Os dados publicados do IPCA de fevereiro chamaram a atenção pelos números da inflação da “alimentação no domicílio”. Considerando os resultados acumulados de janeiro e fevereiro, alguns alimentos básicos tiveram os preços em alta importante. Por exemplo, para um índice geral de inflação, de 1.1%, no bimestre, arroz e feijão tiveram IPCA variando de 11% a 18%; batata e batata doce, respectivamente 27% e 12%.
O anúncio desses resultados pelo IBGE coincidiu com a divulgação de pesquisas dando conta da queda na aprovação do governo. É possível que junto com outros fatores, a alta nos preços da comida tenha afetado a avaliação do governo e do presidente. A constatação semanal nos supermercados de alta nos preços de alimentos, certamente afeta o humor dos consumidores, especialmente das famílias mais pobres.
Porém, se nas perspectivas da política monetária e da sensibilidade política é indispensável a preocupação com os preços dos alimentos, é possível que, neste caso, a má notícia seja, ao mesmo tempo, o indicador de um processo virtuoso, em curso.
Com efeito, talvez estejam sendo sentidos os efeitos do processo de retomada da economia, recuperação do emprego, do aumento real do salário mínimo e do fortalecimento das políticas de transferência de renda efetivados em pouco mais de um ano do terceiro governo Lula. Em outros termos, é possível as pressões nos preços traduzam reação ao incremento da renda das populações mais pobres. Somente em 2023, o universo de pessoas com fome foi reduzido em 13 milhões e a renda do trabalho cresceu 11,7%.
Portanto, presume-se a existência de um gap entre a oferta de alguns alimentos e a demanda correspondente. Consideremos os alimentos sujeitos a efeitos sazonais e aqueles com as respectivas ofertas afetadas por razões estruturais associadas ao avanço do agronegócio exportador. No primeiro caso, o meio de defesa dos consumidores é a substituição por “produtos da época”; não há muito o que fazer.
O problema mesmo reside na segunda categoria de produtos, entre os quais destacamos aqueles que são ultrabásicos em nossa dieta: arroz, feijão e mandioca. Por suposto, as deficiências na oferta e a volatilidade nos preços desses produtos resultam em preocupações e dissabores políticos a qualquer governo. Analisemos os arroz e feijão pela maior facilidade dos dados.
Conforme dito, no acumulado de janeiro e fevereiro os preços desses produtos variaram de 11% a 18% para um índice geral de inflação de 1.1%. Por que a hipóteses sobre o incremento da demanda? Em primeiro lugar, ao contrário do que foi veiculado pela imprensa, não houve quebra na safra desses produtos por fatores climáticos. Segundo a CONAB, da safra 22/23 para a 23/24, a produção de arroz cresceu de 10 milhões de ton para 10.5 milhões de ton, e a do feijão se manteve em 3 milhões de toneladas. Em janeiro e fevereiro as importações de arroz, de US$ 146.4 milhões foram o recorde histórico para o período; um incremento de 98% sobre jan/fev de 2023. No caso do feijão carioca, o mais consumido no Brasil, não há de onde importar.
Portanto, preços em alta nesse contexto é sugestivo de pressão de consumo, o que exige resposta urgente da oferta. Como viabilizá-la? Aumentar ainda mais as importações de arroz é possível, mas não é desejável. De feijão, exceto o carioca, alguma compra principalmente do México é factível. Porém, o fundamental é um choque de oferta via a mobilização da agricultura familiar com a concomitante recuperação dos estoques públicos, caso contrário teremos a combinação danosa de preços em alta desses produtos com o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados. O governo está atento e deverá adotar as medidas adequadas no Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/25. Vale um pouco de paciência por um processo virtuoso!