Ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma Rousseff, a economista Tereza Campello advertiu que o governo Bolsonaro vai aprofundar a desigualdade social no país se insistir na manutenção do teto de gastos e na política de arrocho fiscal a qualquer custo. “Ao criar uma regra fiscal que congela gastos por 20 anos, independentemente se o Brasil vai crescer ou não, se o país está bem ou não, é um grave erro político”, alertou. Ela considera um equívoco cortar gastos sociais no momento de fragilidade e piora do cenário econômico.
Em entrevista ao Valor Econômico, transmitido pelo jornal em suas redes sociais e no YouTube, a ex-ministra aponta que o debate sobre o Orçamento da União de 2021 está equivocado. E criticou a insistência do ministro da Economia, Paulo Guedes, em manter a Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016 pelo Congresso Nacional por insistência do governo de Michel Temer. “É uma aberração do ponto de vista de planejamento público e precisa ser revista porque é insustentável”, criticou a ex-ministra. A medida tem o apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O PT é contra e defende a revogação da emenda, tendo apresentado um projeto no Senado Federal.
A fome das pessoas tem que caber no teto, é isso? Porque o lucro de muita gente não precisa caber no teto. Então nós temos uma sociedade completamente desigual e na hora de estabelecer regra, a regra é ‘coma a metade, ah, não, coma 25%’
Tereza também fez duras críticas à pretensão do Palácio do Planalto de acabar com o Bolsa Família para instituir um novo programa de distribuição de renda mínima, o Renda Cidadã, como instrumento de disputa política para a reeleição de Jair Bolsonaro. Ela defende o projeto de ampliação do Bolsa Família, apresentado pelo PT no Congresso Nacional, que amplia o público beneficiado e aumenta os valores dos benefícios. “É uma irresponsabilidade acabar com o Bolsa Família”, apontou. O projeto de aperfeiçoamento da principal política social dos governos do PT ganhou o nome de Mais Bolsa Família.
A economista, que ajudou a criar o Bolsa Família ainda no início do governo Lula, em 2003, considera um erro o Palácio do Planalto postergar o debate sobre o financiamento do novo Bolsa Família, tendo em vista às dificuldades para encontrar fontes de recursos para reforçar um programa de renda básica que substitua o auxílio emergencial de R$ 600. “A fome das pessoas tem que caber no teto, é isso? Porque o lucro de muita gente não precisa caber no teto. Então nós temos uma sociedade completamente desigual e na hora de estabelecer regra, a regra é ‘coma a metade, ah, não, coma 25%’”, criticou.
“Temos uma crise gigantesca, não só no Brasil, mas no mundo, com desfechos ainda a serem conhecidos. O que vai acontecer exatamente, qual a previsão de crescimento? E no meio disso, o governo anuncia acabar com a melhor experiência do mundo [em transferência de renda] e colocar algo no lugar?”, questionou a economista. “Eu acho uma irresponsabilidade. Uma temeridade, diga-se de passagem”, afirmou.
Sobre o teto dos gastos, Tereza diz que a proposta apresentada pelo governo em 2016 e aprovada pelo Legislativo, colocou uma camisa de força e aprofunda a crise social que se avizinha, porque impede investimentos públicos e gastos em áreas vitais, como saúde e educação para o povo. “Criar uma regra fiscal na Constituição está errado. Não estou dizendo que não tem que haver regra fiscal, que não tem que ser responsável. Estou dizendo que tem que ter uma regra que olhe o PPA [Plano Plurianual], por exemplo. Que se estabeleça uma regra fiscal que funcione a cada quatro anos, que aliás o Brasil já tinha. O PPA era uma peça de ficção, mas poderia não ser”, lembra.
“Que discussão fiscal é essa? Não se sustenta um debate deste. Um bando de rico dizendo que tem que privatizar, tirar dinheiro do funcionário público, para sustentar o Renda Cidadã”, advertiu Tereza, que defende uma reforma tributária solidária como caminho para se discutir a desigualdade no país. Segundo a ex-ministra, a proposta do PT de tributar os super-ricos brasileiros, que estão no topo da pirâmide social e têm rendimentos isentos de tributação, é fundamental. Eles precisam colaborar no momento de crise.