“Tirar o direito à atenção básica de saúde é a maior das exclusões”

Em debate sobre o Programa Mais Médicos, na CDH, especialistas dizem que garantir o atendimento é mais importante que qualquer discussão política

“Quando se pergunta ao cidadão qual é o
maior problema da saúde pública, ele
responde que é a falta de médicos”

“Tirar do cidadão a possibilidade de acesso à atenção básica é a maior exclusão que se pode fazer”. Assim, o secretário de Saúde da Bahia e representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Jorge Solla, inseriu os Direitos Humanos no debate sobre falta de médicos nos locais mais isolados do Brasil e sobre a necessidade do programa Mais Médicos.

Solla foi Secretário de Atenção à Saúde na gestão do atual senador Humberto Costa (PT-PE) como ministro da Saúde e é profundo conhecedor das demandas básicas da população no que se refere ao tema. Em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado para debater a proposta do Governo de trazer médicos estrangeiros para atender a população de municípios remotos, ele assegurou que até 90% dos problemas de saúde da população brasileira podem ser resolvidos apenas com a atenção básica.

Ele atestou a carência da população por médicos em muitos pontos do Brasil. “Quando se pergunta ao cidadão, ele efetivamente responde e identifica como o maior problema (da Saúde Pública) a falta de médicos. Ele vai ao posto e encontra enfermeiros e outros profissionais, mas não encontra médicos disponíveis para atendê-lo na hora em que necessita”.

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“Temos postos de saúde bem montados e
aparelhados, mas não temos médicos”

O problema foi detalhado pela prefeita do Guarujá, Maria Antonieta, que representou a Frente Nacional dos Prefeitos no debate. Ela lembrou que seu município não é pequeno (tem 300 mil habitantes), é considerado atraente, fica em região litorânea e é próximo de grandes centros e grandes hospitais. “Ainda assim, não consigo garantir médicos nos postos de saúde que eu construí, porque os concursados debandam em muito pouco tempo, porque ninguém quer atender na atenção básica e, especialmente, porque ninguém quer ser pediatra”, exemplificou, assegurando que o município está longe de ter problemas com equipamentos ou aparelhagem de postos de saúde – principal justificativa dos médicos que promovem passeatas contra o Programa Mais Médicos -, disse. “Ao contrário; temos postos de saúde bem montados e aparelhados, mas não temos médicos”.

“A estrutura necessária para garantir atenção básica não é tomógrafo nem aparelhos sofisticados. Isso é necessário para a atenção especializada e deve ficar a cargo dos hospitais. A atenção básica precisa ficar onde o cidadão vive, onde ele mora e trabalha”, disse o secretário da Bahia, insistindo que nas cidades mais isoladas e carentes do País, os médicos estrangeiros são uma necessidade.

“Os garotos (médicos recém-formados) querem sair da faculdade com um salário líquido de R$ 20 mil. Por isso, entendem que receber R$ 10 mil não vale a pena”, ilustrou.

Desafios

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“Temos dois desafios a enfrentar dentro do Sistema Único de Saúde: o financiamento e os recursos humanos”, resumiu, lembrando que o SUS é o maior sistema de saúde do mundo que garante “tudo para todos”, disse, referindo-se ao atendimento universalizado que o Sistema oferece, que inclui “da vacinação ao transplante”, inclusive para estrangeiros que estejam no território brasileiro.

A questão do investimento, para o especialista, é decisivo. Ele apresentou dados de 2010, que demonstram que os recursos dirigidos para a Saúde representam R$ 1 por habitante a cada dia. A questão do financiamento também foi destacada pelo senador Humberto Costa, que está finalizando um relatório com propostas sobre novas formas de financiamento para o setor.

Solla também recordou que o cadastro nacional dos estabelecimentos de saúde mostra que o abismo entre a oferta de vagas para médicos e a quantidade de profissionais empregados se abre a cada ano. “Há três anos, havia 2,6 ofertas de emprego para cada profissional e agora essa relação chegou a 3 vagas por médico em termos nacionais. Na Bahia, a relação é ainda mais desfavorável, chegando ao nível de 3,3,”, disse.

Revalida
O sistema criado pelo Ministério da Educação para garantir que médicos formados em outros países – o Revalida – possam exercer a medicina no Brasil foi, na avaliação de Solla “um grande tiro no pé”. “É muito impressionante que o Revalida nunca tenha sido testado em estudantes brasileiros”, espantou-se.

Ele disse que o teste é muito subjetivo e a maioria do conteúdo é voltada para testar conhecimentos específicos e não de clínica médica. “Nós precisamos agora é de médicos para atender em pequenos municípios e que estejam dispostos a atender pelo Sistema Único de Saúde”.

Humberto Costa endossou: “Trazer médicos estrangeiros é resolver uma questão emergencial. O senador recordou que os médicos contratados pelo programa Mais Médicos vão trabalhar circunscritos a uma área. “Se aplicarmos o Revalida, esse profissional tem o direito constitucional de trabalhar onde quiser e, nesse caso, qual o objetivo do programa?”, questionou, lembrando que, dessa forma, as populações isoladas e desassistidas continuariam sem médicos.

Sobre o argumento de que a “importação” de médicos cubanos encheria o País de comunistas mal-formados, Humberto reagiu irritado: “Isso é argumento raso; resquício de regime militar”. Ele lembrou que, quando ministro da Saúde, esteve em Cuba e pôde verificar que o país oferece um dos melhores sistemas de educação básica do mundo. “Vamos fazer um debate ideológico na Saúde Pública?”, indignou-se.

Giselle Chassot

Foto: Agência Senado

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