Não é a primeira vez que Teresa Leitão faz história na política de Pernambuco. Ela foi a primeira mulher eleita deputada estadual pelo PT, a primeira mulher a exercer o mandato de deputada estadual por cinco vezes consecutivas e, agora, se tornou a primeira mulher a se eleger senadora pelo Estado. Quadro histórico do PT e coordenadora do Setorial Nacional de Educação, Teresa Leitão foi eleita com mais de 46% dos votos dos pernambucanos.
Em entrevista ao PT no Senado, a senadora eleita traçou um panorama da política nacional, analisou a disputa entre forças democráticas em contraponto ao bolsonarismo e da necessidade de reconstrução nacional, em especial a partir da Educação nos moldes do conterrâneo Paulo Freire, patrono da educação brasileira cujo legado vem sofrendo ataques constantes dos representantes do retrocesso.
Professora aposentada, formada em Pedagogia pela Unicap, Teresa Leitão começou a vida política na militância sindical, sendo uma das fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação de Pernambuco (Sintepe). Está no quinto mandato de deputada estadual e é uma das mais produtivas da Assembleia Legislativa, onde é líder da bancada do PT e autora de 202 projetos de lei, apenas na atual legislatura. A seguir, a íntegra da entrevista:
A senhora protagonizou um momento histórico ao se tornar a primeira senadora de Pernambuco. Qual o significado disso e como a senhora vê este momento da participação das mulheres na política?
Pernambuco sempre foi um estado, em todo o seu ciclo histórico, com presença forte das mulheres. É de Pernambuco a primeira política, Bárbara Alencar, é de Pernambuco a reação popular das mulheres de contra o invasor holandês, é de Pernambuco também, na Revolução de 1917 [Revolução Pernambucana, movimento separatista contra Portugal], a presença muito forte das mulheres, como Teodora [Maria Teodora da Costa, portuguesa que enfrentou a Coroa ao lado do marido e líder do movimento, o governador Domingos Martins], e na política nós demoramos a chegar. Chegamos muito lentamente com a primeira deputada estadual, de esquerda, Adalgisa Cavalcante, cassada pela ditadura Vargas. Sempre a mulher liderando alguns processos, mas isso demorou a chegar para o todo, para o conjunto das mulheres, apesar desses episódios marcantes. Então, depois de termos a maior bancada de deputadas estaduais, depois de eu ser a primeira deputada estadual eleita pelo PT, depois de eu ser a primeira mulher com cinco mandatos consecutivos na Assembleia Legislativa, eu recebo esse símbolo de ter sido a primeira mulher eleita senadora como um marco dessa história e dessa trajetória de mulheres que me antecederam. Para eu chegar aqui, outras também fizeram o seu caminho. E a eleição demonstrou muito isso. Tivemos nove mulheres participando das chapas majoritárias, todas tinham mulher. Tanto é que estamos com duas mulheres no segundo turno e teremos a primeira mulher governadora. Então, recebo com muita responsabilidade, muita alegria, muita gratidão ao povo. E o que ajudou muito foi o presidente Lula, e a identificação foi instantânea e forte. Eu me eu ousei dizer que eu era a senadora de Lula, e ele completou isso na minha campanha dizendo que eu era a senadora do coração de Lula. Isso pegou, foi um símbolo, que eu vou carregar muito fortemente durante todo o meu mandato.
Além da atuação como parlamentar, a senhora tem uma presença ativa no Diretório Nacional do PT, em especial na área de educação. Qual a importância disso, num momento em que a democracia do país sofre com campanhas que tentam desacreditar a política?
Houve um projeto de criminalização muito grande da política em que o foco era o PT, mas se criminalizou a política toda, e o rebatimento disso nos partidos é muito forte. As pessoas têm dificuldade de diferenciar o projeto de um partido e de outro. Nós do PT conseguimos ainda sobreviver a isso, sendo o partido mais querido, que as pessoas sabem que tem regras, por contraditórias que possam ser, pelos conflitos que às vezes existem, mas todo mundo sabe que com o PT as coisas têm uma configuração. Somos um partido de massa, popular, e eu acho que isso nos engrandece. Eu sou fiel às deliberações partidárias. Fui presidente do PT de Olinda, fui presidente estadual em um momento muito difícil para o PT e sou membro do Diretório Nacional e Coordenadora Nacional do Setorial de Educação. E o Núcleo de Educação do Congresso é muito produtivo. Mesmo sem ser deputada federal, participei de várias atividades do núcleo, que produz e formula a política da educação, uma das mais atacadas pelo governo Bolsonaro. Com toda certeza terei muito trabalho para, como Lula disse, reconstruir o Brasil. Participei da formulação do programa de governo juntamente com o NAP, com o próprio núcleo coordenado pela deputada Rosa Neide [PT-MT] e acho que o PT é muito avançado nessa área. Nossas administrações municipais e estaduais têm muita experiência positiva pra apresentar. E espero também no Senado poder contribuir com esta área, na qual muitas medidas estão sendo tomadas pelo governo Bolsonaro no sentido de deixar, não digo terra arrasada, mas numa situação muito delicada. A gente vai atuar fortemente para fazer a educação ser alcançada por todos, como foi a meta dos nossos governos, desde a pré-escola, da educação infantil até o ensino superior.
Ontem mesmo o governo federal cortou recursos do ensino superior…
Perfeito. Talvez a gente não consiga terminar o ano acadêmico de alguns institutos federais de educação e de algumas universidades federais. Não há recurso de custeio para pagar água, para pagar luz, uma coisa absurda. Já estava apertado e esse corte vai dificultar muito e inviabilizar, eu diria.
Logo que terminou o primeiro turno, bolsonaristas começaram a atacar o Nordeste com mensagens xenofóbicas. Até o presidente associou o voto em Lula ao analfabetismo, isso depois de passar anos atacando Paulo Freire. Como a senhora recebe esse tipo de crítica?
Acho que Bolsonaro, seu governo e o bolsonarismo trazem todas essas teses fascistas, esse referencial de xenofobia, homofobia e machismo de uma forma muito cruel, porque sai da boca do presidente da República. Parece que isso estava isso um pouco adormecido, porque nossos governos não autorizavam. É como se agora isso fosse autorizado e todo mundo saiu da caixa, saiu da toca, para seguir o líder deles. Sempre fomos uma região mais pobre, e o ciclo histórico nos determinou isso apesar de termos sediado a primeira capital do Brasil, apesar de termos tido o ciclo de riqueza, mas sempre pautado pela exploração, pela escravidão, pela colonização. Mas isso fez também do Nordeste uma região de um povo muito forte. É uma região muito identitária entre si. Você pega do Maranhão à Bahia, há uma identidade muito grande de costumes, de sotaques, é uma identidade cultural. Isso nos dá uma força tão grande que foi provado agora, com a reação que o Nordeste teve ao governo Bolsonaro. Quando foi criado o consórcio de governadores do Nordeste, esta foi uma alternativa política tão exitosa que nos fez sobreviver à Covid de uma maneira que os estados mais desenvolvidos não conseguiram. Pernambuco, por exemplo, é o segundo estado com menor taxa de letalidade por Covid. Mas a gente não conseguiu ainda, e Lula vinha tentando fazer isso, superar aquela coisa do pau-de-arara, sai do Nordeste e vai pro Sul pra ganhar a vida. Hoje a migração é muito menor. Estava bem menor porque o nosso governo, através de um processo de integração nacional, valorizou todo o país. O correto é isso. Respeitar as peculiaridades regionais, as riquezas regionais a diversidade regional, aquilo que faz o Brasil ter essa riqueza nacional. Como o Brasil é um país muito extenso territorialmente, teve colonizações de várias matizes que se dividiram regionalmente, e um governo central responsável tem que trabalhar de maneira harmônica a integração nacional, porque somos um país que todo mundo se admira com a nossa unidade, que vem muito através da língua. Países menores por aí afora falam várias línguas, dialetos. Nossa língua é um fator de nacional muito forte. A gente tem sotaques. Mas a língua é a mesma. Isso nos une. Então, o governo central tem que trabalhar esse fator de integração nacional e respeitar as potencialidades regionais, essa riqueza cultural, de cadeias produtivas, de indústria, de comércio, de agricultura. Tanta coisa para ser feita e Bolsonaro juntou a isso a xenofobia ao tratar uma região historicamente pobre com essa maneira preconceituosa. Nós não somos uma região de analfabetos, ele está muito enganado. Daqui saíram excelentes cérebros para o Brasil e para o mundo. Isso nos orgulha bastante pela contribuição ao processo civilizatório que o Nordeste tem dado. Já que ele falou de analfabetismo, é de Pernambuco que saiu o método e um conceito de alfabetização que ganhou o mundo através de Paulo Freire, que no ano passado fez o seu centenário, e que Bolsonaro tentou banir do Brasil. Paulo Freire foi um dos asilados da ditadura militar, por vários anos. Veja a contradição: no ano no centenário, sob o governo Bolsonaro, sociedade e os governos estaduais, o movimento sindical, nós da Caed, o PT, nós não nos calamos. O Centenário foi o exemplo do que Paulo fez e defende: explorar as contradições, explicitar os conflitos, para criar novos consensos. Era Bolsonaro atacando de um lado e o povo querendo conhecer Paulo Freire de outro, a juventude querendo conhecer Paulo Freire. Eu coordenei na Assembleia Legislativa o Ano Legislativo Paulo Freire. Estudante das escolas públicas escrevendo sobre Paulo Freire. Isso nos orgulha porque Paulo Freire tem cátedras em várias universidades de vários países. Então, não é Bolsonaro com sua xenofobia que vai retirar do Nordeste. Não é? E nosso desafio inclusive é ampliar. O menor a menor votação que Lula teve no Nordeste foi 56%. Tem estados que beiraram os 70%. É por aí que a gente vai atuar porque talvez sejamos nós que mais precisamos de um governo federal que pense no povo como povo, como gente, que humanize o país.
Após o resultado das eleições, o que a senhora espera do próximo período, da sua atuação no Senado?
O PT comemora a eleição de três senadores e uma senadora, o que amplia em duas vagas, de sete para nove, e é uma bancada muito aguerrida, experiente e com muita unidade. Mas Bolsonaro elegeu oito, muitos ex-ministros que mandaram em todo esse processo de desconstrução do Brasil. Vai ser um embate muito forte. Aqui, o bolsonarista que eu enfrentei dizia que eu não podia ser eleita porque já tinha um senador do PT [Humberto Costa]. Isso mostra o nível de acirramento que a gente vai ter, e vamos precisar de muita capacidade de negociação. Eu dizia a ele que eu não sou melhor do que nenhum deles, mas eu sou diferente porque vim de um lugar que vocês não vieram. Vim de uma base social. Comecei minha minha experiência política no movimento sindical. E acho que nós, senadores do PT e da base aliada de Lula, vamos ter muito trabalho. Primeiro, para desconstruir aquilo que Bolsonaro produziu de nefasto para o povo brasileiro e reconstruir. Na educação, ele engavetou o Plano Nacional de Educação, uma lei com legitimidade imensa porque foi fruto de várias conferências de educação municipais, estaduais, nacional. Ele não deu um passo à frente para a discussão do Sistema Nacional de Educação. Se não fosse o SUS, não sei como a gente estaria no enfrentamento à Covid. E o que foi que Bolsonaro fez pelo SUS? Então, são pautas estruturante dos direitos. Onde já se viu estar discutindo redução da maioridade penal num país onde a gente ainda tem criança fora da escola? Onde já se viu estar discutindo liberalização do porte de armas? É como se a gente regredisse no tempo! Então, o enfrentamento que nós vamos ter é um enfrentamento duro porque é um enfrentamento de concepção. Nós vamos ganhar de Bolsonaro. Mas nós não vamos automaticamente nos livrar do bolsonarismo, que está muito enraizado, nas escolas, em algumas atividades profissionais, até na saúde, um conflito eterno entre médicos e outros profissionais da saúde. A gente disputa diuturnamente a “escola sem partido”, a “ideologia de gênero”. A sociedade como um todo, a classe média e os pobres, que estão mais pobres porque Bolsonaro trabalhou pra isso. Como é que a gente vai transformar isso numa consciência crítica, coletiva, social, que reaja? Lula vai ter um apoio institucional, ele tem capacidade de negociação para isso. Mas a gente precisa desse apoio popular, os populares de luta vão ter que ter um trabalho muito grande para desconstruir esse bolsonarismo. O que que Bolsonaro vai fazer? De primeiro de novembro até primeiro de janeiro só Deus sabe. Se Deus fosse conselheiro dele ainda era bom, mas parece que não é não. Parece que ele prefere o outro lado. Para mim, o PT vai ter que exercitar muito esse seu papel de partido que nasceu de uma base social, esse papel de representar as minorias, de dialogar com os movimentos sociais organizados para que essa base popular também dê sustentação a Lula. Não apenas a base institucional que emergiu das urnas menor do que o que a gente gostaria, mas que emergiu com força. A polarização será presente, sem sombra de dúvida. Vamos ter que ter muita paciência pedagógica, como diz Paulo Freire.
A senhora acha que essa conscientização política vai ter que entrar no currículo escolar, como uma forma de se contrapor a movimentos como “escola sem partido” e estimular o interesse das novas gerações pela atividade política?
Vai ter que entrar. Para você desconstruir a “escola sem partido” você tem que dizer o que ela representa: é a escola de um partido único, é a escola de um pensamento único, é a escola autoritária, é a escola que não respeita a diversidade. Então, a gente vai ter que ter muito conteúdo político nas nossas ações para criar essa consciência crítica que vai ser tão necessária para a sustentação do nosso projeto. Quatro anos de governo é muito pouco. Veja o que nós fizemos com 13 anos de governo. Foi muita coisa, eles nem conseguiram destruir tudo, mas eles se fortaleceram, inegavelmente. Temos que agir muito rápido, com muita unidade e com o apoio institucional da relação do Executivo com o Legislativo, que é complexo, com o apoio dos governadores. Nesse ponto, a experiência do Consórcio Nordeste deixou muito claro, pois se tornou o núcleo de resistência das políticas nefastas do governo, e os comitês populares de luta, que foram criados com o objetivo de enraizar a política lá onde a política acontece, que é no cotidiano de vida das pessoas. Acho que é um desafio imenso. E só poderemos fazer isso liderados pelo presidente Lula, por essa capacidade política de enxergar o povo como protagonista, como sujeito da história, e trabalhar pra que isso transforme o Brasil numa potência econômica mas, sobretudo, num país do bem-estar, num país onde as pessoas se sintam valorizadas, com a sua autoestima considerada, que possam viver e ser felizes.