Um espetáculo protagonizado pelo TCU e os 15 minutos de fama de Nardes

Um espetáculo protagonizado pelo TCU e os 15 minutos de fama de Nardes

A transformação de uma corriqueira análise das contas presidenciais anuais em grande enredo de espetáculo, com direito até a “bilheteria”. Este ato protagonizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que teve como personagem principal o ministro Augusto Nardes, é analisado no artigo assinado pela advogada e assessora técnica da Liderança do PT no Senado, Tânia Maria de Oliveira. Confira:

O TCU e a espetacularização do julgamento das contas presidenciais

Andy Warhol dizia que no futuro todos serão célebres por 15 minutos.

Dentre outros eventos da atual cena política brasileira, a espetacularização criada em torno da análise prévia das contas presidenciais de 2014 pelo Tribunal de Contas da União encaixa-se com perfeição na frase.  Em uma “mise en scène” deliberada, teve direito a convites formalmente emitidos para a sessão aos demais órgãos públicos e à imprensa, como se fora o evento algo atípico, incomum, além de chamamento nas redes sociais. Trouxe, ainda, para o centro do palco uma personagem até então desconhecida do público nacional: Ministro Augusto Nardes, relator do processo de contas.

O Tribunal de Contas da União possui, por desígnio constitucional, a missão de apreciar, mediante parecer prévio, as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República. É etapa considerada fundamental no processo de controle externo da gestão pública, com o objetivo de fornecer ao Poder Legislativo elementos técnicos essenciais para o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo a ser feito pelo Congresso Nacional. O ministro relator já havia antecipado seu voto e as considerações que seriam feitas para a imprensa, concedendo várias entrevistas. Trechos inteiros do relatório tomaram as páginas dos jornais no dia 1º de outubro, seis dias antes da data do julgamento.

Mais do que faltar com dever funcional de não se manifestar fora dos autos e não antecipar julgamento, a posição assumida por Nardes durante todo o processo buscou respaldo e identificação com determinados segmentos da sociedade, diretamente interessados no desfecho da análise de forma desfavorável ao governo. Sua postura foi de se expor e interagir com os acontecimentos conjunturais do País e o momento de instabilidade política, diante das tentativas de golpe contra o mandato presidencial. Transformou a corriqueira análise das contas presidenciais anuais naquilo que o teórico francês Guy Debord chamou de espetacularização, seduzindo o espectador a seguir o enredo proposto.

As práticas com intenção de produzir apresentação aceitável e socialmente visível são próprias da política, para quem exerce ou pretende exercer cargo eletivo. Fazem parte do processo de conquista do eleitorado. Uma série de recursos são adotados nesse intuito, inclusive a encenação.  Todavia, na contemporaneidade, o recurso está longe de ser utilizado apenas por candidatos ou exercentes de mandatos populares. Passou a integrar prática dos agentes políticos genericamente considerados, cuja produção discursiva opera, cada dia mais, sob signos midiáticos. Segundo Debord “o espetáculo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutível e inacessível. Não diz nada além de ‘o que aparece é bom, o que é bom aparece’” (DEBORD, 1997: 16-17)*.

Desse modo, a referida espetacularização da apreciação das contas presidenciais pelo TCU teve, desde seu início há meses, apelos de entes políticos que interagiram com o órgão e uma midiatização excessiva.  A propósito, impõe-se afirmar que a mídia exerce papel central na sociedade do espetáculo, seja determinando padrões de consumo, seja dramatizando, desvirtuando, superdimensionando ou banalizando acontecimentos, a depender do interesse do veículo.

Em seus “15 minutos de fama” e diante da plateia convidada o ministro Nardes fez o que já havia antecipado: recomendou a rejeição das contas presidenciais de 2014. Ao segui-lo, a Corte de Contas adotou decisão até então inédita, embora a prática ora chamada de manipulação e que atende pelo apelido de “pedaladas fiscais” seja, reconhecidamente, usual em todos os governos anteriores a esse e cuja legalidade o TCU jamais questionara. Ao fazê-lo, postou-se formalmente ao lado daqueles que, na disputa política buscam o golpismo, em um processo de irracionalidade que, aproveitando-se das dificuldades econômico-sociais, tenta transformar a democracia brasileira em uma caricatura de si mesma.

* DEBORD, GUY. A Sociedade do Espetáculo. Contraponto. Rio de Janeiro. 1997.

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