Foto: Alessandro DantasCyntia Campos
08 de novembro|19:36
Há dois pontos de vista fortemente demarcados no debate sobre a estagnação dos investimentos públicos durante 20 anos, como está proposto na chamada PEC da Morte (PEC 55/2016). De um lado, estão os que priorizam pessoas e a obrigação do Estado de atender suas demandas e necessidades. Do outro, os devotos dos números, para quem um livro caixa com colunas equivalentes e a “confiança do mercado” resultante dessa simetria bastam para girar a roda do desenvolvimento.
Essa cisão ficou muito clara durante a audiência pública conjunta das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE) realizada nesta terça-feira para discutir a PEC da Maldade. A divisão, porém, vai muito além das diferenças entre direita e esquerda. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), integrante do partido de Temer, por exemplo, não aceita a proposta que, para ela, vai tirar dos mais pobres. “Eu não sou da esquerda, mas eu sou humana”, frisou Kátia, que considera desumano prejudicar a oferta de saúde e educação públicas para quem mais precisa.
Na audiência pública, os senadores puderam ouvir as análises de Marcos Mendes, chefe da Assessoria Especial do ministro da Fazenda da gestão Temer, e os professores Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pedro Paulo Zaluth Bastos e Guilherme Santos Melo, ambos da Universidade de Campinas- Unicamp. A bancada do PT e da oposição compareceu em peso ao debate.
O representante da gestão Temer e o professor da FGV defenderam a aprovação da medida, sendo rebatidos pelos professores da Unicamp. Mendes, do Ministério da Fazenda, acenou com a volta da inflação sem controle, caso a PEC não seja aprovada.
Para Samuel Pessoa, da FGV, a PEC se justificaria porque o crescimento das receitas do governo em taxas que chegaram a ser o dobro do crescimento do PIB, experimentado de 1998 a 2010, foi “atípico”, não vai se repetir e o País precisa se adequar à “realidade”.
“Direitos constitucionais levaram à hiperinflação”
Sobre os direitos constitucionais assegurados à população, Pessoa afirmou que “o primeiro resultado da Constituição de 1988 foi a hiperinflação brasileira”, em função de sua vocação para inaugurar a construção de um Estado de bem-estar social no Brasil. A PEC 55 seria a “muleta que vai disciplinar o conflito distributivo”, estabelecendo uma guinada radical no perfil fiscal brasileiro.
Pedro Paulo Zaluth Bastos, professor de Economia da Unicamp, discorda frontalmente de Samuel Pessoa. “Essa PEC é contraproducente. Não vai entregar o que promete. Além disso, ela é injusta e antidemocrática”. As amarras que a PEC da Morte vai impor aos investimentos sociais do governo, ao longo de 20 anos, muito longe de contribuir para sanear as contas públicas, vai provocar uma estagnação econômica que só vai piorar o quadro fiscal.
A mudança que a gestão Temer quer instituir com a PEC 55 é assustadora: é tomar o total de recursos destinados a todas as políticas governamentais em 2016 como teto e, a partir daí, durante 20 anos, só permitir que esses valores sejam corrigidos pela inflação, sem o acréscimo real de sequer um centavo. Apenas o crescimento populacional projetado nesse período – 21 milhões de pessoas a mais até 2036 — já desaconselha a ideia.
“O Brasil que vai resultar dessa PEC é um Estado do tamanho dos países africanos de mais baixa renda”. O congelamento do orçamento, com o crescimento da demanda por serviços públicos vai resultar no encolhimento dos recursos, na prática.
Invertendo o giro da roda
A PEC vai impedir a adoção das chamadas políticas anticíclicas em momentos de desaceleração da economia, que é um movimento para “inverter o giro da roda”: na medida em que o governo investe em programas e obras, a economia começa a reagir positivamente, o setor privado começa a contratar, também contribuído para o aquecimento econômico, e a arrecadação do governo cresce, graças ao recolhimento maior de impostos sobre o faturamento maior das empresas e ampliação da massa salarial. Isto é: uma virada do círculo vicioso da recessão para o círculo virtuoso da vitalidade.
“Se o Governo reduz o gasto, a receita privada cai e fica mais difícil pagar impostos. E aí, eventualmente, as empresas vão cortar ainda mais os gastos, o que vai produzir uma queda futura da arrecadação. Os economistas sabem isso desde a década de 30”, explica Zaluth.
Se a incapacidade da PEC 55 de entregar o que promete requer o emprego de algum economês para ser explicado, o caráter injusto da proposta é compreensível em português básico e sem adornos: “Essa PEC, tal como está, pune os inocentes, os dependentes do gasto social e da Previdência, e nada faz – não vou medir palavras – com os criminosos, com os sonegadores fiscais e com privilegiados pela estrutura tributária regressiva”, fuzila Zaluth.
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