Telmário: impeachment é medida inócua. Precisamos é da reforma política

Telmário: impeachment é medida inócua. Precisamos é da reforma política

Telmário: futuro não haverá sem política altiva, honesta e estratégicaIncredulidade, fastio, descrença, exaustão e desesperança. É com esse estado de espírito que que os brasileiros acompanham os desdobramentos da crise política. Ao contrário do que imaginaram os golpistas, alerta o senador Telmário Mota (PDT-RR). “O cidadão quer as instituições funcionando corretamente”, ressaltou ele, na sessão que debateu a pronúncia da presidenta Dilma Rousseff no processo de impeachment, nesta terça-feira (09).

Para Telmário, o brasileiro já é capaz de perceber que combate à corrupção, para valer, é mudar radicalmente todo o sistema político, “corrompido e corruptor, de baixa representatividade e apodrecido no seu cerne”. Além de envergonhar o País, esse sistema destrói os sonhos de futuro, “porque futuro não haverá sem política altiva, honesta e estratégica, no melhor sentido do termo”.

Telmário se manifestou contrário ao prosseguimento do processo de impeachment apesar de ter muitas críticas ao desempenho dela à frente do executivo. O impeachment, destacou ele, é uma “medida inócua, que de nada adiantará ao futuro benigno no qual ousamos sonhar”. A energia do País, conclamou ele, estará melhor empregada na reconstrução da política; “a sua completa reforma; a operacionalização de um jogo virtuoso de dados não viciados, que nos traga melhores resultados na construção aberta do devir”.

 

Leia a íntegra do discurso do senador Telmário Mota

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Senadores,

O momento histórico que ora vivenciamos nesta Casa de Leis apresenta especial gravidade, em razão do risco real de pronúncia da Presidente Dilma Rousseff. Este grave contexto nos incita a um necessário “parar para pensar”, de modo a evitarmos a ocorrência de injustiças e, em sentido metafórico, de indesejáveis linchamentos morais.

Senhoras e Senhores Senadores,

O Brasil acompanha com incredulidade, fastio, descrença, exaustão e desesperança os desdobramentos da crise política na qual há muito nos encontramos. A abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro reiterou ao mundo que a sociedade entende, com profundidade, a problemática sistêmica da política nacional, mas refuta soluções de improviso; repele as incertezas de mais outro processo de impeachment em nossa História tão inconstante e atabalhoada. O brasileiro bem informado cansou-se, em uma expressão, das tantas gambiarras que não se coadunam com nossas mais elevadas aspirações de futuro. O cidadão comum quer as instituições funcionando corretamente, e o correto funcionamento das instituições nos impele a um humilde diagnóstico – nunca fulanizado, nem baseado em revanchismo ou vingança – da problemática de fundo que enfrentamos há décadas.

O cidadão anseia, a partir da mais profunda análise de tal estado de coisas, a natural reação dos representantes públicos, que devem aceitar o axioma, a verdade autoevidente de que nosso sistema político, corrompido e corruptor, de baixa representatividade e apodrecido no seu cerne, muito mais do que nos envergonhar, guarda potência negativa para destruir nossos sonhos de futuro, porque futuro não haverá sem política altiva, honesta e estratégica, no melhor sentido do termo. E se buscamos, verdadeiramente, a construção de uma sociedade humanizada e digna, não há um só momento a perder, já que a construção do amanhã nos impõe sacrifícios no agora.

Voltemos nosso olhar, uma vez mais, à abertura dos Jogos Olímpicos, em que o mandatário em exercício – o vice-Presidente Michel Temer – revelou todo o seu constrangimento em discursar para os brasileiros ali presentes. Abriu o evento sob vaias, no atropelo do protocolo da festa máxima do esporte mundial, que requer a fala do Chefe de Estado ou de Governo do país anfitrião.

Assista ao discurso do senador Telmário Mota (PSB-AP)E o constrangimento nasce do que estamos manifestando neste exato momento: não é a Presidente Dilma Rousseff, ou seu antigo Partido Democrático Trabalhista (PDT), ou o seu atual Partido dos Trabalhadores (PT); não é o Sr. Michel Temer e seu Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); não são os próceres do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); ou da direita; ou da centro-direita; ou da esquerda; ou da centroesquerda, ou mesmo os mais estapafúrdios e radicais grupúsculos de qualquer matiz ideológica aqui representados, mas o próprio modus faciendi da política brasileira que merece pronúncia.

Merece pronúncia não fulano ou beltrano, mas antes, a nossa incapacidade de corrigir a rota de colisão de um sistema político indefensável com nossa legítima vontade de ascensão nacional. É o sistema político brasileiro, Senhoras e Senhores Senadores, com seus 35 partidos registrados; com seus feudos locais e nacionais; com seus loteamentos na máquina pública e seu horror à nomeação de cargos baseada no mérito; é este paciente terminal, com sua escandalosa simbiose entre o privado e o público, no financiamento das campanhas; é esta práxis abjeta do toma-lá-dá-cá que está cegando os olhos de nosso povo para o horizonte de grandeza histórica que se anunciou aos povos da América, desde fins do século XVIII.

A independência brasileira, naquele fulgurante ano de 1822, mesclou ruptura e continuidade, e nosso gigantesco território, em que há espaço para quase o triplo de toda a superfície ocupada pela Europa Ocidental; nosso clima ameno, que nos garante quatro colheitas anuais; nossas riquezas naturais invejáveis, em terras férteis, em água abundante, em minerais os mais diversos e em biodiversidade haveria de nos garantir a todos o pão sobre a mesa, a paz entre os cidadãos e a justiça nos espaços de poder, e nunca de arbítrio cego e atrasado.

E, no entanto, o que temos hoje, diante de nós? Nossos antepassados portugueses encontraram seu caminho, atrelando a bom tempo o seu destino à rica União Europeia. Povos de regiões distantes e de colonização mais recente, como a Austrália ou a Nova Zelândia, ou os Estados Unidos e o Canadá, na América do Norte, apresentando ao mundo índices invejáveis de desenvolvimento humano; de respeito à vida e aos Direitos Humanos; de estabilidade política e social.

E o Brasil, com tudo para deslanchar, patina, duvida de si e retrocede. E retrocede também nesta nova gambiarra política, qual seja, a entronização de um governante não eleito para a Presidência; o afastamento, bruto e abrupto, da atual mandatária e agora, a ameaça real de seu simbólico justiçamento, neste processo controverso em curso no Congresso Nacional.

Senhoras e Senhores Senadores,

A literatura internacional que se debruçou sobre a arte da política joga luzes nos dramas da ação coletiva, em seus múltiplos tensionamentos e duros impasses. Na Alemanha do início do século XX, o sociólogo Robert Michels tratou da corrosão dos ideais das agremiações de esquerda no livro “A degeneração dos partidos”.

É nosso dever, todavia, resgatar a respeitabilidade da política partidária, que necessita se abrir ao novo; que deve inspirar as novas gerações de brasileiros à participação crédula e leal na edificação de nosso futuro comum. O contrário deste universo possível é a anomia social, o descrédito dos representantes políticos, a ironia desesperada do cidadão fatigado e a trolagem boboca e cotidiana do pseudoativista virtual.

O Partido dos Trabalhadores, com todas as suas contradições internas, sua inacreditável sedição e sua paulatina conversão à política mais ordinária, atrasada, oligárquica e maquiavélica guarda em seu histórico um diálogo possível com os extratos mais simples da sociedade. Em diversos contextos de nossa redemocratização, soube representar o brasileiro pobre no jogo do poder, e se hoje vai de mal a pior, tal realidade também deriva de seu paulatino distanciamento das suas bases sociais, e do enrijecimento de líderes que, com o uisquinho na mão e disposição para transigir no intransigível, findaram por se esquecer de sua ingente tarefa nesta fria capital do país.

Senhoras e Senhores Senadores,

No momento em que o ex- Presidente Lula e a Presidente afastada Dilma Rousseff se empenharam pela realização da Copa do Mundo, no Brasil, e das Olimpíadas, no Rio de Janeiro, souberam distinguir com clareza o interesse nacional. Quando trabalharam pela elevação da renda média dos brasileiros da periferia; quando apostaram na ampliação da rede de escolas técnicas de ensino médio; quando aumentaram o número de vagas nas universidades públicas e facilitaram o financiamento do ensino superior privado, lograram se aproximar das expectativas da sociedade.

Desejamos, portanto, não a pronúncia da desastrada Presidente Dilma Rousseff, medida inócua, que de nada adiantará ao futuro benigno no qual ousamos sonhar, malgrado este funesto estado de coisas em que nos encontramos. Desejamos, antes, e sobretudo, a pronúncia da política brasileira como um todo, para que, a partir de uma discussão iluminada e seminal, os representantes públicos se coloquem à altura do maior e do mais importante entre nossos desafios: a reconstrução de nossa política; a sua completa reforma; o operacionalização de um jogo virtuoso de dados não viciados, que nos traga melhores resultados na construção aberta do devir.

A persona Dilma Rousseff, Senhoras e Senhores Senadores, não compareceu à abertura oficial dos Jogos Olímpicos, em que nosso melhor – a alegria manifesta do povo brasileiro, e nossa capacidade de mobilização e organização – e também o nosso pior – o esquecimento da política e a nossa baixa autoestima – se fizeram presentes. Mais de três bilhões de seres humanos neste Planeta Terra testemunharam, em tempo real, o muito do que os brasileiros somos capazes. Resta-nos, doravante, assimilar a verdade incontestável de que, com total respeito ao interlocutor político e à diversidade de ideias, marca maior da vida em sociedade, seremos capazes de muito mais.

Com humildade, manifestamos nossa posição contrária à pronúncia da Presidente Dilma Rousseff, ao passo em que incentivamos os pares à manutenção de um debate intenso e informado sobre o tema “reforma política”, a se aprofundar no Congresso Nacional.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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