Kassab admitiu a possibilidade de o incêndio ter sido criminoso”, lembrou o senador reproduzindo a matéria da revista. E citou mais dados: “dois dias antes, um incêndio destruiu parte de uma comunidade, a Vila Brasilândia, na Zona Norte da capital. Em 28 de agosto, ao menos 55 barracos de uma favela de São Miguel Paulista, na Zona Leste, foram destruídos pelas chamas. Menos de uma semana antes, outra favela, na Vila Prudente, também na Zona Leste, pegou fogo. Cerca de 150 moradias foram destruídas”
No final do ano, outra favela, a do Moinho, que fica debaixo do viaduto Orlando Murgei e às margens de uma linha de trens metropolitanos foi parcialmente destruída por um incêndio, que destruiu um terço da comunidade e deixou ao menos 200 desabrigados. Duas pessoas morreram. Há poucos dias, em um novo “acidente”, as chamas mataram um homem, destruíram 80 barracos e abalaram a estrutura do viaduto, parcialmente interditado. Os bombeiros foram chamados às 7h08 da segunda-feira 17 e só conseguiram controlar o fogo cerca de uma hora e meia depois.
Especulação?
O senador também citou o trecho da matéria que levanta a possibilidade de que os incêndios tenham alguma relação com a especulação imobiliária. “Chama a atenção que a maioria dos incêndios ocorre em comunidades que estão no caminho de alguma obra pública ou numa região em que o mercado imobiliário tem interesse em construir empreendimentos para a classe média ou a população de alta renda. A Câmara de Vereadores instalou uma CPI para investigar esses episódios, mas pouco foi apurado, em pleno ano eleitoral”, leu.
O fato é que o recente incêndio na comunidade do Moinho foi o 69º do ano. E, segundo dados apontados pelo senador paulista, as chamas atingiram regiões que concentram apenas 7,8% das favelas da cidade. Em outras áreas, que concentram mais de 21% dos assentamentos irregulares da capital, como Capão Redondo, Jardim Ângela, Campo Limpo e Grajaú, nenhum incêndio foi registrado.
O senador citou ainda o artigo de André Delfino da Silva e Raimundo Bonfim, publicado na seção Tendências e Debates, da Folha de São Paulo, “Incêndio nas favelas e valorização imobiliária”, em que ressalta a coincidência da onda de incêndios em favelas paulistanas em momento de enorme valorização imobiliária.
Com base na matéria da Carta Capital, Suplicy também recordou que, segundo Francisco Miranda, presidente da entidade desde 2006, a Prefeitura tenta remover a favela, onde vivem 532 famílias, que totalizam 1.656 moradores, segundo dados do IBGE.
Giselle Chassot